logotipo-colorido-1

AO VIVO

Divulgação Científica para crianças

plataforma de 1 real

Assembleia Global vai reunir cidadãos para discutir edição genética

Experimento mundial cria bases para inserção do cidadão comum nos debates científicos. Com participação brasileira, projeto vai organizar assembleias locais e um encontro deliberativo global para debater coletivamente o controverso tema da edição genética

Foto: Martin Sanchez/ Unsplash

Quando se trata de temas complexos da Ciência e Tecnologia é fundamental assegurar que as pessoas tenham acesso à informação confiável e didática. Também é essencial que a sociedade seja ouvida sobre riscos, benefícios e controvérsias de diferentes aplicações de pesquisas científicas. Por isso, cientistas de 22 instituições ao redor do mundo se uniram para um experimento global que vai integrar cidadãos comuns em debates científicos com profundas implicações morais. “É um experimento social, político, antropológico, em escala planetária. É como construir um acelerador de partículas sociológico”, diz o professor Yurij Castelfranchi, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais, que faz parte do trabalho.

O projeto de reunir pessoas para o debate científico vai se materializar em forma de Assembleia Global de Cidadãos. O tema escolhido para a experiência foi a edição genética, técnica que permite a alteração de trechos específicos do DNA de organismos para vários fins. Além do professor Castelfranchi, Ricardo Fabrino Mendonça, do Departamento de Ciência Política da UFMG, é responsável por organizar o braço brasileiro do projeto Global Citizen Deliberation on Genome Editing. As ideias que alicerçam o experimento foram publicadas na Revista Science.

“É uma temática relevante e com implicações significativas para o futuro da humanidade, um tema de impacto transnacional (como tantos outros). É preciso construir formas para que as pessoas possam participar democraticamente. Não se pode argumentar que problemas complexos possam ser resolvidos de forma técnica, sem colocar a democracia em risco, mesmo porque eles se tornaram ubíquos”, explica Fabrino.

Como funciona uma Assembleia Global de Cidadãos?

Há muitas inovações democráticas voltadas a promover a participação qualificada de cidadãos. De acordo com o professor Fabrino, esses modelos ganharam força desde 1970 com os Júris dos Cidadãos, nos EUA, e as Células de Planificação, na Alemanha. A Dinamarca, segundo o pesquisador, construiu Conferências de Consenso a partir de 1980.

“Mais recentemente, houve uma Assembleia dos Cidadãos no Canadá e um Parlamento dos Cidadãos, na Austrália. Na redemocratização brasileira, temos os conselhos e orçamentos participativos. Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa tem tradição de inovações democráticas”, afirma Fabrino. Sendo assim, o desenho dessa experiência sobre edição genética leva em conta os vários casos já existentes, considerando a viabilidade de realizar debates em vários continentes.

Segundo Castelfranchi, a Assembleia Global de Cidadãos é uma técnica complexa e elaborada. Cerca de 100 pessoas serão escolhidas com base em critérios de estratificação como proveniência geográfica e grupo social. “Eles vão ficar junto com especialistas, facilitadores e mediadores entre 7 a 10 dias”, detalha o professor. Primeiros, os grupos serão reunidos em assembleias locais e, por fim, alguns representantes se encontrarão na edição global em Atenas, Grécia.

O cronograma das assembleias terá pelo menos três momentos.  Cientistas de diferentes áreas vão informar sobre aspectos da edição genética. Em seguida, os cidadãos serão divididos em pequenos grupos e, acompanhados de facilitadores, podem discutir os temas da edição genética. Em outros momentos, haverá deliberação coletiva de propostas e sugestões para a regulação das tecnologias.

Por conta da complexidade do experimento, o protocolo metodológico precisa estar sintonia em todos os continentes, conforme explicou Castelfranchi. A realização das assembleias locais foi adiada para 2021, por causa da pandemia do coronavírus. Ainda não foi definido o local em que ocorrerá a reunião no Brasil. A rotina do experimento será retratada em um documentário produzido pela Gene Pool Productions, de modo a conectar essas discussões da assembleia com audiências mais amplas.

