*Artigo de Leonardo Costa Ribeiro, PhD em física pela UFMG, e Eduardo da Motta e Albuquerque, PhD em economia pela UFRJ, professores do Departamento de Ciências Econômicas e do Cedeplar da UFMG.
De forma geral, um sistema complexo é formado por um grande número de componentes que interagem entre si, em grande parte, de forma muito simples. No entanto, essa interação é de tal forma que o sistema exibe diversas organizações em diferentes escalas de observação. O que leva a comportamentos distintos nas diferentes escalas (propriedades emergentes).
O sistema econômico contemporâneo — capitalismo moderno, inaugurado pela Revolução Industrial britânica, a primeira de uma série de revoluções tecnológicas que periodicamente o reconfiguram — pode ser caracterizado como complexo. Sua dinâmica apresenta características comuns a outros sistemas complexos, porém, muito especiais: como a particularidade de mudar o seu nível de complexidade ao longo do tempo. Novos componentes, estruturas e hierarquias surgem e se desenvolvem, multiplicando as interações possíveis e os diversos circuitos de retroalimentação positiva e negativa. Novas regras e novos mecanismos de operação mudam as “leis gerais” de operação. O sistema econômico contemporâneo tem demonstrado enorme flexibilidade e capacidade de se transformar.
No menor nível possível de desagregação, temos os indivíduos, que para terem suas necessidades atendidas, interagem com outros indivíduos (e outros componentes do sistema) na produção e no consumo. Além disso, alguns grupos de indivíduos se organizam, por meio de regras específicas, criando empresas. Estas, embora sejam uma agregação de indivíduos, interagem com outras empresas e indivíduos com regras diferentes das que regem as interações individuais. O que leva (neste nível de agregação) à lógica de mercado e de acumulação de capital.
Outras formas de organização ocorrem com a formação de governos, instituições e universidades. Estes, por sua vez, interagem com indivíduos, empresas e entre si, por meio de regras específicas que diferem de outros padrões de interação. O resultado (neste maior nível de agregação) são as novas instituições, tais como leis, qualificação do trabalho, treinamento profissional, finanças públicas, mercado de ações, sistemas de inovação, etc.
Essas “agregações”, por sua vez, se organizam e geram países que interagem uns com os outros e com outras “agregações” menores, regidas por regras específicas. Isso leva à lógica de comércio internacional e de sistemas globais de inovação (fluxo internacional de conhecimento). Existem também agregações intermediárias, como clusters locais, sistemas de inovação setoriais, e assim por diante. Estas diferentes organizações, em vários níveis de agregação (indivíduos, empresas, instituições, governos, países, sistemas de inovação), apresentam comportamentos distintos em cada escala, o que influencia a dinâmica do sistema como um todo. Assim, no caso do sistema econômico, sua dinâmica é determinada como a síntese de múltiplos fatores interagentes entre si e de diferentes escalas.
E ainda, sob certas condições (criticalidade auto-organizada), em que sistema econômico se encontra, essa atuação conjunta das diferentes escalas para a sua dinâmica gera um comprimento de correlação do próprio tamanho do sistema. Ou seja, todo elemento influencia os outros elementos, assim como as estruturas agregadas que surgem, e vice-versa, em todo instante de tempo. Portanto, perturbações locais e de pequena escala se propagam por todo o sistema e suas estruturas agregadas mudam globalmente sua configuração. Assim, a dinâmica global do sistema é resultante do balanço de uma longa cadeia formada de retroalimentações positivas e negativas, como resposta à alteração de estado de todos elementos do sistema e da sua interação com o meio em que está inserido. Esta é a origem da imprevisibilidade, da não-linearidade e da enorme gama de possíveis comportamentos dos sistemas complexos.
Dessa forma, no sistema econômico capitalista, surgem tendências de mudanças estruturais todo o tempo, caracterizando o que Schumpeter descreve como um processo de destruição criadora. Nesse sistema em contínua transformação, um novo vírus — o SARS-CoV-2 — detona uma perturbação profunda que se propaga através das cadeias de interação entre os elementos e estruturas agregadas por grande parte do sistema.
A covid-19 impacta a economia capitalista global de três formas gerais:
Primeiro, ao provocar uma desaceleração e uma crise de proporções similares às de 1929 e 2007-2008 — desemprego é uma das consequências mais visíveis desse momento. A transmissibilidade e morbidade da covid-19 causa mudanças em padrões de consumo e comportamento das pessoas, que impacta setores como turismo e transporte aéreo, causando retração e desemprego setorial em diferentes setores. A demanda agregada reduzida restringe o consumo, deprimindo ainda mais a economia. Essa cadeia de eventos é um mecanismo de uma crise abrangente.
Segundo, mudanças de hábitos de trabalho e consumo detonadas pela covid-19 aceleraram transformações que já vinham ocorrendo, como digitalização da economia, ampliação do comércio eletrônico, novos estímulos à automação da produção e mudanças geopolíticas — países mais preparados para lidar com pandemias e com mais facilidades na digitalização podem sair mais rápido da crise e, dessa forma, melhorar sua posição relativa no mundo.
Terceiro, por apresentar novos problemas derivados da pandemia, demandando o desenvolvimento de vacinas, terapias, fortalecimento de sistemas de atenção médica — o que estimula novos setores da economia.
Um vírus está por trás desses três choques. Esses eventos podem deflagrar novas respostas, como o New Deal, após a crise de 1929 — novas instituições e novas estruturas do sistema. Esses encadeamentos de vários eventos, de difícil previsibilidade, devem determinar mais uma metamorfose do capitalismo.