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Variante genética predispõe mulheres miscigenadas à obesidade

Variante de DNA humano, de origem africana, está presente em ambos os sexos, mas só interfere no IMC das mulheres miscigenadas adultas

Representação do genoma de um brasileiro organizado por cromossomos como mosaico de fragmentos europeus (vermelho), africanas (azul) e nativas americanas (verdes). Os pesquisadores usaram essa informação para descobrir a variante genética africana que predispõe obesidade em mulheres / Crédito: Thiago Peixoto Leal/Mosaico Translational Genomics)

A obesidade é considera um grande problema de saúde mundial, uma vez que predispõe doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, além de ser um fator de risco para formas graves da covid-19. No Brasil, mesmo com o grande interesse pela atividade física, a porcentagem de brasileiros obesos duplicou nos últimos 20 anos, chegando a, aproximadamente, 25% da população. Isso ocorre porque, além do estilo de vida – fator muito importante – a obesidade também depende da genética de cada pessoa.

É o que mostra um estudo que encontrou uma variante genética do genoma humano que contribui para um aumento, considerável, do índice de massa corporal (IMC), medida comum para calcular o peso ideal com base na altura.

O estudo indicou que a variante genética de origem africana, chamada rs114066381, curiosamente causa esse aumento apenas em mulheres adultas miscigenadas.

“Tanto os homens quanto as mulheres podem ser obesos por outros motivos, mas se um homem tiver essa variante ela não terá uma atuação em seu IMC, porém as mulheres, com essa mutação, tem uma chance maior de desenvolver obesidade”, informa o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Eduardo Tarazona Santos, líder do grupo de pesquisa que estuda a variante.

O grupo descobriu, ainda, que essa variante de DNA humano é uma das que mais influencia o IMC entre as mais de 200 atualmente conhecidas.

O estudo integra o trabalho de pesquisadores de 22 instituições, sendo 11 brasileiras e 11 internacionais de países como Estados Unidos, Peru, África do Sul, Gana e Austrália. Suas descobertas foram publicadas na revista científica International Journal of Obesity, a mais prestigiada na área de obesidade.

MOSAICO DAS RAÇAS

A obesidade é um fator de risco para diversas doenças e por isso é de suma importância entendermos os fatores, genéticos ou não, que a influenciam. Contudo, até então, a maior parte das variantes genéticas ligadas a obesidade foram descobertas em indivíduos de origem europeia, sendo mais de 800. O que se deve ao fato deles serem de longe a população mais estudada.

Segundo Eduardo Santos, há hoje uma busca por toda a comunidade acadêmica em estudar genes de outras populações, como africana e indígena. Contexto que deu origem a ideia do grupo em usar o fato da população brasileira ser miscigenada, ou seja, possuir um mosaico de fragmentos de origens diferentes, para descobrir variantes responsáveis por características e doenças que tenham diferentes origens.

 “O que é muito interessante porque, de certa forma, é como se espiássemos três populações diferentes: a europeia, a africana e a indígena, em um único estudo”, conta Santos.

HERANÇA GENÉTICA

A construção genética brasileira, também é um construção histórica. Segundo o projeto DNA do Brasil, que visa analisar o genoma de 40 mil brasileiros, o estupro de mulheres negras e indígenas marcou o genoma brasileiro. Os resultados iniciais do estudo mostraram que genes herdados exclusivamente por via materna em geral são de negras e indígenas, e que genes transmitidos pelos pais são quase todos de colonizadores europeus.

Além disso, uma outra equipe de pesquisadores da UFMG, coordenada pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, mostrou que mesmo que não se traduza necessariamente em traços do rosto ou na cor da pele, a miscigenação entre os povos formadores do Brasil é mais intensa do que se imaginava.

O que também se comprovou nesse estudo. Segundo a pesquisadora da UFMG, Hanaisa Sant’Anna, mesmo sendo uma variante genética presente em fragmentos do genoma dos indivíduos de origem africana, ela foi encontrada primeiro no Sul do Brasil, em mulheres predominantemente europeias, mas com algum nível de miscigenação. Mostrando assim que mesmo brasileiros com fenótipos marcadamente brancos são fonte de informações importantes para a ciência sobre a genética de doenças nas populações africanas ou miscigenadas.

Já sobre o fato da variante atuar unicamente em mulheres adultas miscigenadas, Sant’Anna explica que, na verdade, as mulheres de fato apresentam algumas mutações genéticas que têm um efeito maior no acúmulo de gordura que os homens. O que pode ter ligação com a evolução biológica, uma vez que a gravidez demanda acumulo de gordura como reserva energética e mutações, como essa, podem ter sido repassadas por meio da seleção natural.

METODOLOGIA

Os geneticistas que identificam genes responsáveis associados a doenças são chamados gene-hunters, ou caçadores de variantes genéticas. Nesse caso, específico, esses caçadores usaram um enfoque chamado mapeamento por miscigenação e, a partir de dados de alta resolução do genoma de 6.222 brasileiros, eles descobriram a origem africana, europeia ou indígena de cada fragmento do genoma de cada pessoa.

