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Resgate do acervo do Museu Nacional pode ser retomado em outubro

Vice-coordenadora do Núcleo de Resgate de Acervos da instituição será uma das personagens do e-book Mulher Faz Ciência

Paleontóloga trabalha em meio aos escombros do Museu Nacional. Foto: acervo pessoal

Hoje apresentamos mais uma personagem do terceiro volume do e-book Mulher faz Ciência, com lançamento previsto em fevereiro de 2021. A paleontóloga Luciana Carvalho é vice-coordenadora do Núcleo de Resgate de Acervos do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O grupo foi criado após o incêndio que destruiu o prédio histórico e parte das coleções científicas que estavam lá guardadas, no dia 2 de setembro de 2018. Dois anos depois, a cientista conta, na entrevista a seguir, o que já foi recuperado do acervo e as dificuldades do trabalho, interrompido desde março, em razão da atual pandemia. Ela anuncia que as atividades podem ser retomadas a partir do próximo mês. A maior preocupação, agora, é a saúde da equipe envolvida, já submetida a situações arriscadas ao longo de todo o processo.

O incêndio no Museu Nacional acaba de completar dois anos. É possível fazer um balanço do trabalho de recuperação do acervo até o momento?

Em março, faltava apenas um mês para terminarmos de retirar tudo que estava dentro do palácio. Já tínhamos avançado bastante, faltavam só alguns detalhes, poucas coleções, na fase final. O trabalho de resgate não foi nada fácil. Fizemos uma projeção de trabalho em que todos trabalhariam meio período, dentro do palácio e, no restante do dia, fora do prédio. Mas, quando chegou a hora, nossa equipe não era grande o suficiente. Existia, ainda, uma série de questões relacionadas à ação da Polícia Federal e à própria empresa que precisava retirar os escombros, o que nos levou a trabalhar o dia inteiro. E por que trabalhar só metade do dia? Porque as condições lá dentro eram muito perigosas e críticas, insalubres. Mesmo com capacetes, máscaras, luvas, nos expusemos de uma maneira anormal. Eu, por exemplo, fui parar no hospital duas vezes, porque entraram partículas no meu olho. Quando os escombros secam muito, às vezes dá uma ventania no final do dia e, se você está trabalhando, pode passar algo pela lateral dos óculos.

E isso é o menor dos problemas. O maior é o que a gente respirou lá dentro. Soubemos, depois, que no incêndio a situação é crítica, porque ficam substâncias no ar que determinadas máscaras não filtram e vão para o pulmão. São substâncias que você não detecta num primeiro momento, mas que causam problemas posteriores. Levantamos o caso dos bombeiros do 11 setembro [atentado terrorista ocorrido em 2001, nos Estados Unidos]. Vários tiveram câncer de pulmão, anos depois, porque ficaram expostos a substâncias, ainda que estivessem com máscaras e todo EPI [equipamento de proteção individual]. Não nos demos conta disso, na verdade. A previsão era um trabalho mais cuidadoso com relação à nossa saúde. Mas, em função de uma série de fatores, tivemos que nos colocar em meio aos escombros.

O que a equipe já conseguiu recuperar?

No final, o resultado tem sido muito bom. Sabemos, sim, que muitas coleções se perderam. Principalmente a coleção de entomologia, relativa aos insetos. Esse material era muito delicado e, com o fogo e o desabamento, como estava no segundo andar, foi praticamente toda perdida. Sobrou uma ou outra colmeia de abelha, coisas assim, que resistem mais. Mas os próprios animais, mesmo, se perderam. Aquelas coleções que tinham seus materiais compostos por cerâmicas, por exemplo, resistiram. Porque, no final, a cerâmica é formada por argila, uma partícula sedimentar que já passa pelo fogo. Todo o material relacionado a rochas e minerais também resistiu relativamente bem.

Então, no meu departamento, de Geologia e Paleontologia, praticamente conseguimos resgatar materiais de todas as coleções. Os meteoritos foram resgatados e os quase todos os fósseis também. A coleção de geologia econômica está sendo resgatada. A coleção de mineralogia e a de meteorítica já foram resgatadas, inclusive. São materiais que resistem mais ao fogo. Então, as coleções de etnologia, arqueologia, conseguiram suportar melhor as condições. Principalmente aquelas que estavam no primeiro andar, que resistiram mais, apesar de terem recebido todo o peso dos escombros do terceiro e do segundo andares, que caíram sobre elas. Como as nossas coleções ficavam dentro de armários de aço, dependendo da posição em que esses armários estavam dentro das salas, conseguiram resistir bem à queda desses materiais e protegeram os exemplares que estavam dentro.

