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Beija-flores da Serra do Espinhaço ajudam a contar história do continente americano

Todos nós temos uma lista de familiares, próximos ou distantes, que constroem nossa história e ancestralidade. Os animais também têm parentes que podem viver bem perto ou bem longe. Uma pesquisa desenvolvida por cientistas de Minas Gerais confirmou o parentesco entre as espécies de beija-flores Augastes scutatus e Augastes lumachella, conhecidos popularmente como beija-flor-de-gravata-verde e beija-flor-de-gravata-vermelha, naturais da Serra do Espinhaço, com espécies nativas da Cordilheira dos Andes, do gênero Schistes. A investigação também ajudou a recontar a história de separação desses beija-flores e parte da história do continente americano.

De acordo com Marcelo Vasconcelos, curador da Coleção Ornitológica do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas e um dos responsáveis pela pesquisa, já havia suposição da comunidade científica a respeito do parentesco das espécies devido às semelhanças no padrão do bico e da cauda, além da plumagem. Entretanto, não havia comprovação científica.

Na Ornitologia, parte da ciência que estuda os pássaros, é possível sugerir parentesco entre espécies com base em características morfológicas e comportamentais dos bichos tais como formato da cauda, coloração, entre outros. Atualmente, o DNA é muito usado para afirmar parentescos, pois os caracteres genéticos têm mais informações que a morfologia.

Segundo Anderson Chaves, do Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também responsável pela pesquisa, foi feito o sequenciamento do DNA chegando à conclusão que tanto as duas espécies brasileiras como as espécies andinas são, de fato, parentes, mostrando conexão entre os dois extremos da América do Sul.

“Obtivemos material genético dos dois beija-flores do Brasil, amostras que não havia em lugar nenhum do mundo. Já existia a árvore genealógica descrita, na qual estavam presentes os exemplares dos Andes. Faltava apenas encaixar os exemplares do Espinhaço para checar o suposto parentesco”, afirma Marcelo Vasconcelos.

Beija-flor-de-gravata-vermelha. Foto: Ciro Albano/ Arquivo dos pesquisadores

Comparação de DNA

Os cientistas, então, aplicaram a técnica do relógio molecular. A comparação se baseia na taxa de diferenciação do DNA ao longo do tempo. Existe um relógio calibrado para beija-flores. É possível estimar o tempo de divergência dos bichos dos Andes e os do Espinhaço. Até pouco tempo, cientistas propunham que as glaciações haviam sido os acontecimentos mais importantes para as diferenciações, ou seja, as eras glaciais teriam impulsionado a dispersão e isolamento desses bichos.

“O DNA é fundamental para reconstruir o cenário geográfico, evolutivo, climático que uma espécie passou. Os fósseis são difíceis de serem encontrados. O DNA revolucionou essa história. Quando as populações de animais vão tomando destino isolado, se tornando espécies, trazem as marcas de gerações. Essas marcas permitem fazer a calibração molecular e ajudam a calcular o tempo que tal indivíduo se separou de outro, assim, se formam as genealogias”, explica Anderson Chaves.

Cada linhagem tem um tempo de vida. O DNA é um ótimo parâmetro para observar e medir esse tempo. Por exemplo: de mil em mil anos é possível encontrar uma mutação no DNA. Se ao observar duas aves são encontradas coincidências nessas mutações, é possível entender quando as espécies se separaram.

Conforme Anderson Chaves, “sem o DNA não se consegue fazer estimativas temporais. As aves têm ossos finos e leves. Muitos ambientes que viverem não são favoráveis à fossilização, que é uma ferramenta importante para quem estuda pássaros”.

Separação de espécies

A pesquisa revelou que o tempo estimado de separação desses beija-flores é muito maior do que se supunha. O tempo de divergência entre o gravata-verde e o gravata-vermelha é de mais de 3 milhões de ano, uma média estimada. O tempo de divergência das espécies do Espinhaço com a espécie dos Andes é de 7 milhões de anos, em média. Assim, possivelmente, não foram somente as mudanças climáticas que causaram a diferenciação deles, conforme explicaram os dois pesquisadores.

Bichos pequenos podem contar a história de um continente. Se considerarmos o tempo de divergência da linhagem andina, 7 milhões de anos, muita coisa aconteceu como, por exemplo, o soerguimento de parte da Cordilheira dos Andes. Nesse milhões de anos, o mar penetrou três vezes no continente sul-americano. Muito possivelmente, esses mares podem ter atuado como barreiras para os bichos ancestrais dos Andes e do Espinhaço.

A partir do momento em que cadeias de montanhas se elevam, também são criadas barreiras climáticas. Quando uma montanha sobe, condiciona diferentes tipos climáticos. Uma vertente recebe umidade do oceano, ficando mais úmida. Mas, o outro lado da serra acaba ficando mais seco. O soerguimento andino causou, portanto, aridificação.

“No caso dos dois beija-flores da Serra do Espinhaço, a diferenciação possivelmente está ligada com o soerguimento do planalto brasileiro, ou seja, houve um aumento de altitude no relevo que também causou mudança nas condições climáticas da região, também podendo ter atuado no isolamento de populações ancestrais nas partes mais elevadas (e úmidas) de nossas serras”, explica Marcelo Vasconcelos.

Hoje muitos dados matemáticos são usados para projetar consequências do aquecimento global e alguns modelos sugerem que organismos de topo de montanha, como esses beija-flores de gravata, vão ser extintos. Uma pesquisa como esta ajuda no argumento de que esses pássaros já vivenciaram períodos até mais quentes do que as previsões futuras e pode ser que ainda durem milhões de anos.

Hábitos dos beija-flores

O gravata-verde e gravata-vermelha têm comportamento parecido. Os machos são territorialistas e defendem seus arredores por recursos florais, que variam muito ao longo do ano. Brigam muito. Na época da chuva, preferem comer plantas da família da hortelã, por exemplo. Quando os recursos ficam escassos eles exploram outras espécies de plantas.

As fêmeas usam linha de captura para se alimentar, indo de flor em flor. Não são brigonas como os machos e difíceis de serem vistas. Elas constroem o ninho, chocam o ovo e cuidam do filhote. Às vezes, capturam insetos para se alimentar porque precisam de proteína. Tomam banho em rios e em águas de respingam de cachoeiras.

Os beija-flores gravata-verde e gravata-vermelha são símbolos da Serra do Epinhaço e Chapada Diamantina. Visitantes do mundo inteiro passam pelas regiões para conhecer essas pérolas brasileiras.

Luana Cruz

Jornalista, professora e pesquisadora. É mãe dos gêmeos Martin e Heitor.

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Luana Cruz

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