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Mudanças climáticas afetam relações entre plantas e formigas

Pesquisadores da UFU estudam relações entre plantas, formigas e herbívoros, e como a variação do clima afeta esse convívio e a biodiversidade

Formiga em um nectário extrafloral no cerrado / Imagem: Divulgação



Como se dão as relações entre plantas, formigas e herbívoros? E como a variação do clima afeta esse convívio? São perguntas que pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) procuraram responder em estudos no cerrado mineiro. E algumas das respostas ganharam a capa do Journal of Ecology, uma das principais revistas de ecologia do mundo.

Para produzir o artigo da capa do periódico internacional, Kleber Del-Claro e Letícia Rodrigues Novaes, do Laboratório de Ecologia Comportamental e de Interações da UFU, trabalharam em parceria com pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Juntos, investigaram os impactos da temperatura e dos regimes de chuva na relação de mutualismo entre formigas e plantas.

Formigas e aranhas: sistema de defesa

Kleber Del-Claro explica que as plantas fornecem nutrientes e todos os carboidratos que os animais precisam para se desenvolver. E, por serem base das cadeias tróficas, muitos animais se alimentam delas: os chamados herbívoros. “Eles querem proteínas, carboidratos, energia para crescer. Então as plantas precisam ter defesas contra a herbivoria indesejada, que destrói sementes, flores, que pode matar a própria planta”, explica o professor.

Geralmente essas defesas são maior dureza, presença de espinhos e produção de substâncias tóxicas. Mas Del-Claro conta que, no Cerrado, quase 30% das plantas têm defesa biótica. “Ela pega uma parte da seiva e joga fora da flor: coloca em glândulas que estão em outras partes, como nas folhas. É o chamado néctar extrafloral”, diz.

O néctar geralmente tem a função de atrair insetos e outros animais para a polinização. Mas essa substância fora da flor deixa de ter essa associação, e atrai formigas e até aranhas. “Descobrimos que 39 espécies de aranhas são atraídas, o que é algo que não esperávamos, porque a aranha e dita como um bicho estritamente carnívoro. E no Cerrado um grupo se alimenta também do néctar extrafloral”, afirma.

Del-Claro usa um buffet de self service como metáfora para a ação das formigas e aranhas sobre a planta:

se eu estou pegando um tipo de alimento, pego também outro, que é principal para mim. É isso que formigas e aranhas fazem: enquanto estão na planta, atraídas pelo néctar, atacam também lagartas de borboleta, de besouro, percevejos e qualquer outro animal que estiver ali, se alimentando. Acabam protegendo a planta contra seus inimigos naturais.

Assista ao vídeo abaixo para entender um pouco mais sobre a importância do nectário extrafloral para a proteção das plantas:

Reação das plantas

“Nós descobrimos uma coisa muito legal. Conseguimos mostrar que a planta sabe quando está sendo atacada por um herbívoro”, conta o biólogo. Quando herbívoros se alimentam de partes da planta, ocorre uma mudança química que faz com que a planta reaja à presença dos animais: a concentração de açúcar no néctar aumenta, o que atrai formigas mais agressivas.

Temos mais de 13 mil espécies de formigas no mundo! Só no cerrado, mais de duas mil, e a grande maioria é de carnívoras predadoras, que se tornam uma arma protetiva da planta.

Os resultados da pesquisa foram publicados no Journal of Ecology no final de 2020. E, em fevereiro, outro estudo dos pesquisadores do Laboratório de Ecologia Comportamental e de Interações estampou a capa do periódico.

O clima e as relações bióticas

Kleber Del-Claro e Eduardo Calixto em pesquisa de campo / Acervo pessoal

O início dos estudos se deu durante a graduação do Eduardo Calixto, e continuaram durante o mestrado e o doutorado do pesquisador na UFU. “E temos um grupo de pessoas que participaram da pesquisa. São trabalhos que demandam muito esforço de campo”, explica Del-Claro.

Os pesquisadores observaram as folhas, botões, flores e frutos formados por plantas do cerrado, que apresentaram mudanças na produção de néctar extrafloral e no padrão de comportamento dos seres próximos a elas.

“Há algum tempo a gente vem fazendo trabalhos de pesquisa para mostrar que o desmatamento, a urbanização, a construção de hidrelétricas com grandes espelhos d’água alteram o clima regional”, diz Del-Claro. Segundo o pesquisador, no cerrado, a interferência do homem levou a um aumento médio da temperatura de um grau Celsius. “E não é em um dia, é na média. Isso significa que a gente tem um verão às vezes cinco graus acima da média”, explica.

O professor lembra que pesquisas do grupo já vinham mostrando que as mudanças climáticas poderiam provocar grandes alterações nas relações entre animais e plantas e afetar a biodiversidade local.

Conseguimos mostrar que todas as relações estão respondendo à variação climática. O clima tem um impacto direto nas relações bióticas no cerrado e isso pode desestabilizar toda uma biodiversidade. Por mais que pareça uma conclusão óbvia, entre você imaginar e você provar que aquilo é real, existe uma grande diferença.

A natureza interligada

As formigas são importantes controladoras da fauna que existe no cerrado. Elas permitem que várias espécies convivam, porque impedem que determinadas espécies se tornem muito numerosas e eliminem outras.

“A gente se esquece que não é só sobre formigas, aranhas, besouros e algumas plantas”, diz Del-Claro. O professor explica que, no mesmo espaço, existem pernilongos, por exemplo. O cenário é o seguinte: o pernilongo usualmente se alimenta do sangue de determinado rato que, por sua vez, depende de frutos de uma dessas plantas. Se elas deixam de produzir esses frutos, o rato pode morrer ou migrar daquele espaço. E o pernilongo vai procurar outro mamífero: pode então passar a circular entre humanos, cachorros, gatos, e a transmitir novos vírus.

O que impede que isso aconteça é a preservação da natureza. A vida é um exercício de adaptação, e esse mosquito vai se adaptar a outra realidade, ao ambiente urbano. Precisamos pensar na repercussão dessas alterações ambientais.


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