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Fake news e ciências

Pesquisadores da UFMG explicam como a desinformação compromete as ciências e os caminhos para enfrentá-las.

 Por Isabelle Couto, Laura Oliveira, Samilly Melo, Tássio Santos, Thayanny Campos*

Seja nas telas dos computadores, celulares, nos jornais distribuídos nas bancas de revistas, nos aplicativos de mensagens, nas redes sociais e até mesmo nas rodas de conversas, as fake news se tornaram as protagonistas das notícias que circulam pelas redes, mídias e pelo meio social, e isso não é de hoje.

Notícias falsas, boatos e desinformação, a lista de expressões que definem fake news é extensa, o que pode confundir muitas pessoas. Apesar da popularização nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, as fake news são um fenômeno de caráter viral, pois se espalham rapidamente, seja para reforçar uma ideia, prejudicar ou persuadir uma pessoa, grupo ou organização, o que pode ter efeitos colaterais prejudiciais para toda a sociedade.

Luciana Andrade, pesquisadora e doutora em Comunicação Social pela UFMG, desmistifica a ideia de que as fake news são inerentes ao jornalismo. Para ela, esse fenômeno sempre existiu e diz respeito a notícias falsas divulgadas nas plataformas digitais como se fossem reais com objetivo de manipular as opiniões das pessoas que as consomem.

Quando trabalhamos com fake news dá essa conotação de jornalismo e não é, não é um fenômeno específico do jornalismo, pelo contrário, ele nasce da conversação entre os pares nas redes sociais online.

Luciana Andrade, doutora em comunicação

Verdade e mentira são conceitos presentes na sociedade desde que o mundo é mundo, mas, com a expansão da internet, os fatos reais ou irreais vêm tomando dimensões muitas vezes imensuráveis. Não importa qual seja o assunto, política, cultura, religião, ciência ou saúde, o fenômeno fake news não escolhe o tema, ele se infiltra naquilo que está em alta, seja nas mídias sociais ou nos mais variados veículos de comunicação – como jornais, revistas, rádio e televisão.

Fake news e a descredibilização da ciência 

As teorias da conspiração contra a ciência sempre existiram. No entanto,  o alcance era menor. Atualmente, circula na internet um volume enorme de desinformação, que alcança cada vez mais pessoas e, consequentemente, corrobora com a descredibilização científica.

Um dos piores resultados colaterais do grande volume de informações falsas na internet é o efeito direto que elas podem causar na saúde pessoal e até mesmo indiretamente na saúde coletiva da população. Um movimento subsidiado pela desinformação, já muito forte em outros países e que vem ganhando forças no Brasil, nos últimos meses, é o movimento antivacina. Integrantes do movimento possuem os mais variados argumentos para promover a não vacinação; alegam, por exemplo, que as doses de vacina podem sobrecarregar o sistema imunológico, informação constantemente desmentida pela comunidade médica.

As proporções do movimento antivacina tomaram escala global, com grande influência na queda da taxa de vacinação em vários países. Tal fato  levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a considerar o movimento como uma das dez ameaças da saúde global em 2019. A OMS também elenca a crise de confiança na ciência como um dos principais fatores para o aumento do movimento.

Segundo o movimento Médicos Sem Fronteiras (MSF) uma pessoa infectada com sarampo pode transmitir o vírus para 90% das pessoas não imunizadas com as quais ela tiver contato. O que pode ser evitado com duas doses das vacinas indicadas para sarampo, capazes de proteger o indivíduo e a comunidade ao seu entorno.

No atual cenário de pandemia, a propagação de notícias falsas, desde a prevenção até a vacinação, tem aumentado com frequência nos aplicativos de mensagens e nas redes sociais, de acordo com pesquisa conduzido por duas pesquisadoras da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) entre março e abril deste ano sobre fake news relacionadas à COVID-19.

A pesquisa, que analisou denúncias e notícias falsas recebidas pelo aplicativo Eu Fiscalizo, entre 17 de março e 10 de abril, mostra que as mídias sociais mais utilizadas para disseminação de fake news sobre o novo coronavírus foram Instagram, Facebook e WhatsApp. Os dados revelam que 10,5% das notícias falsas foram publicadas no Instagram, 15,8% no Facebook e 73,7% circuladas pelo WhatsApp. Os resultados também apontam que 26,6% das fake news publicadas no Facebook atribuem a Fiocruz como orientadora no que diz respeito à proteção contra o novo coronavírus.

