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Trajetórias da parentalidade – Bebês: cognição e aprendizado

Neste episódio do podcast Ondas da Ciência, confira uma discussão sobre os processos de aprendizado e desenvolvimento cognitivo de bebês

Por Luiza Lages, Maurício Guilherme e Vanessa Fagundes

No episódio de hoje da temporada Trajetórias da Parentalidade, o assunto é bebês: cognição e aprendizado. Conversamos com Paula de Souza Birchal, doutora em Psicologia do Desenvolvimento Escolar e Desenvolvimento Humano pela USP, e Claudia Machado Siqueira, neuropediatra e professora do Departamento de Pediatria da UFMG.

Confira uma discussão sobre os processos de aprendizado e de desenvolvimento cognitivo de bebês.

Escute aqui:

Construção da cognição

Segundo Paula Birchal, a literatura define que um ser humano é bebê do momento do nascimento até aproximadamente os seus 24 meses. Mas o conceito vai além, e considera-se bebê a criança que não tem a linguagem construída, em que palavras ainda não são usadas para substituir ações. “E, também, a criança que tem presente, na maior parte de sua alimentação, o leite, seja materno ou seu substituto”, explica a psicóloga.

Birchal conta que a construção cognitiva de um bebê pode ser observada desde o nascimento. “É muito bonito: você olha uma criança, no dia em que nasceu, e, com 15 dias, ela vai apresentar uma diferença; com um mês, ela já é muito diferente; com seis meses, ela já é outra criança. Essas construções vão sendo assimiladas e adaptadas por essa criança, que vai introjetando do mundo externo para o mundo interno, e do mundo interno para o mundo externo. Ela vai mostrar que é um ser de inteligência, que é um ser de cognição”, diz.

A neuropediatra Claudia Machado Siqueira explica ainda que o processo de desenvolvimento do cérebro do bebê se inicia já dentro do útero da mãe, quando o feto está em formação. “O ambiente uterino interfere na formação do cérebro, em um período muito precoce. Vemos isso se a mãe é hipertensa, se é diabética, se passa por muito estresse, por exemplo”, afirma. Para a professora, é importante entender que temos uma base genética e características biológicas que permitem o nosso desenvolvimento cognitivo. Segundo Paula Birchal, é uma noção compartilhada pela psicologia. “Nós nascemos sujeitos prontos a nos adaptarmos e a absorver tudo o que o mundo externo nos dá”, diz a pesquisadora.

Cognição nos primeiros dias de vida

Segundo Cláudia Siqueira, o processo de aprendizado está relacionado a resolver problemas que o meio apresenta. Então o bebê passa por etapas de aprendizado associadas a essa interação com o que está em volta dele, e com o amadurecimento das funções cerebrais. Uma das primeiras atividades do bebê é fixar e acompanhar o olhar.

“Isso é relevante na amamentação, momento em que a criança olha para a mãe. E nessa hora, a mãe responde às vezes com algum barulho, e o bebê responde de volta. Essa troca é extremamente importante para o desenvolvimento”, diz a médica.

Nos primeiros dias de vida, o ser humano não enxerga cores, apenas diferencia claro e escuro. As cores básicas só são reconhecidas a partir dos 3 ou 4 meses de idade. Por isso, bebês tendem a responder a objetos e roupas contrastantes, como padrões e listras. Nessa fase, a visão só se estende até dois palmos de distância, o que significa que toda interação deve ser feita de perto.

A criança recém nascida também reconhece a voz da mãe e de quem interagiu com ela no período intrauterino, e, por isso, reage de forma diferente à fala da mãe em relação a alguém desconhecido. Por fim, Siqueira explica que o desenvolvimento, geralmente, segue um mesmo percurso: o bebê firma o pescoço, senta-se, engatinha, anda e então corre.

Relação com pais ou responsáveis

Paula Birchal explica que é a partir das interações com os pais, ou com quem seja responsável pelos cuidados do bebê, que o ser humano chega ao mundo externo e desenvolve sua inteligência. Isso significa, inclusive, que crianças mais estimuladas tendem a ser mais ativas.

Por isso, a paternidade e/ou a maternidade são fundamentais para o desenvolvimento das habilidades cognitivas do sujeito, desde o começo da vida. “Nascemos com todas as possibilidades de nos desenvolver. Agora, essas possibilidades têm que nos ser dadas, pois nesse momento, somos sujeitos passivos”, diz Birchal. Nos tornamos ativos a partir do que o mundo externo nos provoca. Se isso não acontece, o bebê, por si só, não vai em busca de nada.

“Se eu deixo um bebê paradinho no berço, e só dou atenção na hora dos cuidados básicos, não entrego um brinquedo, não interajo com ele, não converso, se eu não vou nomeando o mundo, o corpo e as ações, ele não vai reagir ao mundo externo. E as possibilidades cognitivas dele, diante de uma criança que, nesse momento, foi mais estimulada, serão diferentes”, afirma a psicóloga. Ela explica que, apesar disso, são possibilidades que podem ser recuperadas no futuro.

