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A estética corporal refletida nas relações online

Influenciadores e público estão imersos em uma rede de tensões e negociações

Por Laura Mourão, Isa Santana, Maria Clara Diniz e Ana Luísa Alves*

Diariamente, visualizamos na internet, principalmente no Instagram, narrativas de bem-estar relacionadas à vida fitness. Dietas restritivas, exercícios físicos e a idealização de um corpo estereotipado são temas cultuados nessas publicações.

Ao se expandirem pelo universo virtual, tais abordagens contribuem para a manutenção de padrões estéticos socialmente construídos e historicamente reforçados pelas mídias, sobretudo, os paradigmas estabelecidos para o corpo da mulher influenciam sua autoestima e, até mesmo, seu comportamento, seja na forma de se vestir, se posicionar ou nas decisões de compra.

Por outro lado, profissionais da saúde qualificados passaram a enfrentar novos desafios para conquistar espaço nas redes, onde personagens mais hábeis em comunicação e sem formação específica, compartilham conteúdo sobre as mais diversas temáticas, em busca de crescente visibilidade e retorno financeiro.

Cliques pouco saudáveis

Incentivar hábitos saudáveis é sempre uma ação positiva. Mas perguntamos:

  • Seguir recomendações de pessoas sem formação específica é o melhor caminho?
  • Quais os riscos para a saúde na busca por um padrão estético de massa?
  • Qual a responsabilidade dos diversos atores envolvidos na circulação desse conteúdo?

Por muitos anos, saúde da mulher foi tema pouco relacionado à alimentação ou rotina de exercícios. Ao contrário, a mulher dita saudável era aquela que se encaixava nos padrões estéticos impostos pela sociedade – associados à magreza, pele em tons claros, lisa, sem manchas ou estrias, ser alta e com cabelos longos e lisos. Essa estética modifica-se constantemente, tendo como principal influência a visão da sociedade, o reflexo na mídia e a indústria da moda.

Para Mauro Wolf,  sociólogo, professor e ensaísta italiano, autor de importantes estudos no campo da sociologia da comunicação e da mídia, por mais de 100 anos, os meios de comunicação e, mais especificamente as revistas femininas, colaboraram para mudanças no papel da mulher nas sociedades, a serviço de interesses do sistema econômico, dos anunciantes e do governo, esferas historicamente dominadas pelos homens. Hoje, vemos esta complexa relação migrar para os ambientes digitais e as redes sociais online.

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Para Fernanda Medeiros, professora na Puc Minas e doutoranda em Comunicação Social (UFMG) , com ênfase na cultura das mídias e no universo das celebridades, a responsabilidade do cenário que estamos vivendo não é totalmente do influenciador ou da mídia, mas também do público.

A questão é complexa e exige repensar as relação estabelecida entre as partes, já que, muitas vezes, os usuários projetam seus valores nos influenciadores e continuam consumindo esse tipo de conteúdo, mesmo sabendo que não possuem embasamento técnico ou científico.

No entanto, Fernanda é otimista em relação ao amadurecimento destas conexões em rede.

São vários públicos. Tem gente que é influenciado por curtidas e seguidores, tem outros que não. Depende. Há vários perfis menores fazendo muito sucesso. Isso me deixa otimista, o caminho ainda é curto, lento. Acho que ainda vai rolar um processo de amadurecimento das redes. A questão do cancelamento tem mostrado isso. É uma responsabilidade compartilhada entre o público e as celebridades, alerta Fernanda.

As redes sociais e o impacto dos influenciadores digitais

Com o intuito de gerar proximidade entre indivíduos e povos distintos, as mídias sociais online criam conexões ao redor do mundo, ao unir pessoas com interesses e objetivos comuns. O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de tempo diário gasto nessas redes, atrás apenas da África do Sul e Filipinas, segundo a pesquisa Digital In 2020, realizada pelo We Are Social e Hootsuite.

