Por Luana Cruz e Luiza Lages.
O Ondas da Ciência inaugura novo formato! Depois de um período de pausa e readequação, o podcast se lança como espaço para debates mais aprofundados sobre temas cuidadosamente selecionados. Nesta primeira temporada, jornalistas do projeto se revezam para apresentar discussões sobre a parentalidade.
Em oito episódios, o público vai poder ouvir, a partir da ótica das ciências, sobre aspectos de fertilidade, gestão, parto, puerpério, amamentação e nutrição. Vai conhecer também sobre a cognição e o aprendizado de bebês, sobre autoridade parental e novas formas da parentalidade. A equipe levantará ainda uma conversa sobre parentalidade e ciência.
Novos episódios serão lançados semanalmente, aqui no site Minas Faz Ciência. O podcast está disponível ainda nos principais agregadores de podcast, como Spotify, Deezer e Google Podcasts.
Confira o primeiro episódio da temporada, sobre fertilidade:
Reprodução humana
Seres humanos possuem a reprodução sexuada, através da junção de duas células especializadas: uma do sexo masculino, o espermatozoide, e uma do sexo feminino, o óvulo. No episódio sobre fertilidade, um dos entrevistados foi o médico Fernando Marcos dos Reis, pesquisador do programa de pós-graduação em Saúde da Mulher e Medicina Molecular da UFMG. Ele também é responsável pelo Ambulatório de Endocrinologia Ginecológica e atual coordenador médico do Setor de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas.
“Para ser uma célula fertilizável e pronta para reprodução, o óvulo percorre um longo caminho. Ele deriva de uma célula mais primitiva, mais imatura, que existe no ovário da menina desde que ela é formada quando bebê, e que passa longos anos em repouso, dormente. E, depois da puberdade, na época da adolescência, começa a se desenvolver mais prontamente”, diz Reis.
O professor explica que esse processo de desenvolvimento e amadurecimento do óvulo se dá ao longo de meses e, na sua parte final, é inclusive possível enxergá-lo por meio de exames de ultrassom. “Não enxergamos a célula propriamente, mas enxergamos o que está em volta dela, que é uma estrutura do ovário chamada folículo”, conta.
Em determinado dia, o óvulo fica pronto. Ocorre então uma coordenação entre os hormônios do ovário e da hipófise para que aquela estrutura cheia de líquido, em que o óvulo está guardado, seja rompida e permita sua liberação para ser captado pela trompa e, finalmente, ter o encontro com o espermatozoide.
Gravidez e fertilidade
Em que proporções uma gravidez acontece? Segundo o professor Fernando Reis, depende de como se olha para a situação. Quando se considera o que acontece na natureza, parece bem difícil. Milhões de espermatozoides precisam ser liberados, em muitas vezes e em várias tentativas, para que ocorra uma gravidez. Muitos óvulos não são fecundados e vários embriões não se desenvolvem.
Ao mesmo tempo, um olhar para o que acontece na população, em geral, mostra outro cenário. No período de um ano, nove a cada dez mulheres que estejam tendo relações sexuais regulares, querendo engravidar, ficam grávidas. Entre os casos que não alcançam o objetivo da gestação, muitos buscam tratamentos de fertilidade.
Existem várias causas para a infertilidade. “A infertilidade não é uma doença, é um sintoma que pode estar associado a vários tipos de doenças”, diz Reis. Ele lembra ainda que, dentre os vários casais que procuram ajuda por infertilidade, em geral metade apresenta algum fator associado ao homem, o chamado fator masculino. “Seja só o fator masculino isolado, em que a mulher não tem nenhum problema, seja a ocorrência concomitante de fator masculino e outro fator feminino”, explica o pesquisador.
Reprodução assistida
“A reprodução assistida não é uma cura para infertilidade, é uma espécie de atalho para se obter a gestação e obter o nascido vivo (filho), apesar da infertilidade”, afirma Fernando Reis. Ela engloba técnicas que, de alguma maneira, podem corrigir parcial ou totalmente o principal obstáculo para ter filhos.
Se o principal obstáculo é o número reduzido de espermatozoides do homem ou se as células apresentam um movimento muito fraco ou lento, a técnica de reprodução assistida permite que o espermatozoide seja colocado diretamente dentro do óvulo por uma agulha de injeção.
No caso de obstrução nas trompas, é possível realizar a fertilização in vitro convencional. Por essa técnica, a fecundação ocorre dentro de uma placa de laboratório, contendo o óvulo e uma solução com alguns milhões de espermatozoides. O embrião formado é colocado através de uma pequena seringa dentro do útero, sem necessidade de cirurgia.
