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Arte: Fatine Oliveira/ Minas Faz Ciência

O que um historiador gera? Esta pergunta pode ajudar a entender o trabalho científico de pesquisadores da área da História, que se debruçam sobre documentos para trazer à sociedade a compreensão dos fatos em épocas e referenciais geográficos diversos.

“O historiador gera consciência crítica do tempo histórico. Primeiro, ele escreve para um par, outro historiador. Assim, a ciência avança na interpretação dos fatos, é a produção do conhecimento. Isso tem um desdobramento na questão educacional, pois não é só importante o aprofundamento e entendimento da história, mas repassar isso. A consequência disso para a sociedade é ampla, porque é um trabalho de levar consciência para que cada cidadão tenha entendimento da própria história. Fazemos também a formação de pessoas na graduação e pós-graduação com o repasse de conhecimento”. (Mauro Condé, coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG – PPGH-UFMG)

Em 1990, pesquisadores da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) perceberam que era preciso formar pessoas capazes de sistematizar, organizar e interpretar de forma crítica os acontecimentos do Brasil e do mundo, produzindo uma historiografia específica. Assim, começa a jornada da pós-graduação em História da UFMG com a implementação do mestrado e 10 anos depois, o doutorado.

Em 28 anos de existência, foram produzidas cerca de 600 dissertações e teses em três linhas de pesquisa: História Social da Cultura (HSC), História e Culturas Políticas (HCP) e Ciência e Cultura na História (CCH).  Na última avaliação quadrienal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o PPGH-UFMG foi qualificado com 7, a nota máxima, por isso é um dos programas que apresentaremos na série de reportagens sobre pesquisas de excelência desenvolvidas em Minas.

O que a História tem?

Diferente de outros programas no Brasil, o PPGH-UFMG abarca os estudos sobre a história da ciência, uma área de pesquisa, muitas vezes, ligada a institutos de Física, Filosofia ou Educação. Ademais, os pesquisadores atuam em duas frentes: conhecer a história e formar pessoas.

“Esses dois pontos justificam o porquê haver um programa de pós-graduação em História. Não sei dizer qual aspecto é mais importante, pesquisar ou formar gente. As duas coisas estão muito imbricadas. Aqui, boa parte dos professores estuda História do Brasil e da América. Há pesquisadores que trabalham com História Antiga – Roma e Grécia e outros com História Moderna – com estudos sobre a Europa. Dentro da história nacional pesquisa-se períodos de Colônia, Império e República. Além disso, temos vários pesquisadores que trabalham com a história de Minas Gerais”, detalha o coordenador do programa, Mauro Condé.

Livro do professor Rodrigo Patto, do PPGH-UFMG,

Um dos professores do programa é Rodrigo Patto Sá Motta, que desenvolve pesquisa na linha de História e Culturas Políticas, ofertando cursos teóricos em que são discutidas tanto as perspectivas clássicas (o estudo das instituições e da ação política) como algumas abordagens mais recentes, com ênfase em conceitos como representações políticas, imaginário, cultura política. Ele também se dedica a estudos sobre a história da ditadura brasileira.

Rodrigo Patto terminou há alguns anos um projeto sobre as políticas universitárias da ditadura, em que buscou compreender um processo que foi ao mesmo tempo repressivo-autoritário e modernizador. Atualmente, também pesquisa as relações entre a grande imprensa e a ditadura.

“As três linhas de pesquisa do nosso PPG permitem a realização de amplo leque temático de investigações, com potencial para contemplar múltiplos interesses e perspectivas de abordagem histórica”, explica Rodrigo Patto.

Tanto o professor quanto o coordenador, destacam a diversidade das pesquisas e um posicionamento refratário a todo tipo de regionalismo ou a temas restritos. “Não somos regionais estudando somente a história de Minas. Temos uma perspectiva plural, prova disso é estudar a historia da ciência, que é um pouco exótico. A pluralidade dá um colorido legal para nosso programa”, afirma Mauro Condé.

Dentre tantas pesquisas, seria desafiador apontar alguns temas. Só como amostragem, em 2017, foram defendidas teses e dissertações sobre:

– Abastecimento na região diamantina;

– Relações entre Brasil e África;

– História e psicanálise;

– As práticas de cura dos indígenas;

– Políticas indigenistas das autoridades mineiras;

– A UFMG e a ditadura;

– História ambiental;

– O ensino de história e a Guerra do Paraguai;

– As canções na Revolução Francesa;

– As irmandades religiosas;

– Justiça no período imperial;

– Resistência ao nazismo;

– Imigração italiana.

