A febre amarela é uma doença infecciosa grave, causada por vírus e transmitida por vetores. Geralmente, quem contrai este vírus não chega a apresentar sintomas ou os mesmos são muito fracos. As primeiras manifestações da doença são repentinas: febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias.
Transmitida por mosquitos em áreas urbanas ou silvestres, a infecção acontece quando uma pessoa que nunca tenha contraído a febre amarela ou tomado a vacina contra ela circula em áreas florestais e é picada por um mosquito infectado. Ao contrair a doença, a pessoa pode se tornar fonte de infecção para o Aedes aegypti no meio urbano.
Epidemias de febre amarela selvagem, bem como surtos da doença urbana, podem ocorrer no Brasil e em demais países da América Latina, aumentando a demanda para o uso da vacina antiamarílica 17DD, vacina de referência, fabricada no instituto Bio-Manguinhos/FIOCRUZ. Por isso, estudos que pudessem indicar a possibilidade de redução da dose vacinal seriam importantes para o aumento do estoque disponível da vacina.
Foi isso que o Centro de Pesquisa René Rachou FIOCRUZ Minas fez: em um experimento de aplicação da vacina antiamarílica 17DD tal como hoje é formulada, e testando cinco vacinas experimentais com concentrações menores de partículas virais, comprovou que era possível reduzir a carga viral sem comprometer a eficácia da dose. A pesquisa teve apoio da FAPEMIG.
O estudo foi feito com 600 militares do Estado do Rio de Janeiro, sendo que 100 receberam a vacina de referência e os outros 500, as vacinas experimentais. Não foram geradas novas metodologias mas, a partir do estudo de fracionamento da vacina antimarílica contendo doses menores de vírus, os resultados comprovaram que a vacina é tão imunogênica e segura em doses menores quanto em sua formulação atual.
A partir de agora, será possível ampliar o estoque vacinal e a distribuição de doses no território nacional e internacional. Essa informação é primordial para uma mudança futura na produção da vacina antiamarílica pelo Bio-Manguinhos e nas políticas de imunização do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde.
Na entrevista abaixo, a pesquisadora Andréa Teixeira de Carvalho, coordenadora da pesquisa, esclarece outros aspectos relacionados ao estudo:
Em quanto foi possível reduzir a carga viral sem perder a eficácia da vacina?
Andréa Teixeira de Carvalho: Foi identificado que uma dose 9 vezes menor da vacina (3.013UI) é capaz de induzir títulos de anticorpos neutralizastes, bem como viremia e níveis de IFN-gama e IL-10 semelhantes à vacina atual (27.476UI).
Essa vacina com carga viral reduzida já está em produção e disponível à população? As vacinas já existentes serão “refeitas” para que se aproveite melhor sua carga viral ou apenas novas doses serão produzidas com a nova carga?
Andréa Teixeira de Carvalho: A vacina com carga viral reduzida não está em produção ainda, porque o estudo foi realizado em adultos e como esta vacina é empregada no calendário vacinal brasileiro em crianças de 9-12 meses de idade, o mesmo estudo ainda precisará ser realizado em crianças. Certamente, quando a redução da carga viral da vacina ocorrer, haverá divulgação. A princípio, as vacinas já existentes continuarão a ter a carga viral atual. Apenas novas doses serão produzidas com a carga reduzida.
Podemos afirmar que a garantia da eficácia da vacina vem acompanhada de uma economia nos custos da produção de cada dose?
Andréa Teixeira de Carvalho: O mais importante a se destacar é que haverá um aumento do número de doses disponíveis em curto período de tempo. Como a mesma matéria-prima produzirá um número de doses maior, o custo de produção/dose poderá ser reduzido.
Quais os principais impactos desse estudo para toda a sequência de ações envolvidas, desde a produção, passando pela distribuição e aplicação das novas doses?
Andréa Teixeira de Carvalho: Com a redução da carga viral presente na vacina em 9 vezes, o número de doses aumentará significativamente. Portanto, em casos de surtos no Brasil e em outros países no mundo, haverá um maior número de vacinas disponíveis para atendimento da demanda, o que pode impactar em sua distribuição e na aplicação de doses necessárias para atendimento da população exposta ao risco de infecção.
Quanto ao treinamento de equipes durante o estudo, você pode descrever os benefícios na formação de recursos humanos?
Andréa Teixeira de Carvalho: Os bolsistas que participaram do projeto receberam treinamentos específicos fornecidos pelas equipes dos laboratórios participantes, referentes aos protocolos e técnicas para realização de ensaios virológicos e análise da resposta imune dos voluntários. Tiveram, ainda, a oportunidade de trabalhar em um projeto abordando pesquisa aplicada e que terá retorno em breve para os indivíduos atendidos pelo SUS e para população em geral. Nesse sentido, perceberam a importância do projeto e o impacto que ele poderá trazer às políticas públicas de imunização.