Ainda de acordo com a pesquisa, o número de pessoas ativas na internet mundial cresceu 7%, em comparação a 2019, dos quais cerca de 3,80 bilhões estão nas plataformas de redes sociais. No Brasil, as mais acessadas são YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, Linkedin e Pinterest. 

Ainda que o Instagram esteja como a terceira rede mais usada no Brasil, a previsão é de que o número de usuários cresça mais de 20% até 2023, segundo estudo realizado pela CupoNation. Pelos cálculos da Socialbakers, plataforma global especializada em engajar empresas nas redes sociais, o Instagram segue como a rede com maior potencial de evolução. 

Este se apresenta, portanto, como o ambiente ideal para conexão entre marcas e celebridades virtuais, em busca de projeção e potenciais clientes. Se, antes, celebridades eram consideradas as figuras mais interessantes da TV, em novelas e jornais, hoje, a proximidade, troca de valores e representatividade inclui os chamados influenciadores digitais nesta categoria.

Por meio de seus conteúdos preponderantes, os influenciadores acumulam uma legião de pessoas que acompanham a sua rede, conhecidos como seguidores. Esse nível de fidelização com o público é que tem atraído as marcas. Elas convocam influenciadores para utilizarem seus produtos, procedimentos estéticos e outros serviços, em troca de uma espécie de permuta, com retorno atraente para as duas partes.

Para além do número de seguidores, essas parcerias se baseiam em performances de engajamento e associação de valores atrelados à marca. Por isso, especialistas em marketing digital recomendam pesquisar e considerar a responsabilidade social que estes parceiros projetam na hora de produzir conteúdo.

Alguns são criticados por não exercerem essa responsabilidade e promoverem conteúdos e publicidades sem qualquer tipo de embasamento profissional, principalmente em conteúdos relacionados à área da saúde e beleza.

O discurso fitness

Dentro do nicho fitness, costumam ser exaltados o estilo de vida e o incentivo ao consumo de diversos produtos, dietas, procedimentos estéticos e cirurgias. Muitas vezes, os influenciadores praticam o exercício ilegal de profissões da área da saúde, propagando informações sem embasamento científico. Entre os influenciadores criticados e denunciados judicialmente por utilizarem essa narrativa e disseminarem conselhos considerados duvidosos estão as blogueiras Mayra Cardi e Gabriela Pugliesi. 

Ex-designer de joias e atual influenciadora fitness, Pugliesi acumula mais de 4,3 milhões de seguidores no Instagram. Uma pessoa comum que, caminhando para ter um estilo mais saudável, cada vez que publicava fotos das mudanças no seu corpo, conquistava novos seguidores. O intuito era motivar a si mesma com os resultados, porém a mudança acabou inspirando pessoas pelo país inteiro.

Hoje em dia, a blogueira é considerada um espelho para muitos de seus seguidores. No seu Instagram, é possível acompanhar uma coleção de fotos coloridas de refeições compostas por vegetais, receitas, poses de biquíni com o marido Erasmo, e grande exaltação ao estilo ‘positive vibes’. Porém, em seus posts, a blogueira já foi criticada por fazer apologia a distúrbios alimentares como anorexia e bulimia.

Outra pessoa que se tornou uma celebridade do mundo fitness, é a ex-participante do reality show Big Brother Brasil, Mayra Cardi. A blogueira, elogiada pelos atributos físicos durante o show, investiu na carreira de influenciadora fitness e passou a vender consultoria para emagrecimento e fortalecimento muscular. Entre os produtos estava um programa de emagrecimento chamado ‘Seca você’, denunciado ao Ministério Público pelo Conselho Regional de Nutricionistas do Rio de Janeiro, pela ausência de habilitação e registro profissional para prescrever dieta ou plano alimentar. A iniciativa, segundo a denúncia, teria o objetivo de evitar que a população buscasse “atendimento com pessoas leigas”. A coach, como ela se define, já atendeu famosos, como Cleo Pires, Larissa Manoela, Samanta Schumütz e Anitta. Atualmente, Mayra acumula mais de 5,9 milhões de seguidores no Instagram.

