Por Luana Cruz e Luiza Lages
Neste momento, 7,7 bilhões de pessoas vivem o grande desafio de vencer uma pandemia, que transformará, em vários aspectos, a sociedade. Essas mudanças têm muito a ver com o tema do quarto episódio do podcast infantil Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas. O assunto é Demografia: a forma como percebemos e estudamos o nascimento, envelhecimento, as mortes e migrações, com início nas teorias do economista inglês Thomas Malthus. A produção dá sequência a uma temporada com oito áudios que apresentam histórias sobre a vida de grandes nomes das Ciências, conceitos, teorias e acontecimentos científicos.
Leia o conto aqui e escute o podcast:
No final do século XVIII, nos primórdios da Revolução Francesa, o mundo passava por mudanças que indicavam uma vida nova para as pessoas no que diz respeito às suas representações, questões políticas e econômicas. Os Iluministas naquele momento, apresentavam ideias otimistas sobre essas mudanças. No entanto, Thomas Malthus apareceu como contraponto e escreveu o livro Princípio da População, sobre crescimento da população com uma visão bem pessimista de seus efeitos. O ensaio apresentava dois fundamentos: a fome sempre existirá e a população sempre vai se reproduzir, portanto, a necessidade de alimentos permanecerá.
“Frente a esses dois princípios ele mostra que a população segue uma progressão geométrica, uma curva ascendente e a alimentação segue uma progressão aritmética, ou seja, é uma reta. Em alguns momentos da relação dessas duas curvas, a população vai ultrapassar os alimentos disponíveis. E nesses momentos aconteceriam os freios positivos como guerra, fome e miséria. Com isso, há uma redução do tamanho da população que passa a ficar abaixo dos meios de subsistência”, explica Duval Magalhães, do Departamento de Geografia da PUC Minas, que foi o responsável pela assessoria científica do episódio.
Visão de Malthus
Para Malthus, o ciclo de crescimento voltaria a acontecer em processo contínuo de situações de guerra, fome e miséria. Portanto, ele sugere freios preventivos para tornar o crescimento mais lento, pensando no futuro da humanidade. Hoje, sabemos que a visão de Malthus foi radical, pois a comida não acabou por causa do crescimento populacional. Reza a lenda que o economista escreveu sua teoria contrariando as ideias do pai, um rico proprietário de terras que apoiava pensadores Iluministas.
“A primeira edição do livro foi anônima. Ele não assinou essa edição. O livro esgotou rapidamente e foi bem recebido. O segundo ponto é que ele tinha uma visão muito extrema em relação à pobreza. Nesse livro, há uma passagem em que ele fala: os pobres não foram convidados para o banquete vida. Essa passagem não aparece na segunda edição do livro”.
Ademais, Malthus se ateve a argumentar sobre possível falta de comida quando, na verdade, as populações precisam de mais recursos para viver. Conforme explica o professor Duval Magalhães, a relação entre meios de subsistência pode ser um pouco mais ampla do que simplesmente alimentação. É preciso pensar em energia, água, espaço, além do formato de consumo estabelecido pelas pessoas. “Se você tem uma sociedade de alto consumo, as suas necessidades podem impactar no meio ambiente de tal forma que gerariam uma degradação que atuaria sobre a população”, afirma.
Neomalthusianismo
Se dermos um salto na história, para pensar o período pós Segunda Guerra Mundial, há uma retomada das ideias de Malthus por conta do crescimento populacional elevado. Durante a guerra foram desenvolvidas tecnologias de combate à mortalidade, principalmente de doenças infecciosas e endêmicas. Segundo o professor Duval Magalhães, o nascimento continuava o mesmo e a mortalidade caiu, processo que é parte de uma transição demográfica.
A particularidade do período era que o grande crescimento populacional ocorria nos países em desenvolvimento, enquanto nações da Europa já passavam pela transição há mais tempo, registrando taxas de crescimento menores. “A população dos países subdesenvolvidos cresceu muito e gerou preocupação nos anos 1950 e 1960, pois isso apareceu como uma bomba demográfica”, detalha.
Nesse contexto, houve um resgate das ideias de Malthus, conhecido como Neomalthusianismo, mas com uma perspectiva de redução da taxa de natalidade, ou seja, impedir mais nascimentos. Para Duval Magalhães, usou-se o panorama de Malthus para justificar ações em prol de um projeto de controle populacional e planejamento familiar.
“Achavam que reduzindo número de pessoas para comer, conseguiriam ter desenvolvimento, o que é uma ideia falsa”. No Brasil, explica o professor, estamos no final da transição demográfica e não faz sentido dizer que diminuir o número de pessoas pobres faz aumentar a riqueza.
Crescimento da população, economia e consumo
Segundo Duval Magalhães, o que surge com o Neomalthusianismo é uma visão um pouco equivocada de atribuir os problemas econômicos ao crescimento da população. Para ele, é o padrão de consumo que exaure as possibilidades que o planeta tem.
“Meia hora de produção industrial chinesa equivale a cinco anos de poluição gerada no Brasil. É muito mais a questão de como a sociedade se converteu em uma sociedade de consumo, do que efetivamente o tamanho da população. O problemático é a forma como a sociedade vive. Se o padrão de consumo americano fosse colocado na Índia, nós teríamos mundo para um mês, no máximo dois”, detalha o professor. É que nesse caso hipotético teríamos uma população enorme (1,3 bilhão) e um padrão de consumo também grande.
Causa e efeito
A teoria malthusiana serviu para gerar um modelo de causa e efeito, conforme avalia o professor Duval Magalhães. “Há sempre a pergunta: o desenvolvimento tem um efeito sobre o crescimento populacional? Ou é o crescimento populacional que tem um efeito sobre o desenvolvimento? É a primeira opção que a realidade mostrou”, afirma.
O desenvolvimento precisa ser pensado como algo mais amplo. O professor exemplifica a entrada da mulher no mercado de trabalho com um aspecto que impacta demografia, porque é parte do desenvolvimento. “Maior instrução para as mulheres e direitos de estudar. Esses processos fazem acontecer a queda da fecundidade”, explica o professor.
Enfim, a teoria malthusiana valeu para apontar a relação entre crescimento populacional versus meios de subsistência, mas atualmente faz mais sentido pensar em crescimento populacional versus padrão de consumo. Essa mudança de visão foi demonstrada pelos estudos de Demografia, que surgiu como ciência no fim dos anos 1940. Sendo assim, segue-se hoje com a noção de transição demográfica, em que cada país precisa pensar seus desafios populacionais de acordo com a etapa de transformação em que se encontra.
Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas
Este texto sobre a Teoria e Malthus é um conteúdo de apoio ao quarto episódio do podcast infantil Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas. O objetivo desta postagem é explorar os conceitos científicos, dando suporte a pais, responsáveis e professores. Assim, fica mais fácil ouvir o episódio com a criançada.
Episódios anteriores:
1 – Uma batalha interna, no Mundo de Rafa
3 – Vida de libélula