Qualidade e excelência

Para o professor Rodrigo Patto, a qualidade do conhecimento acadêmico tem a ver com rigor metodológico, mobilização consistente de conceitos teóricos, diálogo adequado com a produção preexistente, cuidado na análise crítica das fontes primárias e capacidade de organizar de maneira clara os resultados do trabalho. “No caso do conhecimento histórico, assim como em outras áreas afins, a última etapa implica a produção de textos em que a consistência narrativa e analítica deve ser combinada com apuro da linguagem”, conclui.

Livro da professora Regina Horta, do PPGH-UFMG, publicado nos EUA.

De acordo com Mauro Condé, há dois aspectos importantes no alcance da excelência das pesquisas: a internacionalização e a produção de qualidade. Ele destaca que os professores do PPGH-UFMG estão sempre dialogando nacional e internacionalmente, publicando artigos de impacto.

“Alguns programas de história têm cerca de 70 professores, a exemplo da USP e na federal fluminense. Em média, os departamentos têm entre 20 e 30 professores, como é o caso aqui na UFMG. Por isso, nossa produtividade tem que ser quantitativa e qualitativa, pois a Capes avalia a produtividade proporcional”, explica o coordenador.

Em determinado período, o programa chegou a lançar, praticamente, um livro por mês porque todos os professores eram muito produtivos e mantinham regularidade publicação das obras, conforme explica a coordenação. “Nos últimos anos, a gente conseguiu manter uma equipe excelente e com boa inserção na América Latina, Europa e EUA. Há muita participação em grupos de pesquisa e convênios com várias universidades. Tanto na ida de nossos professores ao exterior quanto na vinda de outros pesquisadores. O grande valor do programa de História é esse coletivo”.

Gabriela Galvão é doutoranda na História. É aluna do departamento desde a graduação, iniciada em 2006, e seguiu todo o percurso acadêmico na UFMG. Pesquisa história e televisão, mais especificamente telenovelas. No mestrado, estudou questões políticas em duas obras da autora Janete Clair, Irmão Coragem e Fogo sobre Terra. No doutorado, investiga a censura televisiva no período entre 1985 e 1988. Ela afirma que o programa da UFMG é um espaço referência em pesquisadores sobre ditadura, o que a atraiu.

Para ela, o ponto principal de um programa nota 7 é a possibilidade de interagir com cientistas de lugares diversos. “É visível o quanto o PPGH-UFMG tem atraído pesquisadores de outros lugares do Brasil e do mundo e isso torna enriquecedora a experiência”.

Segundo Mauro Condé, os pesquisadores aproveitaram um bom período de recursos financeiros para estreitar esses intercâmbios, afinal, o principal investimento da área é com a própria força de trabalho, os pesquisadores, orientadores e discentes. Para Rodrigo Patto, importante para uma pós-graduação em História é ter bolsas de incentivo, auxílio para viagens de pesquisa e para apresentar trabalhos em congressos, bem como de financiamentos para organizar eventos.

 A rotina do historiador

Os pesquisadores da área de história, praticamente, vivem em bibliotecas e acervos.  O trabalho deles passa muito pela recuperação de arquivos. “Se quer saber algo que aconteceu no século XVIII em Minas Gerais, precisa das informações de documentos, notas, registros. O acesso a essas fontes primárias é muito importante. Temos em BH e outras cidades de Minas arquivos relevantes para a história regional. No caso de quem trabalha com história antiga da Roma e Grécia, o acesso às vezes fica mais difícil. Mesmo assim, é preciso viajar e ir até as fontes”, explica o coordenador.

Além de mergulhar nas memórias, o historiador tem como rotina a aquisição de referências historiográficas que o ajudarão a compreender os objetos de pesquisa. “Saber o que foi dito por Gilberto Freire e Sérgio Biarque de Holanda tem que ser de domínio do historiador, além disso, saber o que os colegas estão pesquisando e discutindo”, afirma Condé.

