Tendo vivido em uma época em que o direito à educação não era garantido nem a todos os homens, Hipátia de Alexandria foi um fenômeno do conhecimento.
No episódio desta segunda-feira do podcast infantil Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas vamos contar a história desta filósofa, considerada a primeira matemática da história.
Leia o conto aqui e escute o podcast:
Hipátia era também astrônoma, filósofa, estudiosa da Medicina e da Política.
Nascida, provavelmente, entre os anos de 350 e 370 depois de Cristo, Hipátia era filha de Téon, um dos diretores do Museu de Alexandria, no Egito, e foi incentivada pelo pai, desde pequena, a estudar.
Para a professora Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho, professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich / UFMG), no estudo de qualquer figura histórica, como Hipátia de Alexandria, tornam-se conhecidas perspectivas que os outros tinham dela – não necessariamente fatos e dados sobre sua existência, já que nem todos os registros sobrevivem ao tempo.
“Mas todos os registros sobre ela e sua vida nos ajudam a reconstruir sua imagem, tanto como ela se apresentava, quanto como ela era vista pelos outros”, explica a professora.
Uma brilhante filósofa
Porque atuava em um ambiente extremamente masculino, Hipátia certamente era uma sábia acima da média, ou não teria exercido cargos como professora em Alexandria.
“Ela dava aula para a elite, pessoas muito importantes. Tinha que ser brilhante em várias áreas do conhecimento ou não seria aceita naquele espaço”, comenta a professora Maria Cecília.
No afresco Escola de Atenas, de Rafael, localizado no atual Museu do Vaticano, Hipátia está representada entre os maiores sábios da Antiguidade.
“Claro que aquelas pessoas não conviveram, mas Hipátia está ali no meio, e é a única mulher, mesmo muitos séculos depois da época em que viveu. isso é muito significativo”, comenta a professora.
Poucos registros de sua época
Assim como ocorreu com as obras de filósofos pré-socráticos, praticamente toda a produção de Hipátia se perdeu ao longo dos séculos. O que há de registro histórico são fragmentos, citados por outros filósofos, como um de seus ex-alunos, Sinésio de Cirene, com quem ela se correspondia.
“Houve guerras, muitas bibliotecas pegaram fogo, o material era perecível. Há acidentes de percurso, como incêndios, mas também destruição proposital feita por grupos e governos”, explica a professora Maria Cecília. Segundo ela, é preciso notar que há escolhas políticas que garantem que a produção de certos autores tenha sobrevivido ao tempo enquanto outras produções, não.
“No caso de Hipátia, temos registros de títulos, ou relatos. Há pouquíssima informação sobre ela, e muita coisa é lendária. Mas essas lendas são interessantes porque servem para compreender como se construiu a imagem dela”, explica a professora.
Um episódio lendário diz dos relacionamentos amorosos, que ela não teve.
“Há uma lenda de que ela teria apresentado um lenço manchado de sangue a um apaixonado, demonstrando que era um corpo que sangra, ou seja, um corpo finito, e o que é importante é o conhecimento, a alma. Há uma visão neoplatônica de que o importante é a educação da alma e não esses desejos que passam, como um corpo que sangra, uma paixão”, explica a professora.
Essa visão da mulher como um ser que sangra todo mês e não morre permanece até os dias de hoje. O sangue, nessa leitura, é visto como algo ruim, que reforça a corporeidade e a morte.
“Essa ideia vai ao encontro de uma visão do feminino que era oportuna para criar a imagem da mulher que Hipátia foi, conectada com as coisas do alto, com o conhecimento, não com as paixões mundanas. Então, mesmo o que é lendário ajuda a investigar e entender a visão sobre a mulher e sobre a figura feminina na Antiguidade, e como isso se reconstrói até os dias de hoje”, reforça Maria Cecília.
Quais foram as principais contribuições de Hipátia?
Na Astronomia, uma das lendas por trás de suas contribuições à Ciência está relacionada à compreensão do movimento dos Planetas. Se, à época, acreditava-se que os astros giravam em um círculo perfeito em torno da Terra, Hipátia teria proposto algo inimaginável: que o movimento dos Planetas era em elipse, quebrando com todos os pressupostos do que se entendia como ciência dos astros na Antiguidade.
“No entanto, esses são elementos lendários, que não temos como provar. Ela tinha um vasto conhecimento do que era a astronomia e a geometria. Quando falamos que ela era uma ‘matemática’, no mundo grego, refere-se ‘àquilo que se aprende’. As matemáticas são a aritmética, a geometria plana, a geometria sólida ou tridimensional, a música e a astronomia. Falar que Hipátia era uma matemática quer dizer que ela tinha que conhecer todos essas áreas do saber”, detalha Maria Cecília.
Hipátia teria sido reconhecida também por seus discursos sobre Platão e Aristóteles. Há relatos de que ela teria construído um astrolábio – instrumento que ajudava a estudar os astros –, um hidrômetro e um higroscópico, para absorver a umidade.
Tensões em Alexandria e uma morte trágica
Embora amplamente conhecida por ter sido um centro do saber, associada, principalmente, a sua grande Biblioteca, a cidade de Alexandria era também um lugar de grandes tensões políticas entre pagãos, judeus e cristãos, que com frequência se tornavam violentas.
Com o tempo, os ensinamentos pagãos de Hipátia começaram a incomodar os religiosos, e ela se tornou um alvo. Foi morta por volta do ano 415 depois de Cristo, por uma horda de extremistas que a teriam assassinado na rua, no espaço público. “Ela morreu em um momento de extremismo, porque representava as ciências, que eles viam como negativa”, detalha a professora.
No filme “Alexandria” (2009) – Agora, no original – a atriz Rachel Weisz interpreta a filósofa. O drama histórico é ambientado no Egito Romano e conta a história de um escravo que se volta para a maré crescente do Cristianismo, na esperança de buscar a liberdade, enquanto se apaixona por Hipátia.
Sobre o filme, a professora comenta que a obra retrata uma Hipátia muito bonita, que atrai os homens, que faz com que as pessoas se apaixonem por sua beleza e sabedoria.
“No filme, ela é retirada da rua e assassinada em um espaço privado, e há toda uma tensão que envolve a relação do assassino com Hipátia. Novamente, isso diz das representações das mulheres, até mesmo no momento de sua morte”, conclui a professora.
Referências adicionais:
- FERNANDEZ, Cecília de Souza; AMARAL, Ana Maria Luz Fassarella; VIANA, Isabela Vasconcelos. A história de Hipátia e de muitas outras matemáticas. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 2019.
- IGNOTOFSKY, Rachel. As cientistas: 50 muheres que mudaram o mundo. São Paulo: Blucher, 2017.
- PACHECO, Juliana (Org.). Filósofas: a presença das mulheres na filosofia. Porto Alegre: Editora Fi, 2016.
Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas
Este texto é um conteúdo de apoio ao décimo terceiro episódio do podcast infantil Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas. O objetivo desta postagem é explorar os conceitos científicos, dando suporte a pais, responsáveis e professores. Assim, fica mais fácil ouvir o episódio com a criançada.
Episódios anteriores:
Primeira temporada
1 – Uma batalha interna, no Mundo de Rafa
3 – Vida de libélula
4 – Um conto sobre o crescimento da população
5 – A incrível história de Grace Hopper
6 – As aventuras do povo de Luzia
7 – Um trabalho para os neurônios
8 – A descoberta da gravidade e outras histórias de Newton
Segunda temporada
9 – A vida da Terra
10 – As chaves do tamanho
11 – A descoberta da Evolução e outras histórias de Darwin
12 – A invenção das horas
13 – Vida de beija-flor