Tente remontar sua trajetória de vida pensando em momentos importantes, pontos de virada, falhas e acertos. Cada um constrói uma história pautada no que o mundo espera de nós, nas expectativas pessoais sobre a missão a cumprir, além das influências que sofremos das redes sociais às quais estamos ligados.
Cientistas do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estão dedicados a reconstruir a trajetória de jovens que enveredam pela vida do crime. De acordo o orientador da pesquisa, Bráulio Figueiredo, e o mestrando Lucas Caetano, a ideia é compreender os fatores que impactam o curso de vida de adolescentes em conflito com a lei.
No Brasil, aproximadamente 60 mil pessoas morrem vítimas homicídios por ano e boa parte é de jovens entre 15 e 24 anos. Há uma ligação direta entre essas mortes e o envolvimento com o mundo do crime. Mas, afinal, por que algumas pessoas assumem determinadas trajetórias na vida?
PESQUISA
Em 2016, pesquisadores do Crisp visitaram o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (Cia-BH), no Centro da capital, para entender a trajetória de jovens que dão entrada no sistema prisional.
Acessaram anotações feitas por assistentes sociais na entrada dos adolescentes, os Planos Individual de Atendimento (PIAs). De acordo com Caetano e Figueiredo, neste momento não houve acesso aos adolescentes, mas, futuramente, os cientistas pretendem encontrar os jovens para aprofundar o estudo de curso de vida.
O PIA é um instrumento que modela a recepção a esses jovens. Nesse documento, é recontada a história do adolescente registrando dados como sexo, família, trajetória de uso de drogas, local onde reside, entre outros.
A partir das informações coletadas, os pesquisadores pretendiam responder a questionamentos como: quem assume trajetória criminal? Quando iniciam? Qual ato infracional cometem? Quantas vezes? Por quanto tempo ficam na vida criminal?
Foram analisados 373 PIAs considerando contextos histórico e geográfico. Ao reunir os dados, os cientistas levam em conta o capital social de cada adolescente e fatores para a construção de possível “capital criminal”. Há pontos de entrada, persistência e desistência na vida criminal
O estudo poder ajudar a remontar a história desses adolescentes, além de sinalizar perspectiva para sugerir cursos de vida dos jovens. Com a pesquisa, é possível reconstruir aspectos comuns entre esses pesquisados. Foi percebido que os adolescentes são em maioria meninos, de famílias com baixa escolaridade, pai ausente, pardos, pouco renda per capita familiar e com defasagem escolar.
88,5% homens
Apenas 29% dos jovens têm informações sobre o pai
52,5% moram com a mãe
59% são pardos e 20,7% pretos
Experiência profissional: 30,1% já trabalhou
Saúde: 59% já consumiu drogas ilícitas e 42,9% já consumiu drogas lícitas
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[tab title=”Escolaridade da família:” icon=”entypo-book”]
51.2% das mães e 53.8% dos pais têm apenas ensino fundamental completo
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[tab title=”Situação socioeconômica:” icon=”entypo-book”]
38,1% dos adolescentes vive em famílias com renda per capta da família entre 239 e 477
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[tab title=”Vida escolar:” icon=”entypo-book”]
77% têm defasagem escolar
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[tab title=”Ato infracional:” icon=”entypo-book”]
38,7% cometeram roubo, 25,1% tráfico de drogas e 10,9% furto
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[tab title=”Medidas socioeducativas:” icon=”entypo-book”]
62,3% foram sentenciados a prestação de serviços e advertência
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[tab title=”Reincidência no ato infracional:” icon=”entypo-book”]
60,3% não voltam a entrar em conflito com a lei, 39,7% sim
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MARCO TEÓRICO
Os cientistas do Crisp partiram de estudos sobre curso de vida, principalmente de John H. Laub e Robert J. Sampson. Esses sociólogos estruturam uma pesquisa sobre a trajetória de 500 jovens americanos, construindo um estudo de grande referência do ponto de vista longitudinal.
Entre as décadas de 1940 e 1950, o casal americano Sheldon e Eleanor Glueck quis entender o curso de vida de adolescentes que se envolviam com o mundo do crime. Partiram da ideia de que todos nascem e se desenvolvem, mas cada um traça um caminho distinto, sendo que há determinantes para explicar essa rota individual.
O casal estudou mil adolescentes, entre 14 e 17 anos, sendo 500 deles sem entrada no sistema de justiça americano e a outra metade com registro no sistema. Sheldon e Eleanor acompanharam os jovens por 20 anos e levantaram hipóteses sobre as distintas trajetórias. Os pesquisados tinham origem comum – como bairro e condição socioeconômica – mas, em algum momento, outros fatores favoreciam a entrada no universo do crime.
O casal morreu, mas os arquivos de pesquisa ficaram guardados na Universidade de Havard, sendo recuperados na década de 1990 por Laub e Sampson. Os cientistas revisitaram os documentos e foram em busca dos mil jovens que participaram do estudo inicial.
Encontraram 52 dos pesquisados, já com idade perto de 70 anos. Assim, os entrevistaram para entender eventos cumulativos e pontos de virada que determinaram o curso de vida. Para o caso dos jovens americanos, havia três aspectos influenciadores: ingresso no serviço militar, casamento e trabalho.
Laub e Sampson são autores do livro Shared Beginnings, Divergent Lives, usado pelos pesquisadores do Crisp como referência. “Na criminologia temos diversas correntes de estudo. Não há apenas uma via de tentativa de compreensão dos fenômenos do crime. Esta abordagem do curso de vida tem ganhado grande relevância, sobretudo, nos estudos internacionais. É recente no Brasil, principalmente na área de segurança pública”, explica Bráulio Figueiredo, orientador da pesquisa no Crisp.
“É uma teoria multidisciplinar que procura conectar os significados sociais da idade, transmissão intergeracional, história e estrutura social. Engloba o agente, a estrutura econômica e política, além dos efeitos das transformações temporais”. Lucas Caetano, mestrando em Sociologia na UFMG.