No Planalto Central Brasileiro, entre a Amazônia, a Caatinga e a Mata Atlântica, o Cerrado ocupa cerca de 25% do território nacional, e é considerado a formação savânica mais biodiversa do mundo. Nas últimas décadas, o bioma se transformou em grande fronteira agrícola, o que ampliou o desmatamento. Novas linhas de desmatamento, piora da qualidade do solo e uso de fogo para agropecuária são fatores associados ao aumento de queimadas. Em 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) reportou quase 64 mil focos de incêndio em tais áreas.
“Em algumas regiões do Cerrado, o impacto do fogo pode ser até dez vezes maior do que vemos atualmente. Com as mudanças climáticas e de uso do solo, a tendência é ter mais fogo, e muito mais intenso e impactante para a vegetação”, diz Ubirajara Oliveira, pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com o objetivo de auxiliar a prevenção e o combate a incêndios, o CSR desenvolveu um modelo computacional capaz de prever o comportamento do fogo a partir de fatores ambientais.
“Nosso objetivo é criar ferramentas que auxiliem gestores e brigadas no combate e no manejo do fogo, para reduzir os incêndios, principalmente em unidades de conservação”, explica Oliveira. A tecnologia pode trabalhar de forma preventiva, ao identificar áreas mais sensíveis em uma unidade e traçar estratégias, como a construção de aceiros e o monitoramento da área. Para um foco já detectado, a ferramenta pode direcionar as brigadas para os pontos de propagação do incêndio.
A tecnologia integra o projeto “Monitoramento do Cerrado”, do qual também participa o Inpe. O Instituto produz e processa dados de satélite sobre focos de calor, para determinar a localização de incêndios no bioma. Esses focos são o ponto de ignição para o modelo desenvolvido na UFMG: a partir de outros dados, como relevo, ventos, umidade e biomassa seca, a ferramenta estima as áreas com maior risco de incêndio e prevê a intensidade e a direção de propagação do fogo no Cerrado brasileiro.
O modelo roda automaticamente, três vezes ao dia, com dados atualizados. Uma interface com as informações geradas está disponível, gratuitamente, na internet. Hoje, ele já opera para o Cerrado como um todo, com resolução mais baixa, de 500 metros – ou seja, cada pixel do mapa conta com tal metragem. “Na última temporada de incêndios, em 2020, aconteceu um incêndio em Lagoa Santa, e o modelo indicou a região de queima. Quando o fogo passou, comparamos a área simulada à real, e o resultado foi muito similar. Então, apesar de apresentar baixa resolução, ele foi útil e fez previsão muito boa”, lembra o pesquisador. Nos últimos testes, o modelo apresentou média de acerto de 82%.
Desdobramentos
Para Oliveira, a tecnologia já permite algum uso para manejo e prevenção, mas é mais genérica. “Para o Cerrado como um todo, é uma resolução boa, mas, para uma unidade de conservação, não ajuda muito numa gestão mais refinada”, explica. Para responder a essa demanda, o projeto trabalha com um desdobramento do modelo, que, atualmente, funciona para os parques da Canastra e da Serra do Cipó, em Minas Gerais, e da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
Nessas unidades, a ferramenta usa outro satélite, capaz de gerar resolução de 20 metros. Além da melhor qualidade, nos parques, o modelo funciona no próprio computador do usuário, e é capaz de calcular diversos cenários, de modo personalizável. A interface das duas variações do modelo (online e nas unidades de conservação) são simplificadas. “A dos parques parece com uma apresentação do PowerPoint. Por trás daquilo, o programa faz o download, o processamento das imagens de satélite e uma série de cálculos”, explica o pesquisador. Ao olhar para tela, porém, o usuário só precisa tomar decisões como onde o fogo vai começar, em qual dia e em que horário.
Enquanto o modelo online roda a imagem de satélite mais atual, a versão produzida para os parques pode simular focos de incêndio no futuro: a ferramenta faz o ajuste matemático com base no dia do ano, para fazer a previsão. Em 2019, pesquisadores do CSR trabalharam junto à equipe do Parque Serra do Cipó. “A gente rodou o modelo e desenvolveu vários mapas para o plano de manejo do parque, a partir do qual traçaram-se estratégias para proteger as matas”, conta Oliveira. As três unidades foram selecionadas, inicialmente, para a construção da tecnologia. “Precisávamos de unidades de conservação que servissem como modelo. Locais onde a gente pudesse fazer trabalhos de campo, para verificar as condições in loco, fazer entrevistas”, lembra o biólogo. Ele explica que os parques escolhidos são representativos do Cerrado e, ao mesmo tempo, contam com características muito distintas, o que gerou uma base de dados que funciona bem para o bioma como um todo. “O modelo gerado é, também, um piloto para expandirmos a outras unidades, com resolução maior”, conta Oliveira.