Conforme o estudo “Representações sociais e os novos padrões estéticos e ideológicos das influenciadoras digitais: Uma análise de impacto na sociedade brasileira” , dos pesquisadores Mariana Mattar Yunes, Gabriel Celestino Rosa, Leonidas Roberto Taschetto publicado na Revista de Educação, Ciência e Cultura, as duas blogueiras se enquadram em um nicho de influenciadoras conversadoras, que seguem à risca os padrões impostos pela sociedade. As principais temática delas, de acordo com os autores, são as questões referentes à percepção de beleza, através do incentivo ao uso de maquiagens, produtos estéticos, informações de moda e cultura fitness alinhadas a estereótipos heteronormativos.

A dismorfia corporal nas redes

Em uma das suas atualizações mais importantes, em 2016, o Instagram trouxe a ferramenta Stories, com filtros disponibilizados pela própria plataforma (função muito semelhante ao Snapchat). Recentemente, usuários passaram a contribuir na produção de novos filtros, sob curadoria interna e validação da empresa. A diversidade de opções levou os filtros a dominarem as publicações. O recurso é considerado perfeito para adornar fotos sem prévia produção, com inserção de cílios longos, nariz afinado, lábios cheios e maçãs do rosto bem definidas.

Entretanto, em 2018, um novo fenômeno foi identificado pelos cientistas: a chamada ‘Dismorfia do Snapchat’ . O termo foi criado por Neelam Vashi, diretora do Centro de Cosméticos e Laser da Universidade de Boston, e diz respeito ao comportamento dos jovens em busca de cirurgias plásticas como meio de se parecerem com suas versões filtradas.

Para o psiquiatra Eduardo Aratangy, do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, o Transtorno Dismorfóbico Corporal (TDC) é caracterizado por preocupação excessiva com a própria aparência e pela tendência de exagerar as pequenas imperfeições. Joana de Vilhena, autora do livro “Que corpo é este que sempre anda comigo“, considera que o transtorno vem crescendo nos últimos anos. Na obra, ela discute temas como culto ao corpo, obrigação de ser bela, percurso da feminilidade e imagens da mulher nas telas.

Em pesquisa realizada pela Academia Americana de Cirurgia Facial Plásticas e Reconstrutiva, em 2018, 55% dos cirurgiões afirmaram já terem atendido pacientes em busca de procedimentos para melhorar sua aparência em selfies. Segundo a mesma pesquisa, em 2017, o percentual era de 42%.

No entorno da insatisfação crescente e em busca da perfeição, outras soluções milagrosas invadem as mídias sociais e o conteúdo publicado por influenciadores.

A recente técnica de sucção de gordura de uma região do corpo – que ressalta os contornos musculares, oferecendo a famosa “barriga trincada” – ficou popular entre diversos influenciadores do Instagram, como Jonathan Couto (1,6M seguidores), Ludmilla (22,7M), Virginia Fonseca (12,8M) e Giovanna Chaves (11M).  A Lipoaspiração High Definition, mais conhecida como lipo HD ou lipo LAD, promete um corpo sarado sem precisar dedicar tempo às atividades físicas.

A realização desse procedimento por diversos blogueiros que possuem o corpo magro e considerado “saudável”, tem sido alvo de discussão na própria rede. Não há comprovação de que as publicações sejam feitas como ‘publi post’, ou seja, moeda de troca entre os influenciadores e médicos que realizam o procedimento. Porém, existe um padrão na forma de divulgar o local do procedimento, de forma excessiva, que se repete entre os influenciadores. 

A youtuber e influenciadora Jojoca (337 mil seguidores), ressaltou sua indignação sobre a normalização do procedimento em um vídeo postado em seu IGTV, explicando o assunto.

