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Nenhuma sociedade vive sem arte, ciência e tecnologia

Bicho-de-seda (Bombyx mori) de Joe Davis Foto: https://bienalartedigital.com/

Tadeus Mucelli
Doutorando em Ciência da Informação pela UFMG, Mestre em Artes pela UEMG, Curador do Festival de Arte Digital e Edital CoMciência.

“Nenhuma sociedade viveu sem arte”. A frase é de Lúcia Santaella (PUC-SP), em depoimento à Bienal de Arte Digital de 2018. Santaella é uma das mais importantes pensadoras da semiótica, com mais de quarenta livros publicados no Brasil. Especialmente, ela se refere à capacidade humana de criar, sendo a arte uma das mais legítimas expressões da sociedade.

A perspectiva da autora pode ser amplamente estendida à ciência que, por meio do uso das tecnologias, amplia a capacidade de nos apropriarmos das técnicas disponíveis no momento ou criadas a partir de então, em direção à busca da produção de respostas e soluções de um mundo cada vez mais complexo.

Arte e ciência, como campos de conhecimento, sempre estiveram associados, ainda que por um determinado tempo parecessem divorciadas. Me refiro, especialmente, aos momentos em que arte e ciência foram colocados de forma oposta por critérios majoritariamente subjetivos e pouco representativos, se considerarmos a contribuição das artes para as ciências e vice-versa. Leonardo da Vinci já havia dado essa lição quanto a esse posicionamento equivocado como campos opostos, demonstrando que da aritmética até as questões químicas, arte e ciência produziam diálogos técnicos e experimentais profundos de uma relação profícua.

Há dois momentos que reforçam esses diálogos, a meu ver. Especialmente a partir da década de 1960, com o advento da computação, sua linguagem e seu desenvolvimento exponencial de processamento no decorrer das décadas seguintes se tornam um marco referente para as artes desde então. A produção e manipulação de imagens e, sobretudo, os desdobramentos nos níveis telemáticos e comunicacionais, reaproximam os olhares entre arte, representação, realidades, virtualidades, que a princípio projetam com maior capacidade as experiências e diálogos. Em outras palavras, ultrapassa-se as imagens estáticas para um todo comunicacional em movimento, o que aproxima as experiências entre o sujeito e o mundo, de forma veloz e dinâmica.

Consequentemente e paralelamente, as biotecnologias, com o auxílio dos processos das tecnologias informacionais, produzem um segundo referente para as sociedades contemporâneas com o desenvolvimento espacializado em diversas áreas da sociedade, desde fármacos, na saúde, até agricultura e indústrias em geral. A arte também contribuiu e sempre esteve presente nestas relações, de maneira a discutir seus impactos, manipular seus usos, e criar a projeção de cenários sociais, na relação do sujeito a estas tecnologias em geral. Um exemplo é obra de Joe Davis, artista e pesquisador especialista em biogenética pelo MIT (EUA), sobre bicho-de-seda modificado que produz um modelo de silicateína, capaz de tecer tramas que absorvem metais pesados. Essa obra foi exibida na Bienal de Arte Digital 2018, no Centro Cultural Oi Futuro, Rio de Janeiro.

Um outro trabalho esteve presente na exposição CoMciência 2019, realizada pelo Museu MM Gerdau em Belo Horizonte. A artista e doutora em poéticas tecnológicas Thatiane Mendes (UFMG) tem desenvolvido tecidos biológicos capazes de reagir ao ambiente. Tecnologias vestíveis, em outras palavras. A artista coloca em questão a produção técnico-científica em busca de produzir uma roupa biológica protetora a nossa relação do ambiente social repleto de dados.

De forma sintética, percebemos que os trabalhos possuem atuação direta sobre cenários reais. No caso de Joe Davis, pensamos diretamente em áreas degradadas por desastres provocados pelo fator humano e como seria o uso das tramas da silicateína na absorção de
metais nestes casos. E como não pensar, considerando a produção de Thatiane Mendes, sobre a possibilidade de produção de tecnologias vestíveis e biológicas se desdobrando nas situações de epidemias atuais, até mesmo um impacto na industria têxtil?

São trabalhos como esses que descreve Diana Domingues (UnB/ Unicamp), artista e pesquisadora das mais importantes no Brasil em arte e tecnologia, a capacidade da arte em sua ação sociotécnica, assim como as demais ciências. O filósofo Ivan Domingues (UFMG) retrata em
seu livro “Biotecnologia e a condição humana” outras relações desses processos científicos e tecnológicos, e nossa condição atual de compreender a era biotecnológica e seus desafios.

É nesse vértice que, em determinada perspectiva, a arte contribui não só dentro dos laboratórios com artistas e pesquisadores, mas também fora deles, ao propor as complexificações da nossa sociedade e os certos efeitos colaterais de tais processos de nosso desenvolvimento.

Se torna impossível não pensar, no atual contexto da imposição pandêmica às nossas vidas, o quão importante tem sido arte, ciência e tecnologia. Recentemente, notou-se, de forma evidente, o papel da arte e da ciência nestes meses tão duros, ao mesmo tempo em que
percebemos a centralidade da necessidade dos investimentos em processos científicos e tecnológicos em nosso País, que também devem refletir-se em investimentos na arte, aliada social no enfrentamento da realidade.

Parafraseando Santaella, “uma sociedade não vive sem arte” e não caminha sem a ciência. O desafio é compartilhado por estes campos, rumo a uma sociedade de fato do conhecimento.


Nota: O edital CoMciência está com chamadas abertas até dia 26 de Julho, para artistas e cientistas proporem trabalhos de ocupação artística científica no Museu das Minas e do Metal MM Gerdau em Belo Horizonte. Há premiações em dinheiro e suporte financeiro ao desenvolvimento das propostas. Outras informações no site: http://www.programacomciencia.com.br/

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