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Burnout é considerada a síndrome da atualidade

Foto: Carolina Rizzo

Por Alysson Aguiar, Carolina Rizzo, Hanie Ferraz, Isabela Bracarense, Tariq Augusto, Thainá Silva e Alaor Duarte*

A vida sob constante estresse está sujeita a provocar um quadro de esgotamento configurado como  Síndrome de Burnout. Também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, foi identificada pelo psicanalista nova-iorquino Herbert J. Freudenberger, no início dos anos 1970.

Após constatá-lo em si mesmo, Freudenberger caracterizou o fenômeno como “distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”

O distúrbio atinge profissionais formados e em formação. A estudante de Medicina Veterinária, Isabela Goes, foi diagnosticada no 4º período de faculdade.

“Meu curso é integral, de 7h às 19h, ficava na faculdade até depois de 22 horas e virava noites estudando. Tomava muito energético, acordava às 5 da manhã, isso de segunda a segunda. Percebi que os números de pessoas com a síndrome não são apenas estatísticas, vi que ela realmente existe e que não estou sozinha. Mas a grande maioria das pessoas não percebe que está com Burnout”, conta a estudante.

“Me vi estudando pelo menos 18 horas por dia, vivendo de cafeína.  Comia e bebia água quando lembrava. Fim de semana, quando tentava não estudar, eu fazia plantão de pelo menos 12 horas e achava que aquilo era normal. O momento em que percebi foi quando cheguei em casa, estacionei o carro e desabei. Procurei a psiquiatra e ele me diagnosticou com Burnout”, relata Isabela.

A síndrome no trabalho

A International Stress Management Association (ISMA) (em português, Associação Internacional de Gestão do Estresse) tem como objetivo pesquisar o desenvolvimento da prevenção e do tratamento de estresse no mundo. Segundo o último levantamento, divulgado em 2019, 72% dos brasileiros que estão no mercado de trabalho sofrem alguma sequela ocasionada pelo estresse. Desse total, 32% são diagnosticados com a Síndrome de Burnout.

De acordo com Kely Paiva,  pesquisadora e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Comportamento, Pessoas e Organizações da UFMG (Necop), o estresse, ao contrário do que se pensa, não se caracteriza como uma doença, mas como a força com a qual o indivíduo reage às demandas. Já o Burnout é um dos desdobramentos mais importantes do estresse ocupacional e pode ser causado pela exposição prolongada a situações estressantes, diante das quais as estratégias de enfrentamento não foram utilizadas, falharam ou não foram suficientes.

Síndrome de Burnout é uma doença caracterizada por um quadro de esgotamento físico e psíquico do trabalhador (com ênfase em sintomas mentais e comportamentais) devido às suas condições de trabalho, consistindo num estado de pouca energia e falta de entusiasmo, inclusive em pessoas com histórico de alto desempenho.

(Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001)

Para investigar a conexão entre o ambiente organizacional e a síndrome, pesquisadores do Necop realizaram estudo com trabalhadores de duas Secretarias de Estado, em Divinópolis (MG). O resultado comprovou as relações entre a síndrome e a chamada Percepção de Suporte Organizacional, definida como a “relação entre uma organização do trabalho e a sua influência no comportamento e no desempenho do funcionário”.

Além do dano mental ao indivíduo, Paiva reforça que a síndrome afeta as organizações de forma direta já que “devido ao afastamento de funcionários e ao baixo rendimento de produção, eles não se comprometem de forma integral com o trabalho proposto’’, destaca a pesquisadora.

Outra pesquisa realizada pelo Núcleo, em 2017, foi com os trabalhadores do Ensino Social Profissionalizante (Espro), jovens entre 15 e 24 anos, que desempenham funções repetitivas e rotineiras. Embora o nível de Burnout constatado entre esses profissionais fosse relativamente baixo no momento do estudo, os pesquisadores sugerem seu monitoramento, devido às tendências de elevação decorrentes das próprias mudanças sócio-político-econômicas observadas no país.

Profissões de risco

Foto: Carolina Rizzo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) inseriu o transtorno na Classificação Internacional de Doenças (CID), pela primeira vez, em maio de 2019, e descreveu o Burnout como “uma síndrome resultante de um stress crônico no trabalho que não foi administrado com êxito”. 

Segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), a síndrome é causada, na maioria dos casos, pelo ambiente de trabalho no qual o indivíduo está inserido e pelo nível de cobrança.

As empresas precisam ter um cuidado maior com a saúde física e mental dos seus empregados, cumprindo normas da medicina e segurança do trabalho. O bom relacionamento com os funcionários também é importante para as partes; se necessário, recomenda-se que todos tenham acompanhamento psicológico.

Algumas profissões apresentam maior risco de esgotamento que outras. Termos como burnout, depressão, angústia, estresse, ergonomia e saúde psicológica estão adquirindo espaço na literatura acadêmica e profissional, com foco em algumas ocupações como as de docentes, advogados, policiais, docentes e profissionais de saúde.

O fisioterapeuta Luiz Junior da Rocha, coordenador no Hospital Municipal Odilon Behrens, em Belo Horizonte, desde 2011, tem realizado estudos sobre Burnout e pressões profissionais junto ao corpo clínico do hospital. Em sua dissertação de mestrado, concluída em 2014, abordou o tema “Síndrome de esgotamento profissional e satisfação com o trabalho em profissionais de saúde de um Hospital Público”. A pesquisa foi motivada pelos relatos sobre estresse no ambiente de trabalho. “Isso me fez querer estudar mais sobre o assunto”, afirmou. 

