A relação entre teoria e prática orienta quase todo processo de aquisição de conhecimento. Via de regra, o dito “bom profissional” é geralmente aquele que consegue transitar pelas duas dimensões com excelência. Em algumas áreas, pelo elevado grau de risco em função da natureza da profissão, é imprescindível que essa relação seja exaustivamente aplicada. É o caso da medicina, por exemplo, onde preparar os futuros médicos para o trabalho com a complexa ‘máquina humana‘ exige muita aplicação. Em grande parte, esses cuidados se devem ao material utilizado nas aulas: Os cadáveres humanos.
O desenvolvimento científico, por meio de técnicas de preservação desse material biológico, possibilitou aos alunos a prática envolvendo corpos reais. Nas grandes Universidades brasileiras hoje em dia, por exemplo, os corpos utilizados como apoio em cursos de medicina geralmente são frutos de parceria entre hospitais e escolas. Os cadáveres não reclamados por familiares ou amigos dentro do prazo estabelecido por lei, são enviados a Faculdades onde existem cursos ligados à área médica. Tudo seguindo rigorosos trâmites jurídicos.
Diante da necessidade de que os estudantes tenham o órgão disponível pelo máximo tempo possível, uma técnica foi desenvolvida por ser capaz de aumentar potencialmente a durabilidade dos elementos: A plastinação. Segundo Fernando Seiji, professor de Anatomia Humana pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro , a plastinação pode ser conceituada como uma forma de conservação de material biológico, onde é feito uma substituição da água e lipídios por um polímero, que pode ser silicone ou resina (epóxi ou poliéster).
Diversas são as vantagens do método em relação à utilização do formaldeído (popularmente conhecido como formol), que é a técnica mais tradicional utilizada nas Universidades brasileiras. “As substâncias utilizadas para a conservação na técnica de plastinação não possuem efeitos teratogênicos (cancerígenas) como o formaldeído. Além disso, existe uma grande chance de surgimento de fungos no tanque de conservação do formol, o que muitas vezes requer a lavagem e a troca de todo o produto de conservação”, observa.
A origem da técnica
Ainda segundo Seiji, a técnica foi criada e aperfeiçoada pelo anatomista alemão Dr. Gunther Von Hagens no ano de 1977, com a finalidade de criar um método de conservação onde não houvesse o contato do usuário com produtos tóxicos como o próprio formaldeído. “Voz Hagens também buscava aumentar o tempo de vida útil das peças. Como as peças plastinadas ao final do processo ficam fixadas na posição desejada, o Dr. Von Hagens aproveitou esse detalhe e utilizou para deixar as peças que ele produzia com características mais artísticas e cotidianas”, afirma o professor.
O procedimento é executado por profissionais ligados à área de Anatomia Humana, e se resume em cinco passos principais: Fixação da peça anatômica, dissecação da peça para destacar o que se quer observar, lavagem do material, imersão das peças em tanques de acetona para a retirada total dá água e lipídios e imersão no polímero de sua escolha até total impregnação. Em alguns casos essa impregnação ocorre em câmaras á vácuo.
“A nível de comparação, uma peça duraria entre 5 e 7 anos em procedimentos de preservação com o formol, contra cerca de 12 anos no caso do material plastinado”.
Outras possibilidades de aplicação
Diante da possibilidade de fixação e condicionamento das partes, os desdobramentos na utilização do material plastinado vai além das salas de aulas, como a utilização em feiras e exposições que possibilitam um contato do público leigo com as dimensões do corpo humano, como tamanho e formato de órgãos.
Pontos a serem superados
Apesar das vantagens do procedimento, como a durabilidade do material, a ausência de fungos e o fato do órgão se tornar inodor depois de plastinado, existem fatores que podem eventualmente ser compreendidos como pontos a serem superados pelo método, conforme explica o próprio professor no vídeo comparativo entre o rim preservado em formol e o rim plastinado:
Além disso, para o professor, o custo elevado de construção de uma estrutura para a utilização da acetona (fundamental no processo) torna a plastinação um procedimento ainda complexo e custoso, sendo necessário, inclusive, a construção de salas anti-explosão para o procedimento.
Ferramentas auxiliares no ensino
Peças em resina e plástico (macromodelos) também são utilizadas como ferramentas para suporte no decorrer do processo de aprendizado, mas algumas especificações as tornam menos efetivas como material principal no processo quando comparadas à procedimentos como a plastinação.
“Os chamados macromodelos apresentam uma severa desvantagem porque como são feitos em linha de montagem, são feitos a partir do mesmo molde, assim não possuem variações anatômicas. Variações anatômicas são pequenas alterações de posicionamento, forma ou até mesmo ausência de estruturas ou órgãos, que não trazem prejuízo a função do organismo, e essas variações são mais comuns do que imaginamos (por exemplo: o não desenvolvimento dos terceiros molares é uma variação anatômica). É muito importante os alunos terem esse conhecimento e observarem na prática essas variações” acredita o professor.