No próximo dia 10 de dezembro, a gaúcha Juliana Davoglio Estradioto, 19, acompanhará, de perto, a entrega do Prêmio Nobel, na Suécia. Além de conhecer os laureados, terá a oportunidade de apresentar suas próprias pesquisas, durante um seminário internacional de jovens cientistas em Estocolmo (SIYSS), realizado desde 1976. É o quinto ano que o Brasil envia representantes, mas ela é a primeira menina. Juliana será uma das dez personagens retratadas no segundo volume do e-book Mulher faz Ciência.
Em breve, o nome de Juliana estará, mais uma vez, junto a outras personalidades das ciências. Desta vez, no espaço. Ela poderá batizar um asteroide, a exemplo da primeira mulher premiada pela academia sueca, em 1903. A física polonesa Marie Curie também foi a primeira cientista do sexo feminino que a jovem descobriu, quando já estava no ensino médio. “Eu só escutava sobre homens fazendo pesquisa: Einsten, Galileu Galilei, Louis Pasteur”, lembra.
A estudante sequer imaginava que ela própria viria a se tornar uma cientista, antes mesmo de entrar na faculdade. O direito de dar o nome a um astro foi uma das recompensas por ter conquistado o primeiro lugar na categoria ciências materiais da Intel Isef 2018, maior feira internacional de ciência e engenharia para estudantes secundaristas. No mesmo ano, Juliana ficou em primeiro lugar no Prêmio Jovem Cientista, promovido, no Brasil, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em 2019, foi indicada ao Prêmio Cláudia, como uma das finalistas na categoria Inovação Ciências. O resultado será divulgado em novembro. Ela também criou uma página no Instagram para incentivar outras meninas a seguirem a carreira científica.
De Osório para o mundo
Na cerimônia de premiação da Intel Isef, Juliana foi surpreendida. “Eles chamam primeiro o nome da tua cidade, o teu país e o teu nome. Como falaram Osório, eu pensei: será que existe outro Osório e esta pessoa está participando na mesma categoria que eu? Porque não parecia ser possível”, revela.
O município ao qual ela se refere fica no litoral norte do Rio Grande do Sul e tem 45 mil habitantes. É lá que está instalado, desde 2010, o campus do IFRS, onde a estudante concluiu, recentemente, o curso técnico em administração integrado ao ensino médio. A escolha foi por eliminação – a outra opção era informática. “Já tive uma ideia muito preconceituosa, a respeito de mim mesma e do curso, de que eu não seria capaz de fazer informática e de que era ‘coisa pra menino’”, lamenta. Ela nem cogitaria participar, mais tarde, como facilitadora de um workshop de computação e robótica para meninas do ensino fundamental, atividade da Semana de Inovação Suécia-Brasil, realizada no último mês de setembro.
Do maracujá à macadâmia
Na zona rural de Osório, onde sua mãe trabalha como professora de português, Juliana desenvolveu um projeto voltado para pequenos agricultores, em que atuava como voluntária. “Quando fazia as visitas, percebi o quanto eles geravam de lixo depois do processamento dos frutos e aquilo me incomodou muito”, conta. Ela propôs, então, o uso da casca do maracujá para produzir filme plástico biodegradável. O novo produto passou a ser usado em substituição às embalagens plásticas usadas para envolver as mudas no plantio.
A jovem usou a semente do maracujá para remover corantes de efluentes da indústria têxtil, através de um processo chamado de adsorção. “A semente suga as moléculas do corante para dentro dela, só que não incha. O corante fica dentro dos buraquinhos que existem no material. Isso faz com que ele saia da água”, explica. O percentual de remoção das tintas chegou a 99%, com a coleta diretamente na indústria. Os trabalhos foram orientados pela professora Flávia Santos Twardowski Pinto.
Em parceria com o Instituto Federal do Espírito Santo, Juliana também propôs uma alternativa para aproveitar os resíduos do processamento da macadâmia. Depois de transformar a casca da noz em farinha, ela criou um meio de cultivo biológico para a formação de uma membrana, que pode ser usada como matéria-prima biodegradável para a fabricação de curativos ou de embalagens para a coleta de fezes de animais, por exemplo, como alternativa ao plástico. Quanto à possibilidade de implantação das tecnologias em larga escala, a cientista afirma que precisa fazer testes em laboratórios com melhor infraestrutura. “Eu comecei fazendo pesquisa num laboratório de panificação, tudo sempre foi muito improvisado”, diz. Ainda assim, ela conseguiu despertar sua vocação. “Não consigo imaginar um futuro em que eu não seja uma pesquisadora”, prevê. O próximo passo é fazer a faculdade de engenharia química.
Mulher faz ciência
O primeiro volume do e-book Mulher faz Ciência foi lançado em fevereiro de 2019, para marcar o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado em 11 de fevereiro. A ideia é dar visibilidade a pesquisadoras que se destacam em suas áreas e incentivar o ingresso de estudantes na carreira científica. A publicação reuniu dez pesquisadoras de diferentes perfis e áreas de atuação: a historiadora indígena Aline Pachamama; a bióloga Fernanda Staniscuaski; a cientista da computação Ingrid Splangler; a física Márcia Barbosa; a técnica em Meio Ambiente Myllena Crystina da Silva; a bióloga Natália Oliveira; a arquiteta e urbanista Priscila Gama; a farmacêutica Rafaela Salgado; a astrônoma e vulcanóloga Rosaly Lopes e física Sônia Guimarães.