As pessoas estão divulgando isso como se fosse uma drenagem linfática (…), mas você já viu alguém morrer por causa de drenagem? Ou alguém que passou uma semana de cama de tanta dor por que fez uma drenagem linfática?

JOJOCA, YOUTUBER E INFLUENCIADORA DIGITAL

Outra influenciadora que mostrou recentemente sua indignação foi a estudante de história Débora Aladim (1,2 M seguidores). Em uma série de stories, ela caçoa com o tema:

No perfil que eu vou marcar tem uma série de barrigas que você pode escolher se você pagar 40.000 reais. Isso é legalizado pelo CRN? Não! Mas pode confiar, tá? Porque eu fiz. O pós operatório é super tranquilo, você só precisa de quatro pessoas por sua conta, porque você não pode levantar, pode fazer nada. Mas vale a pena!

DÉBORA ALADIM, INFLUENCIADORA DIGITAL E ESTUDANTE DE HISTÓRIA

Para Alexandre Meira, especialista em cirurgia plástica e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – Regional MG, a lipo HD é uma lipoaspiração mais detalhada, em áreas específicas, em que o médico procura retirar o máximo possível de gordura para melhor evidenciar o próprio esqueleto e musculatura do paciente que está sob a pele e o tecido subcutâneo. Ou seja, só pode trazer algum efeito em pacientes que já são magros, malham muito e apresentam algum grau de hipertrofia ou definição muscular.

São propagandas enganosas, com promessas ou ilusão de resultados maravilhosos que nem sempre são possíveis para muitas pessoas. Medicina e saúde não são para serem vendidos ou comercializados. Um tratamento que deu certo, com ótimo resultado em uma blogueira jovem, de pele firme, que malha diariamente, se alimenta adequadamente e nunca teve filhos jamais será o mesmo em outro paciente que está acima do peso, já teve duas ou mais gestações, apresenta uma idade de uma ou duas décadas a mais e tem um tônus (firmeza) de pele diferente. Ou seja, muitas vezes esta última paciente irá alimentar um sonho ou expectativa em que o médico e o tratamento que ele realizou foi que criou aquele resultado maravilhoso. E, infelizmente, milagres em medicina não existem. Pelo menos não para os médicos terrenos, alerta o médico.

Além disso, a postagem de fotos “antes e depois” dos resultados cirúrgicos vai contra o regulamento estabelecido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), por trazerem uma promessa de resultados irreais, que dependem da saúde e reação do paciente. “Quando uma influenciadora vende um procedimento com base nos seus próprios resultados, ela pode causar uma falsa impressão de que aquele será o resultado que qualquer pessoa receberá com o procedimento”, ressalta o Dr. Alexandre Meira.

Espaço de negociação e transgressão

Para Fernanda Medeiros, embora o comportamento de muitas influenciadoras digitais seja tóxico, é preciso diferenciar suas motivações de visibilidade do comportamento de seus seguidores. O padrão de relacionamento depende de cada pessoa e sempre há brechas para negociações sociais, pois, no mesmo ambiente, estão pessoas e grupos de crítica e denúncia.

Uma influenciadora envolvida nesta negociação é a atriz Kéfera Buchmann. Sua carreira começou com o público infantil/adolescente na época em que os youtubers viralizaram. Kéfera bombou com o seu canal e foi parar nas telinhas do cinema com o filme infantil “É fada”. Neste meio tempo em que estava entre o YouTube e a TV, a pressão estética caiu no seu colo. Em seu canal, ‘15minutos’, que está no ar há mais de 10 anos, acumulando mais de 10 milhões de seguidores, os comentários sobre o seu corpo, rosto, influenciaram para que ela mudasse esse estilo de vida. 

