Em 2016, Michelle Murta tornou-se a primeira surda efetivada como professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Faculdade de Letras. Desde então, acompanhou mudanças importantes, a exemplo da criação do curso Letras-Libras – o primeiro vestibular foi realizado em 2019. “Meus colegas de trabalho reconhecem que houve uma mudança de entendimento das pessoas. Elas têm menos medo de lidar com pessoas surdas e pessoas sinalizantes, e minha presença como professora contribuiu para isso. Porém, várias outras mudanças já estavam em processo”, pondera.
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida como principal meio de comunicação e expressão da comunidade surda desde 2002, quando foi promulgada a Lei n°10.436. Para os surdos, o português é a segunda língua, o que faz do Brasil um país bilíngue – embora isso não seja reconhecido oficialmente. A publicação do Decreto n° 5.626, em 2005, tornou obrigatória a inclusão do ensino de Libras nas instituições públicas e privadas de ensino superior.
Michelle ainda percebe o estranhamento por parte de muitos alunos ao ter contato com uma professora surda pela primeira vez. “Uso muitos elementos visuais, apresentação de slides e envio os textos com antecedência. Quando é necessário fazer uma discussão em sala de aula, agendo um horário com os intérpretes do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da UFMG”, conta.
No momento, Michelle está licenciada das atividades como docente para cursar o doutorado em Linguística: Estudos Formais de Língua, na mesma Universidade. Ela é integrante do Núcleo de Estudos de Libras, Surdez e Bilinguismo (Nelis), grupo de pesquisa vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Tem experiência na área de Linguística e atua principalmente com os seguintes temas: Libras, Metáforas, Iconicidade, Literatura Surda e Educação.
Descoberta tardia
A surdez de Michelle é de origem hereditária e foi descoberta tardiamente. Sua perda auditiva foi gradativa, diferentemente de muitos surdos, que já nascem com perda auditiva profunda. Assim, ela aprendeu a falar cedo. Mas isso não impediu que enfrentasse dificuldades na escola. Do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, sofreu cinco reprovações. “O que mais me prejudicou, mas não exclusivamente, foi o ditado, que fazia parte do método fônico de ensino da Língua Portuguesa”.
O ensino fundamental e o ensino médio foram concluídos no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Quando eu estava cursando a quinta série no EJA, somente uma professora percebeu que eu não escutava totalmente. Nenhum outro professor ou professora havia percebido, ou não tiveram nenhuma atitude diferente a respeito”, lembra. “Há quem desvalorize o EJA, mas para mim foi uma forma de resgate, até mesmo da minha autoestima”.
Um ano antes de terminar o ensino médio, ocorreu o primeiro contato com a comunidade surda. “Foi nesse momento conheci a Libras. Que língua gostosa, clara e tão fácil para mim! Eu a adquiri em seis meses. Digo ‘adquiri’ porque foi totalmente espontâneo, somente pela convivência com outros surdos”, revela.
No e-book Mulher Faz Ciência, você vai saber mais sobre a trajetória de Michelle antes de chegar à posição de professora assistente de uma das mais importantes universidades brasileiras. “Foi um caminho árduo, com muitas renúncias, noites perdidas, estresse e muito sacrifício! E continua sendo um grande desafio. Atualmente, sou mais aceita: meus professores de doutorado aceitam minha língua, aceitam minha pessoa. Nada melhor do que ser aceita como você é”.