Após esse passo, os pesquisadores observaram algumas regiões do genoma e depois puderam, finalmente, procurar variantes genéticas – nos pedacinhos africanos observados anteriormente – e assim fazer a descoberta. Segundo Eduardo Santos, na população geral de mulheres, com ou sem a variante, 1,5% são obesas mórbidas, já entre as mulheres com a variante 15% são obesas mórbidas. “A presença da variante aumenta 10 vezes a chance de ter obesidade mórbida”, informa.

Além dos resultados iniciais, a equipe teve de avaliar em que populações do mundo era possível replicar os resultados observados no Brasil. Para isso, foi fundamental que a equipe da UFMG estabelecesse uma colaboração com um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelas professoras Mayana Zatz e Yeda Duarte. A equipe paulista tinha acabado de completar o sequenciamento de 1200 genomas de idosas de São Paulo, o que permitiu replicar o resultado obtido no estudo inicial.

Crédito: Marcos Nunes

VARIANTES E OUTRAS DOENÇAS

Segundo Eduardo Santos, é possível aplicar essa estratégia em outros contextos. O pesquisador informa que há grupos brasileiros que estão investigando outras variantes que influenciam doenças como o declínio cognitivo e a função pulmonar. “Esses grupos, de outros Estados, estão vindo até nós para aprender a fazer esse estudo, apesar de não termos inventado essa metodologia. Acontece que no Brasil somos uma referência nesse método, que envolve toda uma análise informática do genoma”, informa.

Sediado na UFMG o grupo é pioneiro no desenvolvimento de estudos que envolvem o mapeamentos da miscigenação dos brasileiros para encontrar variantes genéticas para obesidade e outras doenças, principalmente de variantes de DNA de origem não europeia. “Em Minas Gerais temos uma tradição de genética muito forte, temos uma escola de genética humana que é referência no Brasil”, ressalta Santos.

Como a variante encontrada não está dentro de um gene conhecido, mas em uma região que parece coordenar e regular a ação de genes, o próximo passo dos pesquisadores é entender como ela atua especificamente nas células e no organismo das mulheres com obesidade.

EPIGEN-BRASIL

O estudo é um dos resultados da iniciativa EPIGEN-Brasil, financiada pelo Ministério de Saúde e que atualmente recebe financiamento da Rede Mineira de Genômica Populacional e Medicina de Precisão, financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

O EPIGEN-Brasil é uma das maiores e mais produtivas iniciativas genômicas brasileiras para estudar como a miscigenação e ancestralidade dos brasileiros influencia a epidemiologia de doenças. O projeto estuda a epidemiologia genômica de três das principais coortes brasileiras, que acompanham a saúde de brasileiros por mais de 20 anos.

Sendo elas: Salvador, coordenada pelo professor Mauricio Barreto; Bambuí, em Minas Gerais, coordenada pela professora Maria Fernanda Lima-Costa, que também coordena a iniciativa EPIGEN-Brasil; e por fim, Pelotas, em Rio Grande do Sul – onde a variante genética que predispõe para obesidade foi descoberta – coordenada pelo professor Bernardo Horta.

O QUE É VARIANTE GENÉTICA?

Imagem do DNA. Foto: Karl-Ludwig-Poggemann/ Wikimedia

Marília Scliar, foi a primeira autora do trabalho que descobriu a mutação que favorece a obesidade. Segundo a pesquisadora, as variantes de DNA tem como origem fundamental o processo de mutação, que ocorre quando há uma mudança na sequência dos nucleotídeos ou na estrutura do material genético de um indivíduo. Essa mutação pode ser causada por erros de cópia do material genético ou por exposição a agentes mutagênicos diversos, como radiação ultravioleta.

Segundo Scliar, todos os organismos vivos têm material genético que se copiam em algum momento de seu ciclo e que estão expostos a diferentes agentes mutagênicos. Por isso, todos os seres vivos, incluindo os seres humanos e micro-organismos como bactérias e vírus, sofrem mutações. “Para algumas características, como as doenças monogênicas – anemia falciforme, por exemplo –, a genética tem um papel preponderante. Porém, em outras, o ambiente e estilo de vida têm uma maior influência”, explica.

Eduardo Santos, ressalta, contudo, que a maior parte das variantes não tem importância biológica e que também existem, no genoma humano, mutações que podemos considerar boas. “Como aquelas (em plural) que nos permitem digerir a lactose, beber leite e comer produtos lácteos. Ela é uma variante que não tem mais de 6000-7000 anos”, informa.

Tuany Alves

Jornalista formada pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), com pós-graduação em Jornalismo em Ambientes Digitais. Produz e gerencia conteúdo nas mídias sociais e colabora com os sites e as revista do projeto Minas Faz Ciência. Entre seus campos de pesquisa estão gênero e ciência.

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