A influenciadora foi mudando seu estilo por um lifestyle saudável. Os seguidores acompanharam todo o processo pelas redes sociais, no qual, aos poucos, ela foi entrando na estética corporal padrão, considerada como um modelo a ser seguido. 

Apesar de ter mudado o seu corpo, Kéfera nunca foi colocada como musa fitness, seu processo foi visto como um parâmetro a ser seguido, entretanto, ao decorrer dos anos, por ser uma pessoa muito influente em questões sociais, ela teve uma virada na carreira. A partir de 2017, passou a ser vista como um modelo de autoaceitação, corpo livre, que se posiciona em lutas por vários direitos. Não à toa, seu lastro de fama já acumula no Instagram mais de 13 milhões de seguidores. 

O mesmo estudo que demarcou Gabriela Pugliesi e Mayra Cardi como influenciadoras conservadoras, considera Kéfera como um modelo de Influenciadora Digital Transgressora. Como Kéfera, existem outros perfis que relacionam o seu alto engajamento a representações ideológicas e conteúdos com responsabilidades específicas nas redes:

Paola Antonini: deficiente física, após acidente busca motivar pessoas que passaram pela mesma situação, mostrar que é possível ser feliz e sentir-se bela. Ela foi uma das primeiras referências de influenciadoras com deficiência, perfil crescente na rede.

Alexandrismos: Alexandra Gurgel, conhecida também como Xanda, era a típica mulher conservadora que sempre buscou pela estética corporal magra. Ela passou por inúmeros procedimentos, como dietas, remédios para emagrecer, e até mesmo se submeteu a uma lipoaspiração. Após a lipo, o seu corpo sofreu muito danos, o  que a fez repensar seu modo de vida e o próprio corpo. Em 2013, recuperada, Xanda conheceu o movimento feminista e iniciou sua carreira como influenciadora e youtuber com o perfil Alexandrismos. Desde então, é reconhecida por suas fortes pautas sobre autoestima, depressão, gordofobia e autoaceitação. Ela é uma das embaixadoras no movimento #corpolivre e palestrante sobre o tema.

Nataly Neri: em comparação às influenciadoras acima, Nataly é a única que ainda não tem o seu milhão de seguidores. Ela é uma influenciadora digital negra, graduada em ciências sociais. Em seus posts, fala sobre moda, beleza e casa, mas seu discurso é empoderado para pautas relacionadas a conscientização, feminismo negro e racismo.

Com o mercado abrindo portas para a diversidade de raças, estilos, corpos e etnias, o que é padrão tem ganhado menos força, apesar dessa presença ainda ser muito grande. De acordo com a pesquisa realizada pela InfluencerDB, empresa de tecnologia líder da Europa para a indústria de influenciadores, desde 2018, houve um declínio na taxa de engajamento de todas as categorias de influenciadores do setor na plataforma. Os influenciadores com maior número de seguidores foram os que mais sofreram com esse impacto. Já os que possuem em média 10 mil seguidores, obtiveram um engajamento de 3,6%, e os com  5 mil seguidores, uma taxa de 6,3%. Esses dados comprovam que o Instagram está saturado de conteúdo, também por conta dos anúncios dentro da plataforma. Portanto, o número de usuários engajados por publicações de influenciadores digitais reduziu de 4% para 2,4%.

Para Fernanda Medeiros esse mercado tem mudado:

Saindo do tema corpo e indo para o lado estético, temos visto vários debates que estão explodindo, como por exemplo a transição capilar. O que é cabelo ruim, cabelo bom, e isso puxa um debate sobre raça. A discussão do corpo também pode chegar a este lugar. A tentativa é ampliar essas discussões.

Medeiros defende a importância da publicidade e da fiscalização do público como agentes de mobilização e pressão no entorno da indústria da beleza.

Ciência e compromisso público

Apesar da onda de desinformação e compartilhamentos de dicas sem amparo científico, influenciadores mineiros também prezam pelo cuidado com seu público na disseminação de informações relacionadas à saúde. 

