De proporções pequeninas, medusa originária do Caribe deambula pelos oceanos carregando consigo um segredo que talvez seja o maior de todos os tempos, perseguido por alquimistas da idade média e estudiosos dos nossos dias
Dos antigos egípcios aos cineastas hollywoodianos, a cobiça humana por vencer as leis da natureza e conquistar a imortalidade é evidente. São rituais, pesquisas, oferendas e obras fantasiosas venerando o fenômeno nas mais diferentes eras e culturas da humanidade, demonstrando que a ávida busca cruzou os milênios. Até então o feito sempre pareceu grandioso demais para ser concretizado, sendo reservado apenas a seres mitológicos, como anjos, semideuses, vampiros e outras potestades sobrenaturais. Porém, a ciência parece ter descoberto na natureza evidências de um animal que, surpreendentemente, parece ter vencido o sistema, quebrando a única certeza que acreditávamos ter sobre a vida: o inevitável fim da jornada.
O elixir da vitalidade eterna não está oculto nos cálices do conde de Bram Stoker, nem nas veias de algum mutante com garras, mas sim na arquitetura genética de um animalzinho de cinco milímetros (bem que dizem por aí que os melhores perfumes estão nos menores frascos), escondido nas profundezas dos mares. Trata-se da Turritopsis nutricula, uma diminuta espécie de água-viva que resguarda a arcana habilidade da vida eterna. A Turritopsis é um hidrozoário que possui um potencial de regeneração tão eficaz que o animal não sucumbe a causas naturais nem a ferimentos leves. Um feito e tanto, considerando-se que algumas famílias de águas-vivas podem chegar a dois metros de diâmetro e pesar até 220 quilos, com tentáculos medindo mais de dez metros de comprimento e, mesmo assim, não possuem o mesmo poder. Elas vivem, quando muito, alguns poucos anos.
As medusas – nome alternativo dado às águas vivas – têm uma expectativa de vida consideravelmente breve, e no caso delas, tamanho é documento. Quanto maiores, maior o tempo de vida. Dessa forma, as menores espécies, como a Turritopsis, geralmente vivem apenas algumas horas ou dias. Então, de que forma esse bichinho conseguiu chegar tão longe?
A Turritopsis nutricula consegue expandir seu tempo de vida por meio de um método chamado transdiferenciação, um processo em que as células passam por mutações, transformando-se em outro tipo de célula ou renovando-se completamente. Dominando esta habilidade, a Turritopsis volta ao seu estado juvenil – denominado fase de pólipo – tendo então uma nova trajetória de amadurecimento rumo à maturidade. Esse processo pode se repetir infinitamente, conferindo ao animal o título da imortalidade. Uma arte da natureza que aparentemente é um privilégio reservado apenas a nossa pequenina medusa.
Assim, como uma Fênix que renasce de águas salinas, a Turritopsis nutricula dá à sua vida um ciclo comparável a uma espécie de ampulheta biológica: quando as areias de seu tempo anunciam a proximidade do fim, ela simplesmente inverte a ordem dos fatores, indo na contramão dos ponteiros: da velhice rumo a juventude, como um Benjamim Button do bioma marítimo, transformando sua existência em um invejável deja vu perpétuo, amadurecendo e retomando a juventude para começar de novo a todo vapor. Um tanto poético, mas é ciência.
Apesar da ação dos predadores naturais, a espécie vem aproveitando a sua longeva existência para conhecer novos horizontes e com isso vem se espalhando pelos sete mares do mundo, em uma sutil invasão que está preocupando ambientalistas, que temem um possível desequilíbrio de alguns ecossistemas pelo crescimento desordenado desses verdadeiros alquimistas da natureza.
Mas por outro lado, as boas novas: a capacidade de reconstituição celular do animal cria esperanças em algumas comunidades científicas que acreditam ser possível desenvolver medicamentos de combate ao câncer, com base nas propriedades biológicas do animal.
Quem sabe, em um futuro próximo, possamos desfrutar dessa magnífica poção, e experimentar a vida em cronologia invertida, como instigantemente propôs Charles Chaplin, mas com uma vantagem adicional: não morreríamos ao fim – ou início – de tudo, e sim cresceríamos novamente, com mais experiência, mais sabedoria e pique totalmente revigorado. Uau!