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Desinformação sobre kombucha acende alerta de especialistas

Embora haja benefícios potenciais, não há estudos que comprovem ou garantam uma dose segura para o consumo da bebida

Fermentação de kombucha. Foto: Tim-Oliver Metz / Unsplash

Já falamos aqui no Minas Faz Ciência sobre a kombucha, bebida queridinha de celebridades e influenciadores digitais que ganhou popularidade na mídia, nos últimos anos. O consumo promete benefícios para o organismo, mas também desperta alertas de especialistas, que observam muita desinformação sobre kombucha e seu processo de fermentação, que podem levar ao consumo inadequado.

Cosme Barbosa em laboratório de pesquisa (Acervo pessoal do pesquisador)

É o caso de Cosme Barbosa, biólogo, Doutor em Ciência de Alimentos pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Técnico de Laboratório de Alimentos e Laticínios da Escola de Veterinária da mesma instituição.

Ele explica que a kombucha é uma bebida de origem asiática, produzida pela fermentação alcoólica e acética da infusão de chá verde ou chá preto (Camellia sinensis) adicionada de açúcar e do inóculo (conjunto de micro-organismos que irão fermentar o chá), popularmente chamado de “zoogleia” ou “scoby” – Cosme prefere chamar de “película celulósica“.

Ao final da fermentação, obtém-se uma bebida adocicada, levemente ácida e naturalmente gaseificada. Essas características podem se modificar de acordo com a qualidade e a quantidade de insumos utilizados (chá, açúcar, inóculo), bem como o tempo e a temperatura de fermentação.

Quanto mais prolongada a fermentação, mais ácida tende a ser a bebida. Mas daí a tratar a kombucha como um “elixir da vida”, há muitas questões a serem debatidas, conforme aponta o pesquisador.

Perigos da desinformação sobre kombucha

A relevância da kombucha, nos últimos anos, pode ser explicada pela tendência de busca por uma alimentação saudável. Segundo Cosme Barbosa, tem crescido o interesse das pessoas para tornar a alimentação o mais “natural” possível, porém, há pontos negativos, nem sempre debatidos: “Um bom exemplo são estratégias de marketing relacionadas à bebida, tais como ‘elixir da vida’, ‘bebida viva’, ‘bebida probiótica’, dentre outras”.

Há legislação, recentemente criada (IN 41 09/2019), que proíbe a utilização desses termos – e a lei é necessária porque, até o momento, considerando os levantamentos bibliográficos mais recentes realizados por Cosme, não há pesquisas que comprovem a funcionalidade probiótica da bebida. “A simples presença de micro-organismos em um alimento ou bebida não o torna probiótico”, reforça Cosme.

A kombucha se tornou a bebida da “moda”, mas vejo isso com certa preocupação. Além da disseminação de informações erradas, corre-se o risco do abandono da bebida, assim como ocorreu com o óleo de coco, goji berry, hibisco e tantos outros.

Cosme Barbosa, biólogo, doutor em Ciência de Alimentos

Estudos indicam potenciais aplicações e benefícios

Segundo Cosme, a kombucha é uma bebida que apresenta potenciais aplicações e benefícios, entretanto, são necessários estudos de comprovação científica. “Há potencial para muitos benefícios e aplicações, seja pelo consumo da bebida, ou até mesmo pela utilização dos subprodutos da fermentação e dos micro-organismos presentes”.

Durante sua pesquisa de Doutorado, ele estudou a microbiota e o processo de fermentação responsável pela produção de kombucha. A microbiota constitui o grupo de micro-organismos, sejam eles fungos e/ou bactérias, presentes no meio de fermentação. “Eles são responsáveis pela produção da bebida e, muitas vezes, impedem o desenvolvimento de micro-organismos que possam contaminar ou deteriorar o produto”, explica o pesquisador.

O estudo da microbiota de kombucha se baseou na identificação dos micro-organismos ao longo do período de fermentação, por técnicas moleculares. Parte relevante da pesquisa está em processo de publicação para revisão de pares, mas Cosme adianta que verificou que a microbiota apresenta gêneros dominantes para bactérias ácido acéticas e leveduras.

“Há diferença na dinâmica de micro-organismos, a depender da matéria-prima, e o processo de fermentação ocorre de forma similar, sem a necessidade de que todo o álcool seja gerado para ser convertido em ácido acético”.

As descobertas de Cosme, juntamente a outros estudos, contribuem para novos campos de investigação em torno da kombucha, como a otimização de processos para a produção de compostos de interesse, utilização de micro-organismos isolados no processo fermentativo para emprego em outros processos industriais, utilização de subprodutos da fermentação, dentre outros.

Em sua formação acadêmica, Cosme teve auxílio da FAPEMIG, com a bolsa de Iniciação Científica do aluno de graduação Wildon C.R dos Santos (2017 – 2018), sob orientação da professora Inayara Lacerda (foto). Também contou com financiamento da CAPES durante o Doutorado Sanduíche, realizado na Escola de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa (2018-2019), sob a orientação da professora Paula Teixeira e supervisão da professora Helena Albano.

O estudante Wildon dos Santos e Cosme Barbosa, durante apresentação de trabalho acadêmico (Acervo pessoal do pesquisador)

Propriedades potenciais

Cosme alerta para que se evite consumir a bebida com base em informações de buscas rápidas feitas na internet. A maioria dos resultados traz inverdades, divulgadas por pessoas sem qualquer formação na área.

“Há afirmações de que kombucha pode curar câncer, reforçar a imunidade, evitar queda de cabelo, gastrite e inúmeras outras alegações. Precisamos ter cautela, pois sabemos que essas informações possuem grande capacidade de disseminação, sejam elas verdadeiras ou não”, reforça.

No entanto, ele explica que há, na literatura científica, estudos conduzidos com camundongos ou em cultivo celular que indicam possíveis propriedades relacionadas ao consumo da bebida ou da presença de compostos. “Cabe ressaltar que ainda carecemos de estudos envolvendo seres humanos”, explica ele.

Dentre as propriedades com potencial benéfico, estão:

  • Atividade antioxidante: a kombucha apresentou capacidade antioxidante por atuar em radicais livres. Os radicais livres são moléculas que apresentam grande capacidade para reagir com nossas células causando danos ao organismo. Esse efeito protetor está relacionado aos compostos fenólicos presentes na bebida, tais como: catequina, cafeína, rutina, quercetina, ácido clorogênico e ácido gálico. A concentração e presença desses compostos na bebida podem variar de acordo com o tipo de chá utilizado (chá verde ou chá preto);
  • Hepatoprotetora: a kombucha demonstrou efeito de proteção ao fígado. Essa proteção pode estar relacionada à presença de compostos, tais como o ácido glucorônico. Esse ácido é produzido durante o processo de fermentação e possui a capacidade de interagir com xenobióticos, atuando por exemplo na facilitação da excreção de fármacos.
  • Atividade antimicrobiana: kombucha ou seus extratos apresentaram potencial de inibição de diferentes micro-organismos patogênicos, tais como: Escherichia coli, Salmonella spp., Staphyloccocus aureus e outros.

Mesmo com essas indicações potenciais, Cosme informa que ainda não há estudos que indiquem uma dose segura para o consumo da bebida, nem mesmo da ingestão por crianças e gestantes, portanto, é necessário bom senso.

“Ressalto também a necessidade da adoção de medidas higiências para a “saborização” da bebida, chamada popularmente de “segunda fermentação”. Nesse processo, pode ocorrer contaminação, uma vez que não é uma bebida comumente pasteurizada”.

Verônica Soares

Jornalista de ciências, professora de comunicação, pesquisadora da divulgação científica.

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