Bella Falconi, de Belo Horizonte, se destaca no ranking de blogueiras. Além de ser considerada influenciadora relevante, quando percebeu que estava ganhando exposição nas redes sociais, em 2012, decidiu estudar nutrição para garantir maior credibilidade aos seus conteúdos.

Foi a melhor decisão da minha vida. Naquela época, quase não havia outras influenciadoras nesse nicho e, sem dúvidas, poucas delas se preocuparam em estudar. Mas eu fui na contramão. Enquanto a grande maioria estava satisfeita em ganhar dinheiro com base em achismos e opiniões sem quaisquer embasamentos, eu optei por trilhar o caminho mais árduo. Fiz bacharelado e, logo em seguida, mestrado em nutrição. Isso me deu muita segurança para compartilhar assuntos vinculados à alimentação e saúde, evitando, portanto, conteúdos prejudiciais aos seguidores.

BELLA FALCONI, INFLUENCIADORA DIGITAL E MESTRANDA EM NUTRIÇÃO
Bella Falconi

A blogueira ainda fala sobre os problemas que outras influenciadoras, sem formação na área da saúde, trazem para o seu público ao compartilharem dietas, rotinas de exercício ou até mesmo remédios. “Ainda que a grande maioria tenha boas intenções, não podemos ignorar o fato de que dietas radicais e muito restritivas, assim como medicamentos, podem ser extremamente perigosos para a saúde, principalmente sem o devido acompanhamento profissional. Muito frequentemente, nego propostas de publicidade justamente pelo fato de não confiar no produto ou não julgá-lo saudável”, revela Falconi.

A influenciadora considera necessário possuir o mínimo de conhecimento técnico para avaliar a qualidade ou os riscos dos ingredientes de um determinado produto, algo que muitos influenciadores não possuem. “Desta forma, os seguidores se tornam expostos a riscos sérios, pois confiam cegamente nas pessoas que seguem. É uma situação muito delicada, pois dificilmente conseguiremos discernir entre o que não passa de interesse financeiro, e aquilo que é de fato um conteúdo bem embasado”, alerta.

Como mestranda na área da saúde, Bella Falconi acredita na importância de se trazer um conteúdo científico traduzido com palavras acessíveis, quebrando a barreira que existe entre a ciência e as pessoas comuns. “Talvez essa distância enorme entre a comunidade científica daqueles que não são da área da saúde (ou qualquer outra área da ciência) exista pelo fato de não haver essa “preocupação” dos profissionais em traduzir um conteúdo técnico para uma linguagem acessível”, finaliza. 

Além de blogueiras empenhadas na disseminação de informações corretas sobre saúde, algumas nutricionistas também se colocam nas redes sociais em prol de ajudar o público em sua alimentação.

Apesar de já terem um número expressivo de seguidores, essas nutricionistas ainda não estão no mesmo nível de engajamento de grandes influenciadoras que já passaram da casa dos milhões. Isso também se estende aos profissionais de estética e cosmetologia, biomedicina, medicina e educação física, como a personal trainer Sâmara Aquino. A grande questão é que alguns desses influenciadores estão ocupando o espaço destas profissionais que possuem formação acadêmica para falar sobre assuntos da saúde e mundo fitness

Pós-graduada em Musculação e Atividade de Academia pela UFMG, Sâmara acredita existir o lado bom na divulgação e disseminação de estilos de vida saudáveis. Porém, o lado negativo, na visão da profissional, está na relação comercial com o mercado. 

Muitas influenciadoras não sabem o que falam, se deixam levar pela mídia e pelos valores que algumas marcas pagam por divulgação, e não pela seriedade do produto. Assim como elas deveriam ter a consciência de que, no papel de influenciadora, elas têm sim impacto na vida de quem as segue, nas ações e tomadas de decisão na aquisição de um item que elas publicam, a própria seguidora também deveria ter a capacidade de, pelo menos, ter uma segunda opinião, e/ou buscar informações plausíveis sobre o que está sendo exposto. É uma via de mão dupla, onde ambas as partes deveriam ter mais cautela com as informações.

