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Trajetórias da parentalidade – Novas formas da parentalidade

Neste episódio do podcast Ondas da Ciência, confira uma discussão sobre as novas configurações familiares e visões sobre a parentalidade hoje no Brasil

Por Lorena Tarcia e Luiza Lages

No episódio de hoje da temporada Trajetórias da Parentalidade, o assunto é novas formas da parentalidade. Conversamos com Érica Renata de Souza, antropóloga feminista e professora do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, e Cristiane Pimenta, psicóloga com formação em psicologia do adolescente, terapia com abordagem direta do inconsciente, terapia cognitivo-comportamental e constelação familiar.

Confira uma discussão sobre as novas configurações familiares e visões sobre a parentalidade hoje no Brasil.

Escute aqui:

Feminismo, homossexualidade e transexualidade

Érica Renata de Souza vem estudando as relações familiares e a parentalidade desde o doutorado, no início dos anos 2000, com a tese Necessidade de Filhos: maternidade, família e (homo)sexualidade. Para ela, muitos dos fatores sociais, históricos e políticos que contribuíram para as “mutações familiares” nas últimas décadas estão associados a conquistas do movimento feminista. É o caso da invenção da pílula anticoncepcional ou a possibilidade do divórcio para as mulheres.

“São transformações que já vêm com força, de décadas atrás, e que afetaram as configurações brasileiras, apesar de uma moral que continua exigindo o modelo da família heterossexual, branca, cristã. Mas a gente já vê esses impactos tensionando esse modelo há muito tempo”, diz a pesquisadora. O novo Código Civil também foi uma alteração importante nesse cenário. “A homossexualidade e a transexualidade também passaram a ser vistas dentro do bojo da discussão da família, do parentesco e da parentalidade”, completa.

Souza lembra de um paper que escreveu durante o doutorado, sobre “o mito da homossexualidade estéril”, que pode ser estendido para pensar a transexualidade. “A sociedade começou a entender que pessoas, independentemente da sua  identidade de gênero, independentemente da sua sexualidade, podem e têm o direito de exercer a parentalidade”, explica.

O que é a parentalidade?

O conceito de parentalidade não está ligado ao papel do pai, de um homem, é diferente de paternidade. Também não diz de papeis fixos de gênero. Segundo Souza, existe muita confusão na diferenciação entre os termos paternidade, parentalidade e parentesco.

Paternidade

Termo associado ao papel masculino em relação aos filhos, com um recorte de gênero muito forte. A paternidade pode ser pensada biologicamente e/ou socialmente. “Na nossa sociedade é ideal que você tenha uma paternidade biológica que também seja social. Ou seja, o homem que contribuiu com a sua carga genética deve ser o mesmo homem que vai criar, que vai educar aquela criança, que vai exercer a função social de pai”, explica Souza.

Mas, segundo a antropóloga,  a paternidade não se dá dessa forma. “A gente tem pais,  genitores, que se tornam pais de fato, no exercício da paternidade. Mas também pais que não são os genitores, que não tiveram nenhuma contribuição biológica, mas que assumem, socialmente, esse exercício”, diz. Existe ainda as famílias monoparentais, onde não há uma presença paternal, quando não há quem se responsabilize socialmente pela criança, em termos de paternidade. “São casos, principalmente, de ausência ou de abandono do pai, algo muito comum no nosso país”, explica a professora.

Parentalidade

Uma forma mais democrática do cuidado sobre os filhos, em temos de gênero. Quando se fala em parentalidade, não se considera necessariamente homens ou mulheres. “É um termo que nos ajuda bastante a desvencilhar toda essa discussão de família ou parentesco, de um binarismo de gênero sobre paternidade e maternidade. A parentalidade nos ajuda inclusive a pensar as parentalidades por exemplo de gays, lésbicas e pessoas trans”, explica.

O termo parentalidade deriva de parenting, palavra da língua inglesa. Enquando em Português existe a diferenciação de gênero para “pai” e “mãe”, e o plural é masculino (“pais”), o termo parenting, em inglês, é o neutro. Então, no português, ele também tem essa conotação neutra,  porque ele não vai se referir ao pai ou a mãe necessariamente. “Então ele vem com outra proposta, para pensar a prática, em termos de educação, de criação e, mais que tudo, em termos de construção de relações. Porque parentalidade não parte de um pressuposto biológico, é você aprender a construir uma relação com aquela criança, com aquele filho, com aquela filha”, diz Souza.

Diferentes visões sobre a parentalidade

Apesar da palavra “parentalidade” carregaruma diversidade de possibilidades e de novas construções em relação aos cuidados e educação dos filhos, existem muitos olhares sobre estilos, práticas e funções parentais. “Tenho muita dificuldade de pensar “estilo parental”, porque me parece algo como a escolha das roupas. A parentalidade não carrega essa racionalidade da escolha, a relação é construída afetivamente, no cotidiano, em outras dimensões”, reflete Souza.

Para a antropóloga, uma forma de tornar essa discussão mais acessível é pensar em termos de relação, educação, criação. “Acho que não tenha nenhum brasileiro ou brasileira que não entenda, por exemplo, o termo “criar uma criança”. E uma criação é uma constituição no dia a dia, uma relação materializada. Ela  nunca tem fim e tem sempre que ser sustentada. Ela não é só uma imposição de regras, porque isso é um autoritarismo, não é uma educação e não é uma prática legítima de parentalidade”, explica a pesquisadora.

Conservadorismo e a sociedade brasileira

Para Cristiane Pimenta, a sociedade brasileira ainda tem pouca maturidade para lidar com os diversos modos de constituição familiar de hoje. “A  sociedade brasileira é regida por uma tradição cristã muito forte. Acredito que ainda temos um bom tempo pela frente até que as pessoas percebam de forma natural todas as dinâmicas de parentalidade que acontecem”, diz a psicóloga.

Souza considera que o contexto político nacional não é favorável ao entendimento social sobre as novas formas da parentalidade. “Temos hoje um governo para o qual a noção de família tem um resgate extremamente conservador. A gente volta para uma discussão muito antiga de crítica àquele modelo de família heterossexual, branca, cristã, de classe média, e qualquer configuração familiar que se distancie disso é menosprezada e marginalizada em alguma medida”, explica a antropóloga.

A pesquisadora lembra que essa noção conservadora de família, além de ultrapassada, é excludente e violenta. “É um conceito que já promoveu o sofrimento de muitos pais, de muitas mães e de crianças, com preconceitos a filhos de mães solo, a famílias que não são brancas, a famílias de classe popular,  homossexuais, transexuais, etc. Ele legitima que algumas famílias são mais legítimas que outras, porque o que está por trás disso é a ideia de que algumas vidas valem mais que outras”, diz.

Trajetórias da Parentalidade

O episódio Novas Formas da Parentalidade é o sétimo da temporada Trajetórias da Parentalidade, do podcast Ondas da Ciência. Apresentamos, sob a ótica das ciências, assuntos que tratam de aspectos relevantes nos debates sobre a parentalidade.

Escute também:

  1. Fertilidade
  2. Gestação
  3. Parto
  4. Amamentação e nutrição
  5. Bebês: cognição e aprendizado
  6. Autoridade parental

Ondas da Ciência é uma produção do projeto Minas Faz Ciência, da Fapemig, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

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