Uma medida simples pode evitar lesões na pele de mulheres com câncer de mama submetidas à radioterapia – radiação ionizante que combate células cancerígenas, empregada no tratamento de 60% das pacientes. Pesquisadoras da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, propõem a realização das sessões no horário da manhã, para diminuir a incidência de vermelhidão, descamação e úlceras chamadas de radiodermatites, que provocam desconforto e dor no local irradiado e, conforme a gravidade, até mesmo a interrupção do tratamento.
A observação de cem mulheres em tratamento no Hospital das Clínicas da UFU, no período de 2016 a 2017, revelou que a realização das sessões de radioterapia no período da tarde era um dos fatores de risco para a ocorrência de radiodermatites severas. A explicação é a influência do ritmo circadiano – o relógio biológico que regula o metabolismo das células do corpo humano.
O maior tamanho da mama (que implica numa maior área irradiada) e a pele escura foram outras características observadas nas pacientes com lesões cutâneas mais graves. Nas mulheres negras e pardas, a hipótese é que as radiodermatites estejam associadas ao efeito da radiação no melanócito, célula produtora da melanina, que dá coloração da pele.
A alteração no horário das sessões poderia garantir continuidade da radioterapia, com a redução dos danos à pele, analisa a enfermeira Marceila de Andrade Fuzissaki, autora da pesquisa.
“Essa simples ação levaria a uma possível redução na ocorrência desse evento adverso, com melhoria na qualidade de vida. Além disso, permitiria a realização de um tratamento mais efetivo, pois não seria necessário interrompê-lo em função da presença de radiodermatites severas e não haveria prejuízos na resposta e no controle tumoral”.
A sugestão é que a mudança no protocolo de atendimento das pacientes do grupo de risco seja analisada com o envolvimento dos profissionais de saúde. “É importante a avaliação das alterações na prática clínica, com o objetivo de verificar o impacto na ocorrência desse evento, bem como nos recursos financeiros gastos em saúde”, pondera Yara Cristina de Paiva Maia, professora da Faculdade de Medicina da UFU que orientou o trabalho. A tese de doutorado foi coorientada pela oncologista Paula Philbert Lajolo Canto e defendida em junho deste ano junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde.
Proteção para o coração
Ao acompanhar pacientes em terapia oncológica, a cardiologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo percebeu a recorrência de mulheres sem histórico de doenças do coração que desenvolviam insuficiência cardíaca durante ou após o tratamento do câncer. “Algumas pacientes podem ter que parar a quimioterapia. Então, são dois problemas sérios: o tratamento interrompido e uma doença do coração, que pode até ser grave”, alerta. Os índices de pacientes com este quadro variam de 3% a 5%.
Em busca de soluções preventivas, Ariane observou que um medicamento desenvolvido para proteger o coração dos efeitos tóxicos da antraciclina (substância quimioterápica) não costumava ser prescrito nesses casos. Trata-se do dexrazoxano, que começou a ser estudado ainda na década de 1990 – o auge das pesquisas foi no início dos anos 2000. “Hoje, no Brasil, essa medicação é usada para pacientes que já trataram o câncer de mama e vão precisar usar a antraciclina de novo, em razão da recorrência da doença”, explica Ariane. Ou seja, a prescrição ocorre somente quando a pessoa é submetida a altas doses do quimioterápico.
Segundo a médica, as revisões da literatura especializada sobre drogas cardioprotetoras associadas ao tratamento com as antraciclinas já demonstravam a eficácia do desrazoxano, mas envolviam grupos heterogêneos, que reuniam adultos e crianças, com diferentes tipos de tumores e submetidos a doses variáveis do quimioterápico.
“Nós optamos por fazer uma revisão bibliográfica que tivesse aplicabilidade exclusivamente para pacientes com câncer de mama, para trazer a evidência em relação ao benefício da medicação num grupo específico”.
Eficácia
O estudo demonstrou que o uso do dexrazoxano pode reduzir em 80% o risco de insuficiência cardíaca e em até 70% as chances de outros eventos cardíacos. Além disso, a taxa de resposta oncológica, ou seja, a redução do tumor durante o tratamento, não foi prejudicada.
O trabalho foi apresentado como dissertação de mestrado, defendida em maio de 2018, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob orientação do professor Antônio Luiz Pinho Ribeiro.