Já se passaram mais de 5 anos desde que a barragem de rejeitos da Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, se rompeu. De lá para cá, muitos foram os danos à população atingida.
Além de perdas materiais, as vítimas ainda precisam lidar com impactos na saúde. Há relatos de doenças respiratórias, de pele e, é claro, transtornos mentais que se associam ao trauma vivido pela população.
Recentemente, um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que a tragédia também impactou a saúde bucal das vítimas, as quais relataram dores de dentes constantes após o trauma.
A tese de Paula Mendes, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG, buscou avaliar a prevalência da dor nos dentes e os fatores associados nos atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão.
Sob a orientação de Maila Neves e coorientação de Frederico Garcia e Ana Cristina de Oliveira, a pesquisadora analisou, também, a prevalência de problemas de saúde bucal nos indivíduos e as características sociodemográficas da população. Paula e orientadores verificaram, por fim, em quais transtornos mentais a dor nos dentes ocorre com maior frequência enfatizando a relação entre saúde bucal e saúde mental.
Coleta de informações
A primeira etapa da pesquisa consistiu em uma observação transversal de base domiciliar. A pesquisadora explica que os dados foram coletados em novembro de 2017 por meio de entrevistas estruturais.
“Todas aquelas pessoas que se consideravam atingidos ou foram diretamente expostos ao desastre foram convidados a participar do estudo. Tivemos uma fase pré-campo onde foi feita a estruturação da pesquisa, definição do escopo, mapeamento da coleta de dados, elaboração dos questionários e sensibilização da população. Posteriormente fizemos as entrevistas, construímos e analisamos o banco de dados e fizemos a construção e devolutiva dos resultados”, detalha Paula Mendes.
Tragédia e seus impactos
No total, foram incluídos na amostra 225 atingidos. A partir disso, os pesquisadores verificaram que a dor nos dentes autorrelatada foi confirmada 17% da população atingida.
O problema foi, estatisticamente, mais prevalente nas mulheres e pessoas com transtorno de depressão maior, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós traumático.
“Observamos também que os indivíduos com presença de queixa de dor nos dentes estavam mais insatisfeitos com o suporte social e a aparência bucal e tinham uma maior prevalência da percepção do mau hálito”, comenta.
Paula Mendes defende que ao associarem a dor nos dentes à insatisfação com a aparência bucal, diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada e satisfação com o suporte social, foram encontrados dados estatisticamente significativos.
Dessa forma, as vítimas que relataram estarem insatisfeitas com a aparência dos dentes tinham três vezes mais chances de ter dos nos dentes em relação ao resto da população brasileira.
“Vimos também que aqueles que tiveram o diagnóstico de transtorno de ansiedade, duas vezes mais propensos a apresentar essa queixa e após o desastre a chance de apresentar dos nos dentes aumentou 4% para cada ponto da escala de satisfação com o suporte social”, relata Paula.
Necessidades expostas
A pesquisadora afirma que a principal contribuição da pesquisa foi o entendimento de que mesmo após dois anos do desastre, as pessoas ainda estavam sofrendo as consequências na saúde mental e, consequentemente, bucal.
Isso deixa clara a necessidade de implementação de políticas públicas de saúde para indivíduos pós-desastre incluindo a presença de um cirurgião dentista.
“É importante também ressaltar que psiquiatras e dentistas devem conhecer essa sobreposição de sintomas e a relevância dessa associação entre saúde bucal e saúde mental para assistência integral a essa população sobrevivente de desastres”, alerta a pesquisadora.