Quase 25% de todos os mamíferos conhecidos são morcegos e
há uma fauna rica constituída por esses animais na região intertropical. Entre os mamíferos, é animal com a dieta mais variada. Morcegos podem se alimentar de frutos, sementes, folhas, néctar, pequenos animais e, em poucos casos, de sangue.
“Os morcegos possuem muitos papeis ecológicos, estão entre os mamíferos mais diversos e com comportamentos mais diversos. Ao se alimentarem de frutas, morcegos podem fazer a dispersão das sementes. Outros se alimentam de néctar, e esse contato com as flores leva à polinização de espécies de plantas”, diz Rafael Pinheiro, pesquisador que concluiu o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre, da UFMG.
Ao lado de outros 9 pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, Pinheiro participou de uma força-tarefa científica para identificar e estudar interações entre morcegos e plantas. Ele trabalhou no desenvolvimento de novos métodos para entender a estrutura de cada camada das redes no trabalho. O estudo Compreendendo as regras de montagem de uma rede multicamadas continental foi publicado na Nature Ecology & Evolution. A força tarefa foi liderada por dois professores da Universidade de São Paulo (USP).
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Redes de interações
“As relações entre morcegos e plantas são muito importantes, tanto pros morcegos quanto pras plantas. Não adianta a gente estudar as especies separadamente, precisamos entender que as espécies, quando estão na natureza, interagem e dependem umas das outras”, afirma Rafael Pinheiro.
Morcegos dependem das espécies de plantas para alimentação e abrigo. Por sua vez, muitas plantas dependem dos morcegos para dispersão das suas sementes ou para a polinização. “Quando vai até a flor da planta, comer o néctar, o morcego acaba entrando em contato com o pólen e o transmite para outra planta, garantindo a reprodução daquela espécie”, explica o biólogo.
A rede de pesquisadores construiu e analisou uma grande base com dados sobre 73 espécies de morcegos e mais de 400 espécies de plantas, que se encontram espalhadas por todas as regiões tropicais das Américas do Sul e Central.
Primeiro, especialistas no estudo de morcegos contribuíram com os próprios bancos de dados ou os construíram junto de colaboradores. Depois veio o trabalho de entender os processos ecológicos e evolutivos que moldam essa rede de interações. “Eu mesmo não sou estudioso dos morcegos, meu foco de estudo são as interações ecológicas. Fui convidado junto de outras pessoas que também estudam interações ecológicas para tentar, juntos, entender um pouco melhor o que estava acontecendo ali”, conta Pinheiro.
O grupo utilizou ferramentas matemáticas para análises de redes. Ao mesmo tempo, pesquisadores especialistas em estudo dos morcegos validavam as informações encontradas. “Nossos testes eram matemáticos, mas nosso objetivo de estudo é biológico. As nossas perguntas precisam estar conectadas com o que se espera desses grupos biológicos”, relata o biólogo.
Resultados
Os resultados mostram como morcegos e plantas dependem uns dos outros. É grande o conjunto de interações encontradas. E elas dependem da história evolutiva dos morcegos e suas características morfológicas. Ao mesmo tempo, mesmo que um morcego seja capaz de se alimentar de uma planta, os dois precisam existir no mesmo lugar. O formato da rede encontrada mostra o equilíbrio entre os dois processos. Primeiro, só havia a interação quando era possível, morfologicamente, e segundo, a planta e o morcego tinham que ocorrer no mesmo lugar.
“Esse trabalho avança um pouco mais no que a gente já tem feito em termos de ecologia. Primeiro, porque sabemos que as espécies não vivem isoladas no ecossistema. No ambiente real, elas interagem entre si. Então quando a gente fala de conservação, um novo passo importante é que não basta conservar as espécies, precisamos conservar o sistema de interações como um todo”, reflete Rafael Pinheiro.