Discutir, responder e sugerir

As assembleias cidadãs vão discutir a grande maioria dos aspectos da edição genética, sendo que os grupos em cada continente estarão focados em aspectos diferentes. “Alguns vão debater edição genética de plantas para produção e comida, outros ficarão mais focados na edição de embriões humanos ou embriões de animais não humanos. Haverá grupos dedicados em discutir implicações sobre mercado, economia e regulação política. Enfim, não será somente uma discussão sobre ética”, detalha o professor Castelfranchi.

Segundo Castelfranchi, a ideia é que cidadãos promovam um trabalho amplo de deliberação sobre a temática, indo além de palpites.

“Uma discussão aprofundada sobre o que é edição genética, o que pode ou não ser feito, o que essa técnica promete e quais implicações sociais – em termos de desigualdades – podem ser geradas. Se for uma tecnologia veiculada, principalmente, pelas grandes corporações é possível levantar perguntas: será um fator de desigualdade social e genética? Pobres vão ter acesso a algumas técnicas e ricos a outras? Alguns países vão ter acesso e outros não? Isso pode criar uma divisão biológica das pessoas que vai além da desigualdade em poder comprar um carro ou não”.

As assembleias vão tratar, inclusive, de temas como educação e comunicação científica para pensar como esse conhecimento poderia ser compartilhado ou apropriado mundialmente, mas levando em conta questões locais. “É um tema global, mas cada país tem aspectos diferentes. No Brasil, por exemplo, é possível pensar em edição genética aplicada no combate à dengue”, diz Castelfranchi.

Sabedoria das multidões

A importância do modelo de assembleias cidadãs está no aproveitamento de visões, experiências, perspectiva se conhecimentos diversos que não partem de cientistas ou legisladores. “A democracia contemporânea é tecnocientífica. Não se pode fazer leis e políticas sem levar em conta questões científicas e tecnológicas. Isso serve para pensar em epidemias, mudanças climáticas, colapso socioambiental, fontes de energia, reprodução e gravidez. Qualquer desses temas políticos fortes têm uma componente biomédica, biológica, computacional, tecnológica ou informacional”, afirma Castelfranchi.

Os resultados de assembleias cidadãs podem ser bastante surpreendentes, de acordo com o professor. Os cientistas saem desses experimentos com sensação de aprendizado, mudam de ideias e direcionam suas pesquisas a demandas e questões transdisciplinares trazidas pelos cidadãos. Muitas vezes, inventam novas pesquisas ou metodologias.

Para Castelfranchi, o experimento de confrontar a ciência com cidadãos para ajudar a regulamentar o trabalho científico pode gerar inovação social. “Já foi feito o contrário e deu errado. Chamavam de tecnocracia, ou seja, fazer política sobre coisas complexas como energia nuclear, mudanças climáticas e modificação genética, a portas fechadas. Governos montavam grupos de consultores especialistas em mercado, tecnologia e ciência para formular políticas, em tese, mais eficientes. Mas esse processo fracassou, gerou crises socioambientais como o desastre de Chernobil e a epidemia da Vaca Louca, na Europa”.

Episódios como esses contribuíram para queda de confiança da população em decisões de políticos que parecem ser baseadas em ciência. Por extensão, a desconfiança passou a ser também contra o cientista, conforme constata o pesquisador. “Para responder a essa crise de legitimidade é importante inventar outros mecanismos para decidirmos juntos. Na Europa, atualmente, muitos trabalham com método Responsible Research and Innovation (RRI) uma nova maneira de pensar política e ciência em que o cientista tem que refletir sobre gênero, desigualdades e implicações desde o início de sua pesquisa.”, conclui Castelfranchi.

Luana Cruz

Mãe de gêmeos, doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG. Jornalista graduada pela PUC Minas. É professora em cursos de graduação e pós-graduação.

Conteúdo Relacionado