Nesta segunda-feira, 30 de março, lançamos o podcast infantil Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas. Os oito episódios apresentam histórias sobre a vida de grandes nomes das Ciências, conceitos, teorias e acontecimentos científicos.
Novos episódios serão lançados semanalmente, em agregadores de podcasts e no site Minas Faz Ciência Infantil. Os contos serão acompanhados da produção de material de apoio: textos de contextualização publicados aqui, no site Minas Faz Ciência. O objetivo das postagens é explorar os temas relacionados ao conto científico, dando suporte a pais, responsáveis e professores.
O primeiro episódio da temporada apresenta o Mundo de Rafa: universo constantemente vigiado pelo Departamento de Proteção Contra Invasores e Outras Possíveis Ameaças. Com uma visão lúdica, o conto trata dos mecanismos do sistema imunológico humano ao combater uma infecção viral – e também ao se tornar imune a determinados vírus, por meio de vacinas.
Leia o conto Uma Batalha Interna e escute o podcast:
Iniciamos então, com informações sobre imunologia e vacinas, essa série de postagens que acompanha o novo podcast infantil do Projeto Minas Faz Ciência.
Sistema imunológico
Estamos constantemente expostos a vírus, bactérias e diversos outros agentes causadores de doenças. O sistema imunológico é a nossa linha de defesa: órgãos, tecidos e células que impedem a entrada de agentes infecciosos no corpo. E, quando o organismo invadido, são essas as estruturas que combatem e eliminam os microscópicos seres.
No combate a infecções, existem dois principais grupos de células imunes: as delatoras, que veem e relatam a chegada de um invasor; e as efetoras, que respondem e lutam contra os patógenos.
Macrófagos – a invasão e o papel do Senhor M.
Dentro do grupo de células delatoras, apresentadoras de antígenos, uma de grande importância é o macrófago – no podcast, é apresentado como o personagem Senhor M. Por meio de processos de fagocitose ou endocitose, a célula adquire o vírus (ou outros seres invasores).
“Ele processa, despedaça esse vírus em diversos fragmentos. Esses fragmentos vão ser anexados a uma molécula apresentadora. E a molécula é exposta na superfície do macrófago”, explica Jordana Grazziela Alves Coelho dos Reis, professora do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela compara a molécula apresentadora a uma bandeira, que mostra pedaços do vírus a outras células, indicando quais são as características que devem ser buscadas para eliminar o invasor.
Os macrófagos não são as únicas células apresentadoras do organismo. “Temos também células dendríticas e os linfócitos B. Em doenças, várias células que não são apresentadoras podem atuar dessa forma. Na verdade, qualquer célula do nosso corpo, tirando os neurônios e as hemácias, podem funcionar como células apresentadoras”, afirma a pesquisadora do Laboratório de Virologia Básica e Aplicada.
Linfócitos T e B – Linfotito e Linfobito vão ao ataque
Das células efetoras, o grupo que efetivamente responde à infecção é dos linfócitos. Primeiro, atuam os linfócitos NK – do inglês, Natural Killer Cells, ou células matadoras naturais. São consideradas imunidade inata: elas reconhecem antígenos, principalmente células infectadas, e tem ação citotóxica, ou seja, tem uma toxicidade para essas células doentes.
Quando a imunidade inata, nossa primeira linha de defesa, falha, são ativados os linfócitos T e B. Macrófagos ou outras células apresentadoras levam antígenos para os linfócitos T. Esses, por sua vez, se dividem em dois grupos: os linfócitos T CD4, auxiliares, que ativam e auxiliam os linfócitos B na produção de anticorpos; e os linfócitos T CD8, citotóxicos, que atuam diretamente na eliminação de agentes infecciosos.
Os anticorpos produzidos pelos linfócitos B são glicoproteínas responsáveis por identificar, no plasma sanguíneo, os antígenos. Esse reconhecimento deixa o antígeno marcado para ser atacado por outros componentes do sistema imunológico.
Memória imunológica – um plano de defesa
“Quando os linfócitos T e B se proliferam e se espalham para atacar o invasor, essas células são únicas. São programadas para responder especificamente àquele antígeno. Não servem para qualquer vírus”, explica Jordana Reis.