É necessário, além de conhecer a origem, compreender a intenção por trás de cada fake news. A propagação de desinformação em grande escala se tornou uma atividade de manobra política. Políticos mal-intencionados, promovem e, às vezes, até patrocinam essas informações, com a intenção de justificar e legitimar seus atos equivocados. É o caso dos políticos brasileiros, que, durante o período de quarentena, utilizaram tais artifícios para atacar a comunidade científica sobre  a necessidade de isolamento social. Já em outro momento, para ocultar possíveis benefícios pessoais e deslegitimar o processo científico, o mesmo grupo político indicava o uso de hidroxicloroquina para o tratamento de COVID-19, medicamento que nunca testou eficácia contra o vírus.

Segundo o filósofo Ernesto Perini Santos, professor do Departamento de Filosofia, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o uso de fake news na política não é algo novo e muito menos exclusivamente brasileiro. O pesquisador ressalta que grupos de extrema-direita, ao redor do mundo, utilizam a forma com o que as informações circulam na internet para propagar o negacionismo científico. Ressalta ainda que é necessário separar o sentimento de pertencimento a um grupo, da percepção e avaliação do que é verdadeiro ou não.

Ernesto lembra ainda a importância do saber científico e o relevante papel das universidades na produção de conhecimento coletivo. Ele ressalta a necessidade  de compreender que o conhecimento científico é resultado de um trabalho cooperativo, muitas vezes, complexo para o entendimento da população em geral. Logo, é necessário que a população entenda sua importância e confie nas instituições.

Eu acho importante entender que essa divisão, esse aspecto social colaborativo e assimétrico, demanda que as pessoas confiem para as coisas que elas não entendem. É preciso ter um ambiente de maior confiança institucional”

Ernesto Perini Santos, doutor em filosofia

O professor destaca também a função das escolas na formação de pessoas mais críticas em relação ao papel das ciências e das instituições sociais. 

Cliques e busca! A expansão de fake news por meio dos algoritmos

Preferências, identificação e respostas. Assim, os famosos algoritmos atuam nos meios digitais. Ao fazer uma pesquisa no Google, por exemplo, o robô é capaz de identificar quais são os resultados de páginas que melhor correspondem à busca e listá-los de acordo com os conteúdos de maior interesse do usuário. Nas redes sociais, não é diferente. Quando um usuário abre o feed de notícias, ele recebe primeiro os posts que o algoritmo considera relevantes. Normalmente, as postagens que aparecem no topo são aquelas relacionadas a perfis, pessoas com as quais o usuário interage mais, usando o engajamento como fator de ranqueamento principal.

O algoritmo é capaz de criar o que chamamos de ‘bolha’, ou seja, o leitor só irá acessar e consumir conteúdos de outros usuários que têm uma maior afinidade, formando compilados sociais, de ideologias e limitando a exposição a determinados pontos de vista. O leitor, neste caso, consome somente informações que fazem parte do seu grupo de interesses e afinidades.

Relação dos algoritmos com a fake news

Os algoritmos atuam como filtros no ambiente virtual. Portanto, essa limitação da divulgação das informações também contribui para a difusão de notícias falsas. Antes mesmo de haver a expansão de uma notícia entre grupos de indivíduos em uma mesma rede, o algoritmo já terá priorizado e dado mais visibilidade a uma determinada informação e, consequentemente, esconderá outras. Nesse contexto, é possível observar que a propagação da fake news é influenciada pela ação dos algoritmos como interferentes no acesso ao conteúdo.

Desde o início da pandemia da Covid-19, por exemplo, as pesquisas relacionadas ao coronavírus não param de crescer. Tal fenômeno facilita a propagação de notícias falsas de pesquisas científicas ainda em andamento ou nunca realizadas como se fossem verídicas. As consequências são sérias, pois as fake news além de ameaçar a saúde pública, também podem gerar uma histeria generalizada na população.

Para as pesquisadoras da UFMG Luciana Andrade e Geane Alzamora, as divulgações de informações mentirosas impactam diretamente na divulgação científica, o que pode fazer com que o público deixe de confiar em cientistas e especialistas.

Profissionais em meio às fake news

Dividir-se entre laboratório e trabalho de divulgação científica não é tarefa fácil, mas é exatamente o que fazem Ana Bonassa, bióloga, mestra e doutora em ciência, e Laura de Freitas, farmacêutica, mestre e doutora em biociências e biotecnologia, criadoras do canal Nunca Vi 1 Cientista.

As cientistas e youtubers utilizam de seus conhecimentos técnicos para desmistificar notícias falsas a respeito da ciência, por intermédio das plataformas digitais, com linguagem simples para a população em geral. Diante do aumento significativo de fake news durante a pandemia, as cientista, e outros colaboradores do projeto, dedicaram parte de seu canal para promover assuntos de interesse público sobre a COVID-19.

