Hoje é o Dia Mundial do Refugiado e muitos migrantes têm enfrentado hipervigilância, intensificação de medidas de sanitarização e casos de xenofobia por causa do fechamento de fronteiras durante a pandemia do novo coronavírus. Pensando nisso, cerca de 30 cientistas de universidades das Américas do Norte, Central e do Sul, além do Caribe, estão reunidos na construção de um portal que divulgará efeitos mais imediatos do controle de fronteiras e enrijecimento das políticas migratórias.
Os pesquisadores estão mapeando as respostas dos estados no continente e situações de alerta enfrentadas pela população migrante. Em especial, a equipe coleta dados sobre migrantes deslocados internos, deportados, detidos, solicitantes de asilo, refugiados, migrantes irregulares, sejam adultos, crianças ou adolescentes. Todas as informações são sistematizadas no site e servirão como banco de dados e memória sobre (in)mobilidades no período de isolamento social.
A equipe brasileira é composta por pesquisadores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Amapá (Unifap), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). De acordo com Gustavo Dias, do Departamento de Política e Ciências Sociais da Unimontes e Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Ambiente e Território (PPGSAT), cada grupo de cientistas, primeiramente, reuniu informações sobre o fechamento das fronteiras, refugiados, organizações civis ligadas a migrantes, questões de auxílio a esta população, além de casos de xenofobia.
“No Brasil, criou-se um processo de ordem cronológica, assim que as fronteiras foram fechadas. Acompanhamos o impacto sobre esta população nas zonas fronteiriças. Vimos como o governo federal, partidos de oposição e agentes religiosos estavam lidando com isso ou trabalhando para dar suporte. Observamos, também, processo de acolhida e acesso à saúde. É uma população de vulneráveis e minorias sociais”, constata Gustavo Dias.
Em período de quarentena, os pesquisadores não vão a campo buscar essas informações, portanto, estão fazendo as pesquisas com acompanhamento de portais de notícias nacionais, jornais locais (e hiperlocais), páginas dos governos, sites de organizações que têm políticas de suporte a migrantes, além de decretos e legislações relacionados ao fechamento de fronteiras.
Padrões nas Américas
No Brasil, os pesquisadores observaram casos de Venezuelanos que ficaram presos por aqui com medo de retornar ao país de origem e perder o processo de solicitação de refugio anteriormente solicitado. Se informaram, também, sobre a realidade de paraguaios que ficaram em terras brasileiras após o fechamento, em 24 de abril, da Ponte da Amizade.
“Quando a gente trabalha a lógica da migração, observamos que as fronteira são bastante porosas. Na Região Amazônica há uma série de estados – Amapá, Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia – com circulação história de pessoas que antecede as linhas fronteiriças. Há casos clássicos de indígenas, ribeirinhos e outras populações tradicionais que circulam pelas fronteiras”, explica o pesquisador da Unimontes.
O que a equipe do o projeto Covid-19 e (I) Mobilidade nas Américas percebeu foi uma padronização de casos no continente. Casos parecidos foram relatados no Chile, Argentina, México, Bolívia, Caribe, entre outros países. Ao sistematizar as informações no site, os cientistas concluíram que independente das políticas de cada Estado havia situações comuns para migrantes.
Quais desafios os migrantes estão enfrentando?
De acordo com Gustavo Dias, os migrantes estão submetidos a hipervigilância das fronteiras, aumento de medidas de sanitarização e até mesmo casos de xenofobia. “Ocorre uma intensificação de violência, perdas de direitos, suspensão de asilos políticos, confinamentos. Há famílias que nesse processo ficaram separadas”.
O processo acentuado de sanitarização, segundo o cientista social, faz as fronteiras retomar cenários do final do século XIX e início do XX, em que havia um processo “seletivo sanitário” definindo quem pode ou não entrar no país.
“Estamos falando de uma pandemia e não é só uma questão sanitária, é um problema social. A fronteira é excludente. As primeiras pessoas que pegaram a Covid-19 no Brasil foram os que estavam transitando internacionalmente, com maior pode aquisitivo. Agora, a gente vê a doença chegando a periferia e ao interior”, detalha Gustavo Dias.
Pesquisas
As pesquisas do projeto Covid-19 e (I) Mobilidade nas Américas são conduzidas por cientistas sociais. Gustavo Dias destaca a importância desse portal como fonte informativa e educacional, um legado científico. “O controle de uma pandemia não se dá só por médicos, é preciso ter cientistas sociais fazendo análises de como o vírus circula, como chega às populações vulneráveis e as respostas dos Estados”, afirma.
Nos próximos meses, as equipes seguirão atualizando os dados e divulgando em vários países. Os pesquisadores ainda trabalham voluntariamente, sem apoio financeiro. Em 8 julho, acontece o lançamento oficial do portal por meio do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Os pesquisadores, em breve, vão publicar vídeos de entrevistas com lideranças de organizações e conversas entre os cientistas. “O material que será estocado ali servirá como grande memória e pode ser acessado por estudantes, jornalistas, entre outros”.
Todos os cientistas envolvidos na construção do portal têm pesquisas prévias sobre movimentos migratórios. Gustavo Dias pesquisou por cerca de 7 anos os regimes de fronteira da Inglaterra e investigou, no doutorado, as questões de produção da ilegalidade e precariedade de brasileiros em Londres.
Atualmente, como pesquisador e professor da Unimontes faz questão de destacar a produção científica que vem do interior de Minas e se junta a grandes referências internacionais. “A universidade precisa ser tratada neste viés da pesquisa e não somente como espaço de sala de aula. As universidades estão dando retornos e repostas”, conclui.