Por Soraya de Carvalho Neves*
A região de Diamantina, Minas Gerais, é famosa por seu patrimônio histórico mundialmente reconhecido e por suas belezas naturais. A exuberância da Serra do Espinhaço e sua geologia peculiar despertam interesse, desde o período colonial, pela ocorrência dos tão cobiçados diamantes. Entretanto, existe todo um universo subterrâneo praticamente inexplorado. As pesquisas em cavernas formadas por rochas quartzíticas no Brasil são muito raras diante dos inúmeros trabalhos existentes sobre as cavernas calcárias.
Em 2014, foi criado o Núcleo de Estudos Espeleológicos da Serra do Espinhaço em Diamantina (MG), tendo sido instituída uma parceria de cooperação técnico-científica por meio de um convênio entre a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e a mineradora Anglo American. A partir de então, foram iniciados os trabalhos de campo pela equipe de Geologia do Centro de Estudos de Geociências (Cegeo), vinculado ao curso de Engenharia Geológica da UFVJM, a fim de identificar e catalogar as cavernas na região.
Logo nos primeiros trabalhos, foram identificados diversos tipos de espeleotemas, formações rochosas que compõem os ornamentos nas paredes das cavernas (estalactites e estalagmites em cavernas calcárias, por exemplo). No caso de cavernas quartzíticas, o processo de dissolução da rocha para produzir os espeleotemas é bastante complicado e difícil, pois a mesma não possui susceptibilidade ao ataque químico. Entretanto, ocorre a formação extensiva dos ornamentos em alguns locais. Assim, foi sugerida a origem desses espeleotemas pela interferência microbiana, que diferentes microrganismos estariam associados, auxiliando na solubilização da rocha a fim de disponibilizar os elementos químicos necessários ao desenvolvimento das colônias e consequente formação dos espeleotemas rochosos. A partir da demanda de estudos microbiológicos foi estabelecida uma parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) para complementar a equipe de pesquisadores.
O estudo da microbiota subterrânea é chamado geomicrobiologia e esse tema é pouco abordado na literatura. Essa pesquisa tem alavancado os estudos nesta vertente da espeleologia brasileira. Com o advento da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) que provoca a covid-19, houve um interesse maior pelos microrganismos que vivem em cavernas, uma vez que o novo coronavírus foi, muito provavelmente, disseminado através do morcego, que é um habitante frequente desse ambiente. Nesses locais, devido às dificuldade de sobrevivência, seja pela falta de luminosidade, seja pelo baixo aporte de nutrientes, os microrganismos, que se desenvolvem, possuem características muito diferenciadas dos que vivem em ambientes superficiais, ou mesmo como hospedeiros em outros seres vivos.
Atualmente, uma pesquisa científica com microrganismos em cavernas de minério de ferro obteve sucesso como fitorremediador, ou seja, combatendo um tipo de praga agrícola. Outra aplicação desses estudos são as investigações de vida extraterrestre, como os estudos da Nasa sobre vida em Marte. Assim, os estudos científicos sobre o subterrâneo terrestre poderão auxiliar na manutenção e proteção da vida na Terra, bem como no avanço do conhecimento sobre as possíveis formas de vida no espaço sideral.
Com o desenvolvimento dos estudos espeleológicos na região do Espinhaço, foram selecionadas três cavernas próximas a Diamantina: duas quartzíticas (distrito de Extração) e uma calcária (distrito de Conselheiro Mata) para comparação entre os diferentes tipos existentes. Os primeiros resultados são animadores: através da fluorescência de raio-X, foi detectada uma alta porcentagem de carbono orgânico nas amostras de rocha. Pela microscopia, foram identificados minerais de origem orgânica como: opala, fosfato e carbonato. A presença desses minerais indicam uma síntese via microrganismos, pois não são encontrados naturalmente no quartzito. As análises microbianas identificaram diversos tipos de fungos, actinobactérias e bactérias. Os fungos foram isolados e estão em fase de identificação por sequenciamento genético. Os resultados serão encaminhados para publicação em revistas científicas de ampla circulação.
Dessa forma, a pesquisa mineira poderá contribuir muito para a descoberta de uma infinidade de microrganismos existentes nesse ambiente hostil. Esses microrganismos podem ser patológicos ou não. Outros vírus, ainda desconhecidos, podem se propagar de forma semelhante ao coronavírus. Por outro lado, há possibilidade de descoberta de novos medicamentos a base de fungos, como antibióticos ou fitorremediadores bacterianos. Isso incentiva a busca e os estudos, mesmo em condições adversas. Considerando que as mudanças climáticas são uma realidade e que esse processo poderá interferir diretamente nas cavernas e na vida existente nesses ambientes tão específicos, é imprescindível que o conhecimento avance o suficiente para que possamos reverter, e até mesmo combater, as patologias que podem surgir diante do desequilíbrio instalado no nosso amado planeta Terra. Para tudo isso, continuamos contando com o fundamental apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG).
*Dra. Soraya de Carvalho Neves – Professora Adjunta da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geoquímica. É mestre em Geoquímica de Rochas e Minerais e doutora em Geoquímica e Dra. Maria Catarina Megumi Kasuya – Professora titular no Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV). É coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa, presidente da Comissão Permanente de Propriedade Intelectual – CPPI, (NIT da UFV) e membro do Conselho Administrativo da Funarbe, como representante da PPG. Os principais trabalhos na área de Agronomia, com ênfase em Microbiologia e Bioquímica do Solo. As principais linhas de pesquisa são as associações micorrízicas, diversidade microbiana e a produção de cogumelos.