Como estimular o bebê?

Os estímulos aos sentidos do bebê são interações que levam ao desenvolvimento cognitivo. Por meio do tato, o carinho, ou apresentar objetos para a criança; cantar e conversar, para estimular o reconhecimento de sons; o estímulo visual, com brinquedos e objetos de cores contrastantes. “Você vai ver que eles vão imitando os seus sons muito precocemente, imitam o movimento dos lábios, e aí começa tudo. Se você iniciar bem a sua caminhada, é muito mais fácil”, explica Claudia Siqueira.

A professora falou também sobre a importância da brincadeira. “Para explorar o ambiente, e adquirir conhecimento das coisas, a primeira coisa que ela faz é brincar. Pode ser de esconder, e ela já está trabalhando com uma série de habilidades de atenção, de memória, de interação social, de comunicação”, conta.

Para Siqueira, a brincadeira e a leitura são chave no desenvolvimento dos bebês. “Como fazer para que seu bebê se desenvolva melhor? Sente e brinque com ele! A gente tem que tirar da cabeça que precisam ser brinquedos caros. Pode ser com tampinha de garrafa, pode ser garrafa PET, pode ser chocalho feito com garrafa. Vale o que produz interação, que você possa construir um vínculo com ele”, afirma a médica.

Cognição e diferenças socioeconômicas

Para a sua tese de doutorado, Paula Birchal observou crianças de creches comunitárias, e defende que as desigualdades sociais impactam no desenvolvimento da inteligência de bebês. Ela conta que um dos momentos mais marcantes da sua pesquisa, foi quando levou um kit de brinquedos as creches que estudou. No kit, havia diferentes opções, como blocos de empilhar, peças para encaixar, livrinho de banho e chocalho.

“Eles não chegavam nem perto. Olhavam, mas aqueles objetos eram tão desconhecido, que eles não sabiam o que fazer. Então, quando você pensa que está lidando com uma criança que já anda, que já engatinha, e que esses objetos não fazem parte do cotidiano dela, ela está perdendo muito em seu desenvolvimento cognitivo”, lembra a psicóloga.

Birchal diz que o desenvolvimento da inteligência se dá, em um primeiro momento, de maneira sensorial e motora. Então, a criança precisa pegar no objeto. “A criança pega, morde, cheira, põe em frente ao olho, observa se faz barulho, se quebra. Ela explora esse objeto com todas as possibilidades que ela tem. Se uma criança nunca brincou com uma bola, como é que, mais tarde, ela vai definir o que é um círculo, o que é uma esfera?”, explica.

Segundo a pesquisadora, conceitos básicos como espaço, tempo, causa e objeto são a base da inteligência. “Por que a gente dá esses objetos de encaixe para a criança? Porque aquele objeto tem que caber num espaço. Eu só posso encaixar a esfera na esfera. Eu não encaixo um cubo no lugar da esfera. O bebê precisa perceber essa diferença, e tem que explorar ludicamente o objeto para construir internamente esse conceito. Se ele não vive isso, como vai construir, lá, na formação da escola dele, na educação formal, esse conceito?”, questiona Birchal.

Investimento e cuidados na primeira infância

Dentro da ideia de exploração lúdica, se esses objetos não são apresentados para os bebês, eles não recebem a base necessária para a construção da cognição. Uma criança privada desse contato tem então o desenvolvimento cognitivo defasado em relação a crianças com melhor acesso. Segundo Paula Birchal, é o que aponta para o valor da educação infantil e para a necessidade da formalização do cuidado na primeira infância.

Para Claudia Siqueira, a neurociência levantou a importância do investimento econômico nessa fase da vida. “A importância da primeira infância no desenvolvimento do indivíduo mostra como é importante em todos os setores, inclusive econômico, o investimento nesses primeiros anos de vida”, afirma. Ela lembra que, em 2000, o economista James Heckman ganhou o Prêmio Nobel por seu trabalho, por avaliar a eficácia de programas sociais relacionados à primeira infância.

Em relação aos impactos relacionados às desigualdades sociais, a professora Cláudia falou também sobre como o estresse tóxico, por exemplo em ambientes marcados por violência doméstica, interferem no desenvolvimento cognitivo da criança. Mas uma rede de apoio promove o que a gente chama de resiliência, que é a resposta a situações adversas, a situações que não são adequadas. Se a gente investir na criança, a gente tem uma sociedade muito mais igualitária, muito mais justa, muito mais saudável. Os indicadores de saúde e de bem-estar econômico melhoram com investimento na criança”, reflete.

Trajetórias da Parentalidade

O episódio Bebês: cognição e aprendizado é o quinto da temporada Trajetórias da Parentalidade, do podcast Ondas da Ciência. Vamos trazer, sob a ótica das ciências, assuntos que tratam de aspectos relevantes nos debates sobre a parentalidade.

Escute também:

  1. Fertilidade
  2. Gestação
  3. Parto
  4. Amamentação e Nutrição

Ondas da Ciência é uma produção do projeto Minas Faz Ciência, da Fapemig, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

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