“Mas há situações de baixa complexidade, quando não se precisa fazer tanta coisa no laboratório ou a fertilização fora do corpo. Por exemplo, ajudando a mulher que ovula pouco a ovular suficientemente”, lembra o médico. Há ainda a técnica de inseminação intrauterina, em que o sêmen e lavado em laboratório, para que sejam removidas substâncias que poderiam provocar alergia na mulher. A solução formada é injetada dentro do útero.
O adiamento da parentalidade
O aumento da proporção de quem apresenta infertilidade pode estar relacionada ao momento em que as pessoas escolhem para a primeira tentativa de engravidar. Quanto mais tempo passa, quanto mais velhas ficam, maior a probabilidade delas terem dificuldades no processo.
O professor André Junqueira Caetano, do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas, explica que o primeiro adiamento está associado à idade da primeira união entre casais. “Mas o adiamento na idade da primeira união em estratos socioeconômicos de menor poder aquisitivo é menor que nos estratos de maior poder aquisitivo”, lembra.
Para o pesquisador, a demora na união nesses estratos superiores está relacionado à mudança de valores. “A carreira profissional entre mulheres passa a ser uma alternativa viável, e que compete com a formação de família. Então muitas vezes a mulher até estabelece união, mas adia o primeiro filho”, explica.
Assim, no Brasil, a reprodução assistida se tornou uma saída entre as classes de maior poder aquisitivo. O quadro, entretanto, é um pouco diferente para estratos socioeconômicos mais baixos. “Ainda assim, com a diminuição de renda, é difícil um casal não ter os dois parceiros no mercado de trabalho”, afirma Caetano.
Taxa de nascimento e planejamento familiar
A taxa de fecundidade é uma estimativa do número médio de filhos que uma mulher tem na vida, até o fim do seu período reprodutivo. E a queda desse número é uma tendência mundial. No Brasil, observa-se uma redução da taxa de fecundidade desde a década de 60. Na época, cada mulher tinha em média 6,3 filhos. Em 1991, esse número caiu para mais da metade, para 2,9. E agora, já está em 1,7. Vários fatores sociais e econômicos estão associados a essas mudanças, como o aumento da urbanização e crises econômicas.
Na década de 80, a participação da mulher no mercado de trabalho ainda cresceu muito. Isso gerou um forte impacto na redução do número de filhos nas famílias. Ter mais filhos era uma escolha que reduzia a renda familiar. Por esses motivos, é importante ter em mente que a taxa de fecundidade no Brasil começou a cair antes de se falar em planejamento familiar.
A Lei do Planejamento Familiar é uma lei federal que foi sancionada apenas em 1997. Ela falava sobre a oferta de métodos contraceptivos no setor público de saúde, pelo SUS. E, de forma geral, o planejamento familiar é um conceito usado para definir o direito dos casais de decidirem sobre quantos filhos ter e quando ter.
Quando se fala em evitar a gravidez, o enfoque é sempre na pessoa, independente de gênero ou orientação sexual. É a pessoa quem decide que não é o momento de ser pai ou mãe e toma os cuidados para evitar uma gravidez. Da mesma forma, quando alguém decide que quer ser pai, que quer ser mãe, isso pode ocorrer pelas regras sociais, jurídicas e médicas vigentes. Assim, a reprodução ou planejamento familiar pode envolver tanto homens ou mulheres, em relações hétero ou homoafetivas.
Fertilidade e saúde pública
A fertilidade é uma questão de saúde pública. Seja em relação a contracepção, para evitar a gravidez, ou com tratamentos de infertilidade para obter a gravidez, quando é o que se deseja. “Nesse sentido, tratamento de infertilidade faz parte de um processo de saúde e, em um atendimento global à saúde, como é no Brasil”, diz Fernando Reis. Entretanto, o Sistema Único de Saúde não tem incluído nos seus procedimento tratamentos de infertilidade.
Em Minas Gerais há um convênio entre o Hospital das Clínicas e a Prefeitura de Belo Horizonte, com intermediação da Central de Marcação de Consultas do Estado de Minas. O acordo permite que pessoas com infertilidade sejam encaminhadas das unidades básicas de saúde parra atendimento e, então, para o Hospital das Clínicas, onde pode ser realizado o tratamento de alta complexidade, inclusive fertilização in vitro.
O podcast Ondas da Ciência é uma produção do projeto Minas Faz Ciência, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).