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Maçãs podres: agronegócio e desmatamento

Artigo publicado na Science mostra relação entre produção de soja e carne e desmatamento no Brasil

Propriedades são responsáveis por pequena parte do desmatamento. Imagem ilustrativa (Wikimedia Commons)

Há um ditado popular que diz: “uma maçã podre no cesto estraga todas as outras”. A afirmação é usada para explicar que basta uma pessoa de caráter duvidoso para que todo a equipe seja prejudicada.

Em referência a tal metáfora, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) produziram o artigo “The rotten apples of Brazil’s agribusiness” (Maçãs podres do agronegócio brasileiro) publicado recentemente na revista Science.

O estudo foi liderado por Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais do Departamento de Engenharia de Produção, e Britaldo Soares-Filho, coordenador do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG. Por meio da pesquisa, eles identificaram as propriedades rurais que desmataram ilegalmente, entre 2008 e 2018.

“Vimos que o desmatamento ilegal que aconteceu após 2008 abarca um quantitativo pequeno de imóveis. Observamos que menos de 10% das propriedades localizadas na Amazônia e no Cerrado desmataram ilegalmente após tal data. Entretanto, desse número, 2% dos imóveis concentram mais de 60% de todo o desmatamento ilegal observado dentro do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Essas são as maçãs podres do agronegócio”, comenta Raoni Rajão.

A pesquisa também mostrou que cerca de 20% das exportações de soja ocorreram em propriedades que desmataram de maneira potencialmente ilegal.  “Não significa que a área foi desmatada para expandir a produção de soja. O local pode ter sido destinado à pastagem ou a outras finalidades. Mas são coisas que ligam a produção ao desmatamento ilegal”, explica Rajão.

Software de alta performance

Como parte do estudo, os pesquisadores utilizaram um software de alta performance, desenvolvido por Britaldo Soares-Filho. A partir de dados de cobertura da terra fornecidos pelo Cadastro Ambiental Rural e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), imagens de satélites passaram por uma modelagem espacialmente explícita. Esse processo determinou se a produção de tais imóveis estavam ou não ligados ao desmatamento.

Segundo Rajão, a ferramenta  consegue apresentar a realidade da paisagem e, consequentemente, simular o trabalho de análise feito por analistas ambientais ou órgãos estaduais.

“O software ‘olha’ para o imóvel e, com as imagens e dados de cobertura de uso da terra, aplica as regras do código florestal. Por exemplo, o código estabelece que os rios, dependendo da largura, precisam ter uma mata cetária de até 500m. Então, o software verifica, a partir de um modelo, se existe ou não a mata ali naquela região. Caso não exista, a ferramenta identifica que existe um déficit de Áreas de Preservação Permanentes (APPs). O mesmo acontece em relação à reserva legal. O software também aplica as análises de desmatamento provindos do Inpe para calcular o status de cada imóvel”, detalha o pesquisador.

Produção livre de desmatamento

Segundo Raoni Rajão existem caminhos a serem seguidos para que o agronegócio brasileiro seja sustentável e se livre do desmatamento ilegal. Isso dependerá de ações das lideranças políticas no mundo. A União Europeia (UE), por exemplo, há alguns anos, implementou regras de importação para madeira, óleo de palma e outras commodities. Agora, o bloco discute as regras para importação da carne e soja, mas ainda há muito a ser feito.

O artigo mostra que pelo menos 2 milhões de toneladas de soja produzidas em áreas de desmatamento tiveram como destino a UE, entre 2008 e 2018. O bloco é responsável, ainda, pela importação de quase 190 mil toneladas de carne bonina brasileira por ano.

“A pesquisa argumenta é que é possível,  a partir de dados que o Brasil já tem, que o país imponha uma solução sem ter que esperar a UE. Isso aconteceria a partir da implementação de um sistema de monitoramento das cadeias com base na metodologia no artigo. Além de apontar o problema, o artigo apresenta métodos para encontrá-lo e solucioná-lo”, comenta Rajão.

À caminho da sustentabilidade

Apesar do estudo levantar uma controvérsia em relação ao agronegócio do Brasil, Rajão acredita que os dados obtidos apontam para uma perspectiva positiva em relação à produção.

“Descobrimos que uma porção muito pequena está causando problemas para os demais. Se temos 20% de contaminação com desmatamento, nós temos 80% que não tem relação com a prática ilegal nos últimos dez anos. Isso indica que é possível avançar mais. Com vontade política é possível tratar o problema. A pesquisa mostra, também, que Brasil tem condições de se tornar um dos países mais sustentáveis do mundo no agronegócio também na prática, não só no discurso”, conclui.  

Além de Rajão e Soares-Filho, participaram da pesquisa Felipe Nunes, Danilo Figueira, Lilian Machado, Débora Assis e Amanda Oliveira. O estudo contou com a parceria da Universidade de Bonn (Alemanha), da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas/Ipê), do Stockholm Environmental Institute (Suécia) e da University of Wisconsin (EUA).

O estudo teve apoio da Fapemig do CNPq, da Climate and Land Use Alliance (Clua), do Gordon and Betty Moore Foundation, da Alexander von Humboldt Foundation e do Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha.

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