Minha vivência e escuta de relatos de outros profissionais levou-me à escolha do tema com o objetivo de conhecer melhor tanto os fatores de esgotamento
dos trabalhadores de saúde, como de satisfação no trabalho, na expectativa de que o conhecimento produzido contribua para melhoria da saúde do profissional e do atendimento prestado aos indivíduos que dele necessitam.

Luiz Junior da Rocha, mestre e fisioterapeuta no Hospital Odilon Behrens

Em geral, em algum momento, as pessoas vão se estressar no trabalho, mas um dia de estresse não pode ser configurado como Burnout. A síndrome decorre de uma série de sintomas que afetam não só a rotina da pessoa, mas também o aspecto psicológico e foi analisada por Luiz Rocha como resultante da sobreposição de três dimensões:

Estes aspectos costumam estar mais presentes nas pessoas que não se desligam do trabalho, perfeccionistas, exigentes em tudo que fazem e que estipulam prazos curtos para desenvolver suas atividades.  Para as empresas, trabalhadores com esse perfil são considerados muito produtivos; por outro lado, a chance de adoecerem pode ser maior, devido à alta pressão imposta sobre si mesmos. 

De acordo com Luiz da Rocha, há uma predisposição do profissional da saúde em desenvolver a Síndrome de Burnout, “pelo fato de ter que lidar muito de perto com a morte”. 

Ainda segundo o profissional, não só o empregador, mas também os demais funcionários devem ficar atentos a possíveis mudanças no comportamento dos colegas de trabalho e ajudar na identificação da doença.

“Com o sofrimento que a pessoa vai gerando, ela começa a ter frequentes problemas de relação interpessoal, começa a ter uma conduta que não é apropriada no trabalho: começa a se afastar das pessoas, fica mais agressiva, fechada e demonstrando que ela tem um sofrimento psicológico”, conclui.

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Depoimento do pesquisador Luiz Junior da Rocha sobre sua trajetória e pesquisa

Luiz da Rocha considera importante para as instituições a identificação precoce de qualquer das dimensões associadas ao Burnout, para evitar a progressão da patologia que acomete cada vez mais os profissionais de saúde.

Diagnóstico e prevenção

Vale lembrar que a exaustão emocional é diferente do cansaço, sentimento momentâneo e que, em grande parte das vezes, pode ser solucionado com uma boa noite de sono. A exaustão emocional consiste em um estado crônico de elevado estresse físico e emocional provocado por exigências excessivas do trabalho. 

Dr. Marco André Bernardes, médico psiquiatra formado pela faculdade de Ciências Médicas, em Belo Horizonte, explica que quando há um desarranjo de neurotransmissores, seja pela falta da serotonina consequente ou não de uma depressão, o indivíduo tende a apresentar o efeito cascata da síndrome.  “De forma gradativa, esses neurotransmissores começam a apresentar desordens que desencadeiam também problemas relacionados à epinefrina, adrenalina e noradrenalina”, afirmou. 

Esses hormônios produzidos pelo sistema nervoso simpático são responsáveis por ativar o sistema de resposta de um indivíduo em momentos de perigo. Porém, quando produzidos em excesso, causam estresse e mal aproveitamento da serotonina, comumente chamada do hormônio do bem-estar.

Segundos dados da Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde, a evolução do estresse se divide em fases. Entenda:

1 – Fase de alerta

Quando o organismo é exposto a uma situação produtora de tensão, também chamada de estresse positivo, que motiva o profissional a ficar mais ágil. Quando o estresse começa a se tornar contínuo, o trabalhador tende a entrar na segunda fase, de resistência. 

2 – Fase da resistência

Nessa fase,  o corpo tenta voltar ao seu equilíbrio. O organismo pode se adaptar ao problema ou eliminá-lo. Os primeiros sintomas surgem, como aumento da pressão arterial, insônia, queda de cabelos, problemas digestivos, entre outros. Com o tempo, essas pequenas alterações podem resultar em possíveis doenças. 

3 – Fase de quase–exaustão

O organismo está enfraquecido, começa a falhar na produção dos hormônios relacionados ao estresse e não consegue se adaptar ou resistir. Algumas doenças começam a aparecer, como crises de enxaqueca, problemas dermatológicos, tais como herpes simples, acne, hipertensão, diabete e problemas crônicos. 

4 – Fase de exaustão

É a fase em que o indivíduo encontra-se em esgotamento total, há um aumento das estruturas linfáticas, exaustão psicológica e física. Nessa fase, as doenças aparecem com muita frequência como hipertensão, diabetes, problemas intestinais, dores ósseas e distúrbios de memória. 

A estudante de veterinária, Isabela Goes, por exemplo, só percebeu a gravidade na quarta fase. “Eu sempre ignorei minha crise de ansiedade, tomava remédios por conta própria e quando foi na metade do 4º período percebi que estava com exaustão”, relembra.

Por se tratar de uma síndrome, as pessoas tendem a enfrentar o Burnout  de forma diferenciada, pois algumas são mais sensíveis, possuem mais dificuldades de lidar com determinadas situações do dia a dia, dificuldades em se expor, podendo levar a algo mais grave, quando acumulado a uma depressão.

Segundo a pesquisadora Kely Paiva, da UFMG, o corpo demonstra sinais de exaustão. “Começo a acordar cansado, a dormir cansado, ter sinais físicos de fadiga, ter problemas gastrointestinais, rouquidão, problemas respiratórios e espasmas musculares, é hora de parar e tirar o pé do acelerador”, alerta.

A escolha mais viável é procurar ajuda profissional para analisar cada caso. Os principais fatores para diminuir os riscos são a prevenção e o cuidado.

*Estudantes supervisionados pela jornalista Lorena Tárcia.