Existe alguma empresa que faça análise das marcas de café em nosso país? Como medir a qualidade do café que estou consumindo? Comprar café em grãos e moer em casa seria uma opção para fugir de falcatruas?
Dúvida enviada por leitor do Minas Faz Ciência
Para responder às dúvidas do nosso leitor, conversamos com Marcelo Ribeiro Malta, Engenheiro Agronômo e pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, a EPAMIG.
Segundo ele, o aumento da procura pelos chamados cafés especiais, ou cafés gourmet, é indicação de uma mudança de hábitos do consumidor.
“Hoje, a gente está muito mais preocupado com a qualidade do café do que a quantidade produzida. Claro que a produtividade vai gerar lucro ao produto. Mas os consumidores estão querendo algo mais. Não basta ter um café mediano”, comenta Malta.
Coleção de cafés
Em Patrocínio (MG), cidade do cerrado mineiro, a Epamig mantém um banco ativo de germoplasma com mais de 1.500 acessos de café arábica, que são genótipos, diferentes materiais de café, que são utilizados na pesquisa e em estudos de melhoramento.
Os cafés do banco ativo de Patrocínio contam com variedades da Etiópia, da Colômbia, do Timor Leste e até mesmo de outras instituições de pesquisa do Brasil. “É uma coleção viva, porque não guardamos a semente para produzir por outras gerações”.
Com as variedades disponíveis, são desenvolvidos estudos e melhoramento genético para controle de pragas e doenças. Há também pesquisas que buscam alternativas e cultivares que não demandem aplicação intensa de agrotóxicos, por exemplo, ou melhorem a produtividade.
Com isso, o dinheiro investido em pesquisa e desenvolvimento tecnológico resulta em cafés mais saborosos e saudáveis na mesa do brasileiro, ao mesmo tempo em que aumenta a produção e os lucros do cafeicultor.
Prova de xícara: em busca da qualidade do café
Malta trabalha mais diretamente com os estudos relacionados a pós-colheita e qualidade do café e conduz atividades para identificar, dentre os cafés disponíveis no banco, aqueles de excelente qualidade sensorial.
“Com isso, unimos tudo: o café terá alta produtividade, será naturalmente resistente a pragas e doenças, além de excelente qualidade de bebida”.
A degustação conduzida por provadores de café para atestar a qualidade do produto é chamada de “prova de xícara”. Das 1500 variedades disponíveis no banco da cidade de Patrocínio, 300 cafés já foram avaliados nesse tipo de degustação e pelo menos cinco tipos que respondem muito bem e podem ser considerados de altíssima qualidade.
“É quase uma mineração, a gente tem que ir lá e lapidar até encontrar todas as características de interesse em um só tipo de café”, comenta Marcelo Malta. Esse processo de melhoramento do café pode levar décadas para chegar a uma nova cultivar, que atinja todos os níveis de excelência.
A Epamig, no entanto, já tem cultivares de alto padrão de excelência que, inclusive, estão na Vitrine Tecnológica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Ele alerta para os impactos das mudanças climáticas relacionadas ao aquecimento global na produção de café: “A temperatura está aumentando e trabalhos em uma linha de pesquisa que visa identificar cafés mais resistentes ou tolerantes à deficiência hídrica, à seca”.
O café da Epamig pode ser comprado?
Sim, a EPAMIG possui dois Empórios que comercializam produtos gourmet oriundos de tecnologias desenvolvidas pela empresa, como cafés especiais (grão e pó), azeite, vinho, suco de uva e produtos lácteos.
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Terroir do café mineiro
A Epamig mantém parceria com agricultores em unidades demonstrativas para verificar a resposta de cultivares de café em diferentes regiões do Estado, como cerrado.
“Mas o cerrado mineiro é muito grande, e a gente sabe que tem uma interação muito grande do genótipo, da planta, com o clima, o solo, o ambiente específico de uma determinada região. Então, queremos saber qual a melhor cultivar, do ponto de vista sensorial, da qualidade do café, para aquele cafeicultor naquela região específica”.
Isso é o chamado terroir, palavra francesa que se refere a essa relação entre o solo e o micro-clima particular de uma região. Para vinhos, por exemplo, um terroir garante o desenvolvimento de tipos exclusivos de uva que, consequentemente, geram bebidas únicas daquela região.
O mesmo fazemos com o café, determinada região gera um grão de café característico daquele lugar, como a MGS Paraíso 2 (vídeo).