Quando acaba o processo de infecção, esses clones de linfócitos podem entrar em apoptose (morte programada da célula) ou permanecer como células de memória residentes. Não ficam na corrente sanguínea: migram e ficam dormentes em alguns tecidos como linfonodos e a medula óssea, chamados de sítios de reserva. Passam a habitar também os locais onde ocorre a infecção. Por exemplo, para a o caso da gripe, o pulmão.
“E podem permanecer no corpo do indivíduo por toda a vida. Vamos supor que um indivíduo teve uma infecção quando tinha 10 anos de idade, por influenza. Se o vírus aparecer novamente no organismo, aos 40 anos de idade, esses clones serão estimulados e proliferarão novamente. É isso que garante a nossa memória imunológica”, diz a pesquisadora.
Vacinas
Existem diversos tipos de vacinas e de mecanismos de ação para vacinas, mas todos com o mesmo princípio: apresentar um antígeno e estimular a resposta dos linfócitos T e B. Originam assim a produção e a presença de células de memória no organismo, que respondem prontamente a uma infecção real.
“Sarampo é uma doença que acreditávamos que estava praticamente erradicada. Nós temos vacinas, temos recursos, e o sarampo retornou. Isso aconteceu porque as pessoas começaram a acreditar que vacinas fazem mal. As vacinas são uma das grandes invenções da Ciência. Para uma vacina chegar ao mercado, muitos estudos e testes são feitos, garantindo a sua segurança”, afirma Reis.
Mecanismos virais – invasão de um vírus fracote
Algumas vacinas funcionam por mecanismos virais, como a vacina contra a febre amarela, com vírus atenuado. “Nesse caso, um vírus que infectava um humano foi passado muitas e muitas vezes por ovos embrionados. Isso faz com o que o vírus seja enfraquecido e perca a capacidade de infectar novamente um organismo humano. Por isso é uma vacina muito segura”, conta a pesquisadora.
E como a vacina atua? Ela estimula uma infecção. Assim como em uma infecção real, células apresentadoras de antígenos entram em contato com o invasor: macrófagos fagocitam fragmentos de células mortas, repletas de vírus. Esses fragmentos fagocitados são apresentados ao linfócito T que, por sua vez, induz a produção de anticorpos pelos linfócitos B. “Vamos então montar um arsenal de linfócitos T e B que respondem contra a febre amarela por longos períodos de tempo”, diz Reis.
A professora da UFMG explica ainda que novas exposições aos antígenos funcionam como lembretes dessa invasão, e induzem a proliferação de mais células de memória, que torna-se cada vez mais fortes e eficientes. Por isso algumas vacinas são aplicadas em mais de uma dose. “Você tem que lembrar ao sistema imune: nós precisamos funcionar, crescer, ficar fortes, reforçar as barreiras”, completa.
Ela lembra que são raros os registros de danos a indivíduos saudáveis que tomaram a vacina contra a febre amarela, da qual o Brasil é um dos maiores produtores em todo o mundo. Não podem ser vacinadas pessoas imunocomprometidas, como pacientes com HIV positivo, transplantados ou em tratamento de câncer, ou com alergia a ovo (já que o processo de produção inclui a passagem dos vírus por ovos).
Mecanismos não virais
Mas existem outros tipos de vacinas, com mecanismos não virais. Uma delas é a glicoconjugada, constituída por moléculas complexas. Por exemplo, a vacina antitetânica, feita da toxina inativada produzida pela bactéria causadora do tétano.
Outro mecanismo são as VLPs (Virus Like Particles), feitas por partículas semelhantes a vírus. As vacinas são produzidas com proteínas do vírus, mas sem o DNA. “Como se fosse uma casquinha, o envelope dele, com alguma proteína do vírus. Por exemplo, está em desenvolvimento uma vacina contra o novo coronavírus: uma casquinha, que pode ser feita a partir de outros vírus, com uma proteína do SARS-CoV-2. Estão utilizando a proteína chamada spike, que se assemelha a um espeto e que fica na superfície do vírus”, conta Jordana Reis. As VLPs não geram viremias, como a vacina da febre amarela, por isso são ainda mais seguras.
Existem ainda vacinas de DNA, que inserem no organismo o DNA que codifica a proteína do vírus, estimulando o sistema imune a gerar uma resposta ao antígeno. E vacinas ainda mais atuais, de RNA, que induzem as células do nosso organismo a produzirem a proteína do vírus – e essa, por sua vez, é apresentada aos linfócitos T e B. São mecanismos em que não há nem mesmo uma invasão.