Andar descalço ajuda no desenvolvimento motor das crianças, mas hoje em dia é difícil ver a meninada explorando diferentes espaços sem usar sapatos. Pensando nisso, a pesquisadora e designer Ana Paula Lage desenvolveu o Noeh, um calçado que simula o comportamento dos pés andando descalço em um terreno natural. O produto foi testado em parceria com fisioterapeutas da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Quando soube que seria tia, Ana Paula Lage resolveu se envolver no universo dos calçados infantis com a intenção de fabricar um sapatinho. No entanto, descobriu que o esse setor ainda precisa se aprimorar, pois não há atenção suficiente à qualidade dos produtos que garanta progresso motor das crianças, inclusive, desenvolvimento dos pés.
“Ao receber a notícia pensei em fazer algo para o bebê, pois queria devolver a alegria que tive em ser tia. Estava fazendo o segundo mestrado e desenvolvendo biomateriais para calçados”, conta Ana Paula Lage. Ela é bacharel em Moda pela Fumec, mestre em Design de Calçados pela Universidade de Barcelona, mestre em Design, Inovação e Sustentabilidade pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), onde também fez doutorado com foco tecnologias, materiais e ergonomia.
Missão: sapato infantil
A missão de Ana Paula Lage era apenas fazer um sapatinho, em seu ateliê, para o bebê que iria nascer. Mas surgiram questionamentos relacionados com a forma dos calçados infantis, padrão de numeração, regulamentação.
“Fui entender a formação do pezinho. Vi o quanto o pé das crianças é diferente do adulto e a importância do desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Tudo isso é negligenciado quando a criança começa a andar, o que pode resultar em problemas para vida toda”, explica.
Nas pesquisas que realizou viu que mais de 70% das crianças chegam aos 7 anos – idade em que a estrutura óssea finaliza – com problemas nos pés. Apenas 2% nascem com dificuldades, ou seja, a maioria dos incômodos surge no desenvolvimento. “Um dos principais motivos é o uso de calçados miniaturas de produtos adultos que não respeitam a morfologia da criança”, afirma.
A superfície onde pisamos também interfere na formação do pé. “Na areia e grama usamos toda a estrutura dos pés ao dar os passos”, diz Ana Paula Lage. Por isso, é interessante que na fase de desenvolvimento as crianças tenham contato com essas superfícies para estimular a musculatura.
“As crianças urbanas só andam no chão duro e não usam toda musculatura. Estão crescendo com musculatura fraca e imatura por falta de estímulo. Há ainda a interferência de calçados mal feitos”. Segundo Ana Paula Lage, estudos mostram que crianças africanas têm os pés mais desenvolvidos que as americanas por causa das superfícies que pisam. Ela lembra também dos atletas africanos que são excelentes corredores porque tem o pé com melhor funcionalidade. “A gente esquece que o pé é nossa base”, completa.
Pisar natural
A design foi em busca de um material que tivesse comportamento parecido com o “pisar natural”. Ela buscou também compreender o formato dos pezinhos de bebês entre 0 e 24 meses para construir suas formas. Consultou pediatras e ortopedistas pediátricos para saber o que é mais indicado para calçados infantis.
O produto foi testado por uma equipe da EEFFTO. Os trabalhos foram realizados no Laboratório de Análise do Movimento, com análise de marcha e eletromiografia muscular de 21 bebês, de 11 a 17 meses de idade, no início da aquisição da marcha. As crianças foram avaliadas usando o sapatinho de costume, que trouxeram de casa, e depois, calçadas com o Noeh.
Verificou-se que o Noeh não altera o padrão da caminhada da criança, além de ser o calçado que mais estimula a formação do arco plantar quando comparado aos outros sapatos.
“A criança calçada com o Noeh tem o mesmo padrão de marcha. Com outros sapatos, muda o jeito de andar porque precisa se adaptar. A criança não tem domínio do corpo. Ela perde equilíbrio e atrasa aquisição de experiência a cada sapato que precisa se adaptar”, conclui Ana Paula Lage.
O teste do Noeh foi a primeira parceria público-privada com a EEFFTO para prestação de serviço. É um exemplo de pesquisa colocada em prática, com o produto em circulação no mercado.