SÂMARA AQUINO, PERSONAL TRAINER

A nutricionista e doutora em ciência dos alimentos, Débora Rodrigues, de Belo Horizonte, considera que o posicionamento de profissionais da saúde nas redes sociais deve ser mais cuidadoso, pensando diretamente em como suas mensagens podem atingir seu público. Segundo o Código de Ética dos Nutricionistas (Artigo 58), é vedado ao nutricionista, mesmo com autorização, divulgar imagem corporal de si e de terceiros em suas redes sociais. 

A gente sabe que essa questão da imagem corporal é um problema tão grande, que nós enquanto profissionais da saúde, se estimularmos isso mais nas pessoas, pode até piorar as situações. Então, se eu posto uma foto do meu corpo, e eu sou nutricionista do esporte, aquela pessoa que está do outro lado da tela vai criar uma expectativa de que se ela contratar meus serviços, ela vai alcançar o mesmo resultado que o meu. E não é assim que funciona, cada pessoa tem um organismo.

DÉBORA RODRIGUES, NUTRICIONISTA

Outra questão abordada no Código de Ética dos Nutricionistas, é em relação à divulgação de produtos por parcerias. Segundo o Art. 63, é vedado ao nutricionista fazer publicidade ou propaganda em meios de comunicação com fins comerciais, de marcas de produtos alimentícios, suplementos nutricionais, fitoterápicos, utensílios, equipamentos, serviços ou nomes de empresas ou indústrias ligadas às atividades de alimentação e nutrição.

Na visão de Débora Rodrigues, “se eu sou nutricionista, e indico um produto alimentício em minhas redes sociais, é claro que meu público vai dar credibilidade ao que eu estou falando, porque eu sou profissional disso, eu tenho capacidade técnica para falar se um produto é bom ou não. Então, é exatamente por isso que o nosso Código de Ética barra essas divulgações, para que meu público não seja influenciado só por aquilo que eu falei”, esclarece.

Débora fala mais sobre o papel do nutricionista em meio às redes sociais e essa onda fitness, em nosso podcast: 

Em 2017, a influenciadora Luiza Junqueira, que possui 229 mil seguidores no Instagram e 677 inscritos no YouTube, publicou uma foto de seu corpo que não considerava bonita com a #corpãoquerido. A imagem viralizou e incentivou outras mulheres a também publicarem fotos que antes não tinham coragem, por não se sentirem confortáveis com o próprio corpo. Assim, muitas pessoas, como a própria Luiza, passaram a aceitar seus corpos e deixaram de seguir dietas restritivas divulgadas na internet.

Nessa mesma linha, a nutricionista Marle Alvarenga, pós-doutora em Nutrição pela USP e idealizadora do Instituto Nutrição Comportamental, discute narrativas que buscam mudar a visão do papel da alimentação, a chamada nutrição comportamental. De acordo com Marle, o ato de comer deve ser entendido como uma prática que envolve aspectos culturais, sociais, psicológicos, além de biológicos, associados à uma boa alimentação, e não somente ao emagrecimento. 

Por isso, a importância de influenciadores ajudarem a promover mais campanhas como essas, que realmente se importam com a prática de uma vida saudável e a responsabilidade social para com o público que está consumindo. Quanto mais pessoas produzirem esse tipo de conteúdo, mais usuários serão alcançados e aprenderão a amar o seu corpo sem se importar com os padrões ditados externamente.

*Estudantes de Jornalismo orientadas pela jornalista Lorena Tárcia

Parceria UniBH

Estudantes de jornalismo do Centro Universitário de Belo Horizonte, sob supervisão de jornalista do projeto Minas Faz Ciência.

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