O Brasil conta com vasta fauna, considerada uma das mais importantes do Planeta. Tal riqueza permite aos especialistas os mais variados campos de estudo, da identificação de espécies raras ao uso de madeiras para produção de… vinho. Sim! Eis o curioso (e promissor) foco de pesquisa desenvolvida por Renata Vieira, junto à Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).
Em 2018, durante evento sobre cachaça, a pesquisadora, que integra o Núcleo Tecnológico da Epamig Uva e Vinho, conversou com um tanoeiro – profissional responsável por desenvolver tonéis, barricas e barris –, que lhe disse da possibilidade de usar madeiras brasileiras para envelhecimento da bebida.
Como a Epamig já era produtora do vinho Syrah, feito na região Sul de Minas Gerais, na cidade de Caldas, e contava com laboratórios equipados para tal tipo de pesquisa, faltavam apenas os chips, pequenos pedaços de madeira, para início. O tanoeiro, então, cedeu o material.
Geralmente, usam-se barricas de carvalho, madeira que, no entanto, não é nativa do Brasil, e, devido à necessidade de importação, eleva-se o custo do processo produtivo. Os pesquisadores optaram, então, por três espécies nacionais: ipê-amarelo, castanha-do-Pará e jequitibá. Segundo Vieira, a escolha se deu devido ao uso de tais exemplares na fabricação de cachaça, o que eliminou a obrigação de testes de compostos tóxicos.
Para a pesquisadora, o objetivo da pesquisa não se restringe a encontrar madeiras que substituam o uso do carvalho, para diminuir o custo da produção de barris, mas elaborar vinhos que apresentem bom resultado sensorial, com ótimos sabores e aromas. Além disso, espera-se que o resultado do envelhecimento seja tão satisfatório, ou até melhor, do que os rótulos envelhecidos na madeira estrangeira.
Comparações
Na primeira etapa do processo de pesquisa, usou-se a garrafa de vidro dos vinhos para o envelhecimento, ao fazer com que o vinho ficasse em contato direto com chips das espécies brasileiras. Cada garrafa continha, aproximadamente, três gramas de cada tipo de madeira.
Foi possível obter resultados positivos em relação ao uso de castanha-do-Pará e jequitibá. Já o ipê-amarelo não se saiu bem nos testes. Segundo Renata Vieira, algum composto volátil, presente no envelhecimento a partir da madeira, gerou sentidos sensoriais desconfortáveis aos provadores, responsáveis pela avaliação dos produtos finais.
Vieira destaca que os vinhos aprovados, a partir do envelhecimento em madeira nacional, tiveram notas superiores às de bebidas tratadas no carvalho. Por meio da análise, também foi possível constatar que uma das características mais importantes do produto, a acidez, não se perdeu.
Entretanto, para que o resultado chegue mais próximo ao produto oferecido no mercado – e, também, para confirmação da bebida como adequada ao comércio , é necessário usar barricas feitas com as madeiras para o envelhecimento e produzi-las em maior escala.
“Nas barricas, ocorre a micro-oxigenação, um envelhecimento diferente daquele em que se usa o chip. Assim, se confirmado que as madeiras brasileiras são interessantes para o mercado, é possível aproximar-se das situações ocorridas numa vinícola”, explica Renata Vieira.
Ao contrário do que se possa imaginar, nas barricas, não se acelera o processo de envelhecimento. Há, em verdade, troca de compostos da madeira para o vinho, o que traz diferentes características de sabor e aroma à bebida. Entretanto, este não é o único fator para que obtenha bons vinhos. “Também é preciso, claro, de boa uva, que suporte receber os compostos da madeira e resulte em boa bebida”, esclarece.
Saiba os próximos passos desta pesquisa na revista Minas Faz Ciência, edição 82