Marcelo Malta
Em grão ou moído, como checar a qualidade do café disponível no mercado?
No Brasil, é a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) é a instituição responsável por fazer a análise de impurezas observadas no produto, para que o café torrado e moído possa ter o selo ABIC.
Tais impurezas permitidas pela ABIC são subprodutos do café, principalmente cascas, que podem estar presentes no limite máximo de 1%. No entanto, não é incomum que sejam misturados outros produtos para baratear o custo de produção, como milho torrado e moído.
Depois do café torrado e moído, é mais difícil identificar esse tipo de fraude visualmente. Assim, uma alternativa para os amantes de café que querem garantir o consumo de um produto livre de impurezas é a compra do café em grãos.
O ideal é ter em casa as máquinas de moagem, moendo o café na hora de consumir. Além de evitar possíveis fraudes, o café em grãos preserva o sabor e o aroma por período maior.
Marcelo Malta
Demanda pela qualidade do café em ascensão
O grande problema é que o preço do café gourmet, de mais qualidade, muitas vezes não está acessível para a maioria da população.
“O café do Brasil tem qualidade igual ou muito superior ao café de outros lugares do mundo. Em Minas, o café do cerrado mineiro, como falei, já tem até denominação de origem, é um café de boa qualidade, assim como o café do Sul de Minas, muito reconhecido”.
Mas o aumento dessa oferta de cafés de qualidade depende também do aumento da demanda. Marcelo Malta afirma que já há aumento de 15% do consumo de café especial ao ano. O café convencional, por sua vez, aumenta de 2% a 3% ao ano.
“Ou seja, as pessoas estão mudando sua concepção e querendo consumir um café de qualidade”, conclui Malta.
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Modelo estatístico desenvolvido na UFLA traz melhorias para a agricultura cafeeira
Cafeicultores em geral conhecem bem o termo bienalidade, um fenômeno marcante na cultura do café brasileiro que tem efeitos expressivos na produção.
O ano de safra alta é seguido por um período de baixa, o que produz um padrão com altos e baixos consecutivos e traz aos produtores grande dificuldade no momento de comparar os rendimentos de sua produção.
Pensando nisso, o doutorando da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Indalécio Cunha Vieira Júnior, desenvolveu, junto com seu co-orientador, o professor Márcio Balestre do Departamento de Estatística (DES/UFLA), um modelo estatístico capaz de analisar esse acontecimento.
O trabalho é orientado pela professora do Departamento de Ciências Biológicas (DBI/UFLA) Flávia Avelar. A docente explica que o modelo utilizado usualmente para medir a bienalidade não apresenta uma boa precisão no momento da escolha do material.
“Isso traz um atraso no processo de lançamento de novos cultivares, sementes com boa genética para o plantio, e também prejudica o lançamento de novas tecnologias para o café”, ressalta.
Inovação para cafeicultores
O modelo proposto é inovador e pretende não só trazer melhorias para a agricultura cafeeira como também auxiliar nos investimentos dos produtores. “A proposta é mudar todo processo de avaliação do café, pois a bienalidade não chega a ser homogênea em todas as plantas, o que acaba gerando um custo alto ao produtor, com retorno muito baixo”, enfatiza o professor Márcio.
Pesquisadores acreditavam que cafeeiros de determinada área teriam padrões semelhantes de produtividade. Mas estudos apontaram que plantas de café podem ter rendimentos razoavelmente estáveis ao longo dos anos, enquanto outras apresentam safras altas por dois anos consecutivos e rendimento reduzido no terceiro.
“As novas análises vão mudar a maneira como os experimentos de melhoramento de café são avaliados, permitindo apresentar variedades mais produtivas e com maior precisão aos agricultores num custo menor”, explica Indalécio.
Utilizando informações do modelo estatístico, os agricultores poderão adaptar estratégias de cultivo em plantas selecionadas, pois terão acesso a um processo bem elaborado que vai identificar certos padrões e atribuir individualmente em qual estágio fisiológico o café se encontra.
“Os resultados da simulação mostram que o modelo pode efetivamente determinar estágios bienais individuais”, complementa Indalécio.
A pesquisa está sendo desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento de Plantas em conjunto com o Programa de Pós-Graduação em Estatística e Experimentação Agropecuária. Conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da FAPEMIG.
Com informações da Assessoria de Imprensa da UFLA.