A paleontóloga Luciana Carvalho
A paleontóloga Luciana Carvalho. Foto: acervo pessoal

Qual é a próxima fase do trabalho?

Em breve, começaremos a fazer o que chamamos de inventário, que é o levantamento de tudo que foi resgatado. Se compararmos com situações parecidas, no mundo, como o resgate no Museu Nacional de História Natural e da Ciência de Lisboa, em Portugal, e no Arquivo Histórico de Colônia, na Alemanha, o processo de resgate acompanha todo o processo de retirada de escombros, de escoramento dos prédios, e também, às vezes, a ação da Polícia. Então, tivemos que acelerar o processo. Mesmo em comparação com outros lugares, conseguimos fazer isso dentro de um tempo bem curto, cerca de um ano e meio, porque faltava só um mês para terminarmos. Como essa primeira etapa teve que ser relativamente rápida, não houve tempo, naquele momento, de identificarmos cada peça, nem contar quantas peças foram retiradas. Fizemos uma ficha de registro de tudo que foi retirado, porque em alguns momentos a ficha era feita para um exemplar, em outros, era feita para um lote. Então, ela não representa a quantidade.

O que eu posso dizer é que hoje ocupamos 18 contêineres, mais quatro áreas diferentes, que chamamos de anexo, na lateral externa do Palácio, mais toda uma extensão da superfície desse anexo, com várias estantes, também com material. Mas isso não dá a dimensão da quantidade efetiva do quanto se retirou de cada coleção. Isso vai ficar mais claro no momento que terminarmos os inventários de cada uma das coleções. Imaginamos que o inventário será realizado nos próximos dois ou três anos de trabalho, porque há coleções que conseguimos fechar o inventário mais rápido, outras levam mais tempo, porque, às vezes, o material precisa ser mais bem trabalhado. Se conseguirmos fazer dentro desse prazo, também vai ser rápido, comparado a um processo que normalmente é bem lento. Mas tudo dependerá da quantidade de pessoas que teremos para trabalhar e também das condições, porque precisamos de equipamentos e materiais para fazer esse tipo de trabalho.

Como a pandemia afetou o trabalho que estava sendo desenvolvido?

Com a pandemia tivermos que parar todo o processo. Devemos retomar agora, em outubro ou novembro, para tentarmos encerrar. Mas esse retorno depende também da situação que vivenciamos. No Rio de Janeiro, a média móvel de mortes e de contágio estava abaixando, mas voltou a aumentar. Então, avaliaremos as condições de trabalhar sem colocar a vida das pessoas em risco. Visto que, de certa forma, já colocamos essas vidas em risco ao longo de todo o processo.

Mesmo com todos os riscos, a equipe está engajada para voltar ao trabalho?

O engajamento inicial foi muito importante. Praticamente todos os funcionários do Museu Nacional contribuíram de alguma maneira, seja ao informar o que havia dentro de cada sala, para mapearmos tudo que existia dentro do palácio, ou efetivamente trabalhando dentro do prédio. Pretendemos, sim, retornar em outubro ou novembro, mas faremos o trabalho num ritmo bem mais lento, devido aos cuidados que precisamos ter. O engajamento acontecerá pontualmente. Nossa ideia é fazer uma determinada área, para que o processo de restauração do próprio palácio possa seguir em frente. Então, vamos concentrar nossos esforços nessa área. As outras áreas, talvez, fiquem em stand by, para fazermos o rodízio de pessoas e, assim, não expor muita gente às condições hoje não tão adversas dentro do Palácio, mas de risco em relação à covid-19. Esse engajamento não vai ser o mesmo anterior à covid-19, mesmo porque a pandemia ainda não acabou.

Enquanto não tivermos uma vacina, não temos a garantia de que está tudo bem e não tem risco. Então, estamos pensando nas equipes que podem ir, principalmente nas pessoas que não precisam pegar condução pública, que tenham possibilidade de ir com seus carros e fiquem mais protegidas. Lá dentro, também teremos que criar uma metodologia em que não haja aglomeração em cada uma das áreas. Não queremos colocar muitas pessoas ao mesmo tempo, como fazíamos antes. Agora, estamos pensando numa estratégia diferente, para que possamos dar continuidade ao trabalho, de maneira segura.

Alessandra Ribeiro

Graduada em Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH (2004). Especialista em Imagens e Culturas Midiáticas (2008) e mestra em Comunicação Social (2020) pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG . É jornalista do projeto Minas Faz Ciência desde 2015 e autora do e-book Mulher faz Ciência.

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