Outro aspecto fundamental é a participação na vida acadêmica, presença em congressos e bancas de mestrado e doutorado. Historiadores vão com frequência a eventos locais, regionais, nacionais e internacionais. Apresentam suas pesquisas e ouvem contribuições de outros colegas.

Periódico quadrimestral dos alunos do PPGH-UFMG

Enfim, o que consolida a rotina do cientista é escrever. De acordo com o coordenador, é fundamental publicar artigos e livros. Nesse caso, não se trata dos conteúdo didático de história, mas de material que fomente pesquisas da área. “Embora haja uma preocupação com a divulgação cientifica e com a questão educacional da História, o conteúdo dos livros didático é diferente da História que se desenvolve nas pesquisas acadêmicas”, afirma o coordenador.

Também é comum o historiador receber convites para fazer conferências.  O professor Rodrigo Patto, por exemplo, é sempre chamado para falar sobre a história da ditadura, dos partidos e movimentos políticos, da atuação das mídias, dos aparatos de repressão estatal, assim como para debater sobre os desafios teórico-metodológicos enfrentados por quem pesquisa a história recente. Alguns desses temas atraem também o interesse dos meios de comunicação, que chamam para entrevistas e debates sobre a história política brasileira.

“No contexto atual, em que vivemos uma grave crise política, o interesse das mídias (novas e tradicionais) em ouvir a opinião dos historiadores parece ter aumentado, graças à convicção de que o conhecimento da história ajuda as pessoas a compreenderem o seu lugar no espaço e no tempo, e a escolherem estratégias de ação orientadas para o futuro. Eu acredito que o estudo da história pode trazer contribuição útil para refletir sobre nossos dilemas sociais e para pensar alternativas de futuro”, afirma o professor.

Interpretar os fatos

A História gera uma percepção diferente do que outras ciências, porque as pessoas tiveram contato com ela na escola. É como se todo mundo já soubesse o que se estuda na História. Por isso, segundo Mauro Condé, muitos ficam chocados quando descobrem o que o pesquisadora da área faz.

De acordo com o coordenador, o próprio aluno da graduação se surpreende ao iniciar o curso. “Fatos e dados fazem parte da História, mas ela é muito interpretativa. As pessoas que têm curiosidade costumam dar um salto hermenêutico. Outros grupos se decepcionam e não querem mais saber de História”.

Segundo ele, é possível reavaliar a Inconfidência Mineira daqui a 100 anos e escrever uma história original ,interpretando o fato a partir de um novo documento ou não. “Essa é a surpresa da história: o processo hermenêutico. Mais do que fatos e dados, é uma pessoa mudando o que tinha com ideia construída”, afirma.

“A própria educação hoje é bastante diferente de quando eu fui aluno. A História não é mais de datas. A própria ideia de ciência era pouco introduzida na formação e começa, hoje, a se contextualizar mais. Os cientistas começam a ser entendidos como pessoas comuns que produzem conhecimento. A gente tem tido melhoras nesse sentido. Estamos desenvolvendo um modo hermenêutico geral na sociedade”

O que há de especial?

“As iniciativas discentes. Temos o Encontro de Pesquisa em História (EPHIS) que está em sua sétima edição e atrai todos os anos centenas de pessoas. Existe a revista acadêmica Temporalidades e vários grupos de pesquisa como a Oficina de Paleografia, o Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Imagem (NINFA) e o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Teóricos (NIET).” (Gabriela Galvão, discente da pós-graduação em História)

“O cuidado em manter próximas a graduação e a pós-graduação, evitando que a última se distancie dos alunos em fase inicial de formação. Essa talvez seja uma das razões para a trajetória ascendente nos últimos anos, ao lado da boa integração entre os docentes, discentes e as diferentes linhas de pesquisa”, (Rodrigo Patto Sá Motta, docente da pós-graduação em História)

 “Corpo docente engajado. A universidade está em crise e os recursos reduziram bastante. Enquanto tivemos bonança, o programa soube aproveitar. Pessoas estavam engajadas querendo produzir; tiveram condições e souberam usar esses recursos” (Mauro Condé, coordenador da pós-graduação em História).

Luana Cruz

Mãe de gêmeos, doutoranda e mestre em Estudos de Linguagens pelo Cefet-MG. Jornalista graduada pela PUC Minas. É professora em cursos de graduação e pós-graduação.

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