Hermes nasceu para construir fatos.
Desde sempre, transforma nuvens em teorias, olhares em paradigmas, gestos em “rupturas epistemológicas”. Vive, afinal, de inquirir conhecimento alheio: entrevista seres humanos, repletos de consciência e saber especializado, à cata de respostas – e contradições.
Na segunda, desfia o queijo matinal junto ao café da Física Quântica. Na terça, desmistifica abordagens precárias em torno de Foucault. De quarta a sexta, desvenda buracos negros, reavive algoritmos, disseca fisiologias, princípios, ritos hipotéticos.
Aos fins de semana, descarta prazeres. Às ilusões do carnaval, prefere a solidão dos números primos, a organicidade filosófica dos pré-Socráticos, o nobre ribombar das dúvidas existenciais, os claros enigmas da Nasa, sob a sombra de interesses estelares.
Segundo Hermes, tudo se resume a manchetes. Daí seu predileto cardápio de verbos e afazeres: incinerar reputações, degringolar relações institucionais, entregar, ao faro de abutres, o putrefato olor das vaidades humanas.
Dizer o mundo é seu carma. Dar nome à vida, sua sina.
Para além das responsabilidades, porém, Hermes também é humano, inevitavelmente humano. Nascido para construir fatos, transfigurou-se, no insosso crepúsculo de outono, em fábula.
Qual átomo, permanece entre nós, mas, há décadas, ninguém é capaz de registrar seus movimentos.
Nascido para construir fatos, Hermes entregou-se, por deleite ou vingança, ao cálido silenciar dos deuses.