Desde os primórdios da chamada “ciência moderna”, em fins do século XVI, muitas são as discussões em torno da relação entre meios e fins. Afinal, ao longo das quatro etapas do processo de investigação científica – observação, interpretação, análise e conclusão –, uma série de demandas práticas e teóricas leva os pesquisadores à necessária auto-reflexão em torno de suas “metas” – sempre provocadoras de questionamentos éticos e/ou metodológicos.
Pensemos, por exemplo, nas cruéis e bizarras experiências realizadas pelos nazistas com inúmeros prisioneiros judeus: neste recém-nascido século XXI, seria “correto” recorrer aos resultados de tais experimentos, cujos métodos e princípios eram desumanos, em busca de respostas para dúvidas contemporâneas? O que dizer, de outro modo, do constante uso de animais em pesquisas ligadas às mais diversas áreas do conhecimento? Ratinhos, macacos e outras espécies propícias à investigação científica deveriam realmente se sacrificar em benefício da preservação da humanidade ou da própria natureza?
Saiba o leitor que vasta é a bibliografia dedicada à complexa articulação, na ciência, entre – digamos –, “o(s) alvo(s) e a(s) seta(s)”. Neste comentário, contudo, sem a pretensão de rever tal amplo pensamento acerca do tema, o que se pretende é o mero relato da peculiar – e elucidativa – história do garoto George Ashman, morador da cidade de Radstock, na Inglaterra, que, aos quatro anos, passou por inovador tratamento médico para retirada de uma mancha na testa (na verdade, um hemangioma, caroço benigno provocado pelo crescimento anormal de tecidos de vasos sanguíneos).
Categoricamente focados no objeto principal de sua ação – a exclusão da avermelhada marca no rosto do menino –, os médicos envolvidos no caso seguiram confiantes, à revelia de possíveis obstáculos “no meio do caminho”, com os inusitados procedimentos técnicos “tramados” para a situação. Acredite o leitor que, nas extremidades da testinha de Ashman, foram instalados dois suportes de tecido especial, no formato de chifres, com o intuito de esticar a pele, que, posteriormente, seria cortada.
Em outras palavras, para que se compreenda ainda melhor o procedimento realizado: sob a pele da testa de Ashman, os profissionais responsáveis pelo tratamento puseram dois expansores, inflados, em seguida, com fluidos naturais. Feito isso, após quatro meses, os cirurgiões plásticos envolvidos na história – e ligados ao Great Ormond Street Hospital – cortariam o excesso de pele para, automaticamente, eliminar a área coberta pela mancha.
Tal proposta de intervenção cirúrgica transformou-se em realidade após a autorização da mãe do garotinho, que, mais temerosa com a possibilidade de o filho sofrer gozações em função do hemangioma, não pensou duas vezes. Isso quer dizer que, ao longo de nada menos do que 16 semanas – tempo necessário ao esticamento da pele –, o pequeno George Ashman viu-se obrigado a exibir, nas ruas, na escola e em outros tantos ambientes de convívio social, seus dois curiosíssimos “chifrinhos”.
O bom é saber que, ao modo das mais leves produções hollywoodianas, o final da história acabou por se revelar completamente feliz. Hoje com 5 anos, George Ashman exibe a todos sua testa lisinha, sem “chifrinhos” ou quaisquer vestígios da avermelhada marca de nascença.
Diante de tal curiosa relação entre objetivos e métodos, o que nos resta é perguntar, ao caríssimo leitor, o que há muito se perguntam os pesquisadores: os fins justificariam os meios?