*Artigo de opinião originalmente publicado no Portal da Ciência, assinado por Fabricio Pelloso Piurcosky e Cristina Lelis Leal Calegario, respectivamente, doutor e docente do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras (Ufla)
Se pedissem que explicasse a alguém sobre a situação do ensino superior brasileiro, em especial do ensino privado, o que falaria?
Com certeza, a resposta abordaria que, dada a importância da educação superior na formação de profissionais e pesquisadores científicos – que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas e do nível de desenvolvimento do País – , este setor não tem recebido a atenção necessária em termos de recursos e políticas adequadas para oferecer o acesso a todos. E que, como as instituições de ensino públicas não são suficientes para atender aos estudantes do País, egressos do ensino médio, as privadas procuram cumprir seu papel na formação profissional daqueles que não tiveram oportunidade de ingressar nas públicas.
Mas, imagine que você seja confrontado com a seguinte informação: no Brasil, entre 2001 e 2019, ocorreram mais de 170 processos de fusões e aquisições (F&A) que envolveram o ensino superior privado. Além disso, esses eventos envolveram fundos e empresas estrangeiras. Qual seria o seu posicionamento sobre isso?
A ideia deste texto não é somente dar informações para que você responda à questão inicial, mas compartilhar conhecimento para que existam mais indagações e reflexões sobre os rumos desse setor tão importante.
Dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, 2017) indicam que o número de estudantes no ensino superior cresceu de 65 milhões, em 1991, para 79 milhões, em 2000, e para 207 milhões, em 2017. Todo esse potencial de crescimento, assim como o dinamismo do cenário mundial, fez com que o setor de ensino superior privado e suas estratégias de atuação fossem objeto de reflexão na maioria dos países desenvolvidos.
No Brasil, ao analisar os processos de F&A nos anos de 2010, 2011, 2013 e 2014, verificou-se que o volume de negócios ficou sempre acima de R$ 2 bilhões (CM, 2017). É possível perceber que os grupos educacionais brasileiros que receberam investimento estrangeiro mudaram seu comportamento e posicionamento no mercado, pois começaram a atuar até mesmo com capital aberto na bolsa de valores.
Com esse movimento atípico, algumas questões começam a aparecer, por exemplo: será que o setor de ensino superior privado ficará “nas mãos” de algumas empresas, formando com isso um mercado concentrado? Qual o nível de eficiência relativa dos grupos educacionais que têm recebido investimentos estrangeiros?
Foi possível responder essas perguntas e a outras mais específicas com a pesquisa de doutorado desenvolvida no Departamento de Administração e Economia da Ufla, intitulada A participação do investimento estrangeiro na reestruturação do setor de ensino: uma análise da eficiência relativa de instituições de ensino superior privadas no Brasil. O cálculo do grau de concentração do mercado foi realizado considerando dois tipos: o mercado de graduação (presencial e a distância) e o mercado de graduação a distância (pois foi visto que este é o que tem recebido mais atenção e que teve sua legislação mais alterada nos últimos anos). Assim, embora o mercado de graduação não esteja concentrado, foi percebido um aumento entre os anos de 2014 e 2017, o que determina que ele ruma para uma concentração. Diferentemente do que acontece com mercado de graduação a distância, que apresenta uma concentração moderada.
Para verificar o nível de eficiência das instituições privadas que receberam capital estrangeiro, foram mensurados os níveis de eficiência relativa que variam de 0 a 1, de 55 instituições de ensino superior (IES) que em algum momento, entre 2014 e 2017, receberam capital estrangeiro. Nenhuma delas apresentou o nível de eficiência igual a 1 para os quatro anos estudados.
Analisando a decomposição do índice em nível quantitativo (a razão entre o custo total e o número total de alunos), verificou-se que sete IES atingiram o nível de eficiência igual a 1. Os indicadores considerados influenciadores ou determinantes desse nível quantitativo foram: o total de alunos por total de docentes (diminuição do custo de operação com o aumento dos alunos que geram receitas e menos professores para diminuir despesas), entrada de capital estrangeiro (com mais recursos, a tendência é aumentar o número de alunos, pois há possibilidade de compra de outras IES e investimentos) e aumento do número de professores doutores (o custo envolvido na contratação de professor com nível de doutorado é compensado com o aumento do número de alunos).
No nível qualitativo (a razão entre o custo total e o índice geral de cursos), cinco IES atingiram o nível de eficiência igual a 1. O indicador que influenciou o resultado positivamente foi o total de doutores por total de docentes. Isso significa que um corpo docente mais qualificado contribui para o crescimento qualitativo das IES.
Ademais, ainda foi percebido que o nível de eficiência quantitativo é mais preponderante para o nível de eficiência das IES. Dessa forma, é possível responder com ainda mais propriedade às perguntas que foram feitas no início deste texto.
Alguém poderia dizer que o ensino superior privado no Brasil passou por uma reestruturação, a partir da entrada de capital estrangeiro. Isso provocou uma concentração de mercado na graduação a distância e uma concentração em andamento para o ensino presencial. Essas empresas do setor de educação buscam a eficiência (com tendência para a operacionalidade da empresa e diminuição de custos), amparadas mais em seus indicadores quantitativos do que nos qualitativos.
Portanto, seria muito importante que as autoridades públicas que regulam esse setor propusessem novos formatos de exigências que privilegiassem mais a busca pela eficiência qualitativa, de modo a cumprir o importante papel da educação: mudar a realidade das pessoas e, consequentemente, a do País.
*Os artigos publicados nesta página não refletem, necessariamente, o posicionamento institucional do projeto Minas faz Ciência.