A alta na taxa de infectados com o vírus, e a falta de tratamento eficaz para a doença, tornou o ambiente propício para a propagação de desinformação. São incontáveis as receitas disponíveis na internet que se dizem eficazes no combate ao vírus, além das recomendações de uso de drogas farmacêuticas por pessoas sem formação adequada. Laura de Freitas ressalta o perigo da automedicação e do uso de medicamentos inadequados para o tratamento de doenças. A cientista também enfatiza que o uso indevido de medicação pode dificultar a recuperação e agravar o quadro clínico.

O anúncio de produção e possível compra da vacina chinesa CoronaVac, pelo governo brasileiro,  tornou-se assunto principal das notícias e também das fake news, nas redes sociais. Ativistas do movimento antivacina utilizaram como argumento para questionar a segurança da vacina o tempo curto da produção, alegando que outras vacinas demoram anos para serem produzidas. Laura esclarece que o tempo, nesse caso, não é fator decisivo para a segurança da vacina.

Existe a condição ideal de circulação do vírus para testar a fase 3 e há muito dinheiro envolvido, o que acelera todos os processos e a execução de todas as fases muito rápido. Isso garante aceleração dos processos de desenvolvimento de todas as etapas. Isso não quer dizer uma vacina insegura será aprovada.”

Laura de freitas, doutora em biociência e biotecnologia

A bióloga Ana Bonassa frisa também a importância da comunicação, por parte dos cientistas, sobre o resultado de suas pesquisas para a imprensa e o público em geral. Ressalta a necessidade de o público conhecer quem produz as pesquisas no país, para entender o que se faz dentro das universidades. Lembra ainda que a falta de diálogo entre a população e a comunidade científica é um dos fatores que fomentam os movimentos de corte de verbas das instituições.

Já a estudante de jornalismo Letícia Finamore revela uma história interessante. A estudante relata que mesmo tendo conhecimento na área, e entendendo o processo de circulação de fake news, ela própria foi vítima de uma dessas notícias falsas. Ao ler em uma rede social uma receita que prometia acabar com a dengue, de forma ingênua, acabou compartilhando a receita com uma colega com suspeita da doença. Relatou também que só percebeu o erro após ser alertada por uma tia infectologista sobre a ineficácia dos ingredientes para o tratamento da dengue. Esse relato reforça o perigo e importância de debater sobre o assunto. Conviver com as fake news se tornou algo rotineiro, mas que não deve ser normalizado, e sim enfrentado.

Ouça o podcast

A divulgação e consumo de notícias falsas é algo sério, pois oferece possibilidades de comprometer a sociedade de uma forma irreparável. Diante do atual cenário da pandemia pelo novo coronavírus e da grande circulação de fake news relacionadas a esse problema, o virologista e pesquisador da UFMG, Flávio da Fonseca, explica de que forma essas notícias falsas vinculadas ao COVID-19 podem afetar a população.

Como diferenciar uma notícia verdadeira de uma falsa?

Tendo em vista a dimensão que as fake news tomaram nos últimos anos, veículos jornalísticos assumiram o trabalho de checagem das notícias falsas e boatos que circulam na internet. Essa verificação detalhada é essencial, pois explica ao leitor, com argumentos comprovados, o porquê da notícia em questão ser falsa.

Identificar uma fake news nem sempre é fácil, já que elas são criadas imitando um modelo jornalístico, e, a primeira vista, podem parecer verídicas. Mas ainda assim, existem alguns pontos importantes que podem ser observados para facilitar o reconhecimento da veracidade da notícia, como sua data, identificação de fonte oficial, ficar atento aos erros gramaticais, buscar palavras-chave no buscador de outros sites etc.

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 Uma maneira ainda mais fácil de saber se a notícia é ou não uma fake news é recorrer às agências de checagem de notícias. Elas são especializadas na verificação da veracidade, e já têm em seus sites um grande volume de informações checadas. Além disso, também disponibilizam espaço para que o público envie notícias para serem verificadas.

Abaixo estão os nomes dos principais serviços de checagem de notícias. Todos desempenham um trabalho focado no combate às fake news. Por isso, na dúvida, busque informações nesses sites:

É fundamental checar a autenticidade das fontes para não correr o risco de contribuir com o compartilhamento de desinformação, ainda que de maneira não intencional. O trabalho da manutenção da qualidade das notícias é um esforço coletivo, pois se coloca ao alcance de todos e demanda, de cada um, responsabilidade epistêmica. Por essa razão, a conscientização social acerca do assunto faz-se necessária.

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* Estudantes do Centro Universitário de Belo Horizonte, orientados pela jornalista Lorena Tárcia

 

Parceria UniBH

Estudantes de jornalismo do Centro Universitário de Belo Horizonte, sob supervisão de jornalista do projeto Minas Faz Ciência.

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