Enquanto um homem na faixa dos 30 anos no Brasil faz em média uma hora de trabalho doméstico não remunerado por dia, esse número sobe para quatro horas entre mulheres adultas brasileiras. E se a todo esse tempo gasto em casa fosse atribuído valor econômico, ele corresponderia a 11% do PIB nacional. Os números são resultado da pesquisa de doutorado da demógrafa Jordana Cristina de Jesus. Ela é autora da tese Trabalho doméstico não remunerado no Brasil: uma análise de produção, consumo e transferência, defendida na UFMG.
O objetivo da tese era responder quanto tempo as pessoas dedicam e quanto vale o trabalho doméstico não remunerado. Para atribuir valor ao trabalho doméstico e para saber quanto foi produzido e consumido dentro dos domicílios, o ponto de partida foi o que se paga para uma empregada doméstica no Brasil, em cada estado.
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Trabalho doméstico e desigualdade
Jordana Cristina utilizou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, que faz a pergunta “Quantas horas por semana você faz normalmente de trabalho doméstico?”. Os números obtidos com as respostas já foram usados em outras pesquisas, mas apresentavam incorreções. “A gente notou que esse dado apresenta uma subestimação. Algumas pessoas podem não identificar cuidar de uma criança como trabalho doméstico, por exemplo. A primeira coisa então foi corrigir essa subestimação”, conta.
Com a correção dos dados da Pnad, a primeira novidade foi a diferença entre o tempo gasto com atividades domésticas entre homens e mulheres. Acreditava-se que essa diferença fosse de duas a três vezes, mas a pesquisa mostrou que mulheres fazem quatro vezes mais trabalho doméstico que homens.
Os indicadores também mostraram desigualdades entre as mulheres. Segundo a pesquisadora, nos estratos sociais mais altos, é muito comum que se contrate empregadas domésticas. Por isso, enquanto uma mulher de 25 anos no topo do nível de distribuição de renda faz uma média de duas horas de trabalho doméstico não remunerado por dia, uma mulher da mesma idade no nível mais baixo de renda faz mais de seis horas. “No caso dos homens isso não acontece. Independente do nível de renda e da escolaridade, o padrão é sempre o mesmo. Homens fazem em média uma hora por dia. E isso é um resultado importante, porque talvez se associe mais escolaridade e mas consciência sobre a igualdade de gênero a assumir mais trabalho domestico. Mas não é isso que os dados mostram”, diz Jordana.
Transferência do trabalho
Outra estimativa feita pela pesquisadora é a do tempo de transferência do trabalho doméstico para outras pessoas. As mulheres brasileiras passam, em média, mais tempo realizando trabalho doméstico para outros membros da família do que para o seu próprio benefício. A tese mostrou que, dos 15 aos 80 anos de idade, as mulheres estão na condição de transferidoras líquidas do trabalho doméstico. E quanto menor o nível de renda, maiores os efeitos disso. “As mulheres pobres passam grande parte do dia transferindo trabalho doméstico para outras pessoas. Os homens adultos são os beneficiários, juntamente com as crianças”, explica.
Trabalho dentro e fora de casa
A tese defendida no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) mostra que se a esfera doméstica fosse considerada e remunerada, mulheres ganhariam mais que homens, em todas as idades. Para Jordana, o primeiro passo para mudar a condição de desigualdade é quantificar e dar visibilidade à questão. “Precisamos falar sobre o modo como foi naturalizado que o trabalho doméstico é responsabilidade feminina. Isso tem várias implicações, principalmente menos flexibilidade para as mulheres estarem no mercado de trabalho e conseguirem rendimentos melhores. Esse contexto de desigualdade dentro de casa é uma das explicações para o contexto de desigualdade fora de casa. Os homens estão mais presentes no mercado de trabalho e ganham mais porque as mulheres estão dentro de casa”, afirma.