“Quando era criança tinha muitas curiosidades: como uma TV liga? Por que o céu é azul? Por que ao olhar para o aquário a gente vemos a imagem deslocada? Naquela época era difícil pesquisar as respostas porque não tinha internet. Tentava encontrar em livros ou pedia para alguém explicar.”
Esse é o relato inspirador do físico Bruno Ricardo de Carvalho. As curiosidades de ontem se tornaram perguntas propulsoras para o cientista, que desenvolve pesquisas na área de óptica. Ele é autor da tese “Raman spectroscopy in MoS2-type transition-metal dichalcogenides”, defendida em 2017 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e vencedora do Prêmio Capes de Tese 2018 na área de Física.
O foco principal do estudo foi entender a física fundamental – comportamento eletrônico e vibracional – de materiais bidimensionais. Ele escolheu trabalhar com o dissulfeto de molibdênio (MoS2), um composto sólido que ocorre na natureza na forma do mineral molibdenita. Tem aparência semelhante ao grafite e pode ser encontrado em catalisadores de hidrotratamento, catodos para baterias de lítio, lubrificantes sólidos, entre outros.
“Esse material é interessante porque apresenta comportamentos diferentes quando na forma de cristal e quando tem apenas uma camada atômica. Ele é um semicondutor e para fazer uso das aplicações é preciso entender a física fundamental”, explica Bruno Carvalho.
Entendendo a técnica
A técnica usada nos estudos do MoS2 foi a espectroscopia Raman ressonante, que consiste em iluminar uma amostra do material com um feixe de laser. “A gente varia a linha de laser – verde, vermelha e outras. Depois coleta o espectro Raman e percebe que o resultado muda totalmente com diferentes comprimentos de onda”, detalha.
As diferenças entre a luz absorvida e a reemitida pelo MoS2 trazem informações sobre a energia e o movimento de átomos e elétrons. “No laboratório da UFMG a gente consegue mudar de forma bem simples a cor do laser, o que significa varrer a estrutura eletrônica do material. Esse é um dos poucos laboratórios do mundo que têm esta tecnologia. São mais de 80 linhas de laser. Esta técnica permite explorar informações da física fundamental em nanoestruturas bidimensionais. Este foi um dos fatores que me fez fazer o doutorado na UFMG”, conta o pesquisador.
Assista ao vídeo em que o orientador de Bruno Carvalho, professor Marcos Pimenta, mostra os equipamentos na UFMG. As imagens são da Sociedade Brasileira de Física:
Legado
De acordo com Bruno Carvalho, uma das maiores contribuições deixadas pela tese é o estudo do comportamento físico – compreender a interação elétron-fônon do MoS2. A pesquisa permitiu entender como se acopla o elétron com o modo vibracional. Esse relato da parte experimental foi publicado em artigo científico em uma renomada revista da área de Física, em 2015, com a contribuição teórica de outros pesquisadores, inclusive de fora do Brasil.
Outro legado é a construção de um modelo de dupla ressonância que propôs explicar como uma banda de espectro Raman, conhecida como 2LA no MoS2, pode surgir por um processo de espalhamento entre vales. “Fomos o primeiro grupo a explicar este tópico que estava em aberto na comunidade científica há 30 anos”, afirma o cientista. O modelo pode ajudar também a conhecer a física fundamental de outros sistemas bidimensionais, o que contribui para pensar as aplicabilidades.
Sobre os motivos para a premiação da Capes, Bruno Carvalho acredita em mais de um fator. “O trabalho em si – que tínhamos um problema em aberto e propusemos um modelo para explicar, e também a estrutura da tese”.
[infobox title=’Uma pergunta para o pesquisador….’] MFC: O que é ser cientista na área de Física?
Bruno Carvalho: ter a mente aberta para qualquer tipo de pergunta. Saber que nem sempre é possível ter uma explicação lógica para o funcionamento de algumas coisas. Sou físico experimental e sempre me pergunto: por que estou vendo isso? Por que é assim? Isso acaba levando a outras perguntas[/infobox]
Sobre o pesquisador
Bruno Carvalho tem graduação e mestrado em Física pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). É natural de Cuiabá, mas afirma que já tem um “jeitim” mineiro, pois sua família é mineira. No mestrado, pesquisou o mundo dos materiais bidimensionais. Sempre teve interesse pela óptica e quando tomou conhecimento das pesquisas da UFMG na área, vislumbrou o doutorado. Em uma visita à universidade, conheceu o professor Marcos Pimenta, que acabou se tornando o orientador.
Teve uma experiência no exterior durante o doutoramento, realizando pesquisa na Universidade Estadual da Pensilvânia. Ele avalia o período como muito produtivo, pois conheceu outras pesquisas, gerou publicações de alto impacto e construiu uma rede de colaborações científicas que mantêm até hoje.
Atualmente é professor e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde anseia ampliar a área de óptica. A experiência como educador tem dado novos sentidos à vivência como pesquisador.
“Quando você está focado fazendo pesquisa, não vê o lado do ensino. Quando tive que pisar na sala de aula, me perguntei: que tipo de professor eu quero ser? Felizmente consegui me achar. Gosto de lecionar e ensinar o que aprendi”, conclui.