Com o tema “Inteligência artificial (IA): a nova fronteira da ciência brasileira”, a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), que acontece nesta semana em todo o país, visa discutir a contribuição da IA para a ciência. Por meio de palestras, minicursos, mesas-redondas e outras atividades, o evento objetiva, também, o compartilhamento de informações sobre o tema para além da comunidade acadêmica.
A Inteligência Artificial é a capacidade de máquinas e computadores aprenderem e executarem (Machine Learning), de forma autônoma, atividades humanas. A partir da ideia de IA, as máquinas podem deliberar e tomar decisões emulando o pensamento humano.
A partir de uma imensa quantidade de dados, chamados de Big Data, a IA é orientada a partir de modelos de estruturação de dados. Para tal processo existem os algoritmos, que filtram e classificam dados interpretados gerando uma gradação de valor. Os algoritmos são, portanto, sequências lógicas programadas para solução de problemas e execução automática de tarefas.
O tema que orienta as ações da SNCT já foi foco de reportagens publicadas tanto no site quanto na revista do Minas Faz Ciência. Selecionamos as publicações que se debruçam em discussões a respeito dos limites éticos do uso da IA até a contribuições da tecnologia para pesquisas realizadas em diferentes áreas do conhecimento.
Debates éticos
A reportagem da edição 83, “Para muito além da voz“, assinada por Lorena Tárcia, discutiu os entraves éticos e jurídicos associados às tecnologias como Alexa, Google, Siri etc. A reportagem mostrou que tais dispositivos de Processamento de Linguagem Natural (PLN), Compreensão de Linguagem Natural (CLN) e reconhecimento de voz levantam debates éticos e expectativas de interações mais humanizadas.
Tal expectativa pode resultar em comportamentos enviesados. Segundo Renato Rocha Souza, professor colaborador da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a forma como algoritmos aprendem as informações evidencia problemas raciais, por exemplo.
Recentemente, pesquisadores afiliados à Universidade de Georgetown e à Universidade de Stanford descobriram que sistemas de reconhecimento de voz, como da Amazon e do Google, funcionam melhor para usuários brancos do que negros.
Neste contexto, o Grupo de Estudos em Direito e Tecnologia da Faculdade de Direito da UFMG (DTec UFMG) defende medidas de regulação do desenvolvimento e do uso de mecanismos de inteligência artificial, a fim de evitar o uso indevido de dados pessoais e a discriminação algorítmica, que podem perpetuar e agravar desigualdades sociais, não apenas raciais e de gênero, mas, também, socioeconômicas.
Responsabilidade por conteúdos sintéticos
As questões éticas referentes ao uso da Inteligência Artificial também foram discutidas na reportagem “Mediação sintetizada”, publicada edição 82 da revista Minas Faz Ciência. O texto assinado por Lorena Tárcia aborda a medida do Twitter que proíbe o compartilhamento, de maneira enganosa, de mídias sintéticas ou manipuladas que provavelmente causarão danos. Entretanto, a política adotada pela rede, em fevereiro de 2020, desvela complexidades não abarcadas pela medida.
Segundo Victor Silva, mestre pela UFMG e doutorando em Ciência da Computação pela Universidade de Alberta, no Canadá, a medida é vaga, e é preciso distinguir “conteúdo alterado” e “conteúdo gerado”.
Isso porque os níveis de alteração geração de conteúdo, a partir de recursos de IA, também não se igualam. Eles podem variar, da criação de seres sintéticos manipulados por humanos a tecnologias mais avançadas e polêmicas, como agentes de conversação baseados em redes neurais artificiais.
Diante disso, as questões que surgem são: as leis válidas para os humanos pode ser, também, aplicadas aos conteúdos sintéticos? Quem é o responsável por tais conteúdos?
Segundo Silvia Dalben, pesquisadora de redes sociotécnicas na UFMG, e doutoranda em jornalismo pela Universidade do Texas, em Austin, entende a legalidade, nestes casos, como uma questão complexa, pois “são questões supranacionais, e a lógica de compartilhamento revela-se muito descentralizada”. Por isso, a pesquisadora acredita ser necessário ampliar as formas de denúncia e de investigação de quem está por trás do conteúdo gerado.
Contribuição para ciência
Para além das questões éticas, o uso da IA promove, também, grandes contribuições para o avanço da ciência. Nos últimos ano, o Minas Faz Ciência apresentou pesquisas em diferentes áreas do conhecimento que tiveram a Inteligência Artificial como base.
Inteligência Artificial e saúde
Na área da saúde, um desses estudos foi conduzido por Milad Yousefi e apresentado por Luiza Lages no episódio 178 do Ondas da Ciência. Na tese de doutorado defendida no Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG, Milad estudou o atendimento de emergência do Hospital Risoleta Tolentino Neves, de Belo Horizonte.
Para isso, o pesquisador utilizou a Inteligência Artificial e o Aprendizado Complexo como forma de garantir a otimização do atendimento de emergência. Dessa forma, Milad implementou um método baseado em agentes e algoritmos evolutivos para determinar quais seriam possibilidades ideais de alocação de recursos no hospital.
A IA também se mostrou uma aliada do diagnósticos de doenças do coração, como mostra a reportagem de Alessandra Ribeiro. Em 2018, um artigo publicado na revista Nature Communications, assinado por integrantes do Projeto Code (Clinical Outcomes in Digital Electrocardiology) averiguou que padrões de alteração no exame, associados ao risco de morte, podem ser reconhecidos por sistemas automatizados a partir da programação de algoritmos.
O estudo que reuniu cardiologistas do Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG mostrou que o sinal gerado pelo aparelho que faz o registro de batimentos cardíaco pode ser lido modelos computacionais que simulam o funcionamento dos neurônios do cérebro humano – as chamadas redes neurais.
IA na segurança
A IA também vem sendo utilizada em estudos sobre segurança pública conforme mostra a reportagem de Luana Cruz. Pesquisadores do Laboratório Smart Sense, do Departamento de Ciências da Computação (DCC) da UFMG estudam e desenvolvem sistemas de “vigilância inteligente”.
Diferentemente de outros sistemas de segurança, na “vigilância inteligente”, as informações são processadas durante a captura da cena, e os algoritmos filtram somente dados relevantes para o operador do sistema. Assim, potencializa o “olhar” dessa pessoa que não conseguiria acompanhar o tempo real de muitas câmeras, nem mesmo processar os dados manualmente.
Além da vigilância, o Smart Sense desenvolve estudos focados na biometria e na computação forense. Tais pesquisas podem ser importantes na resolução de crimes, pois além de ajudar na identificação de pessoas suspeitas, os sistemas conseguem informar sobre ações e atividades realizadas em um determinado local.
IA no transporte
Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Lavras (Ufla) utilizou tecnologias inteligentes de transporte e analisou como novos veículos circularão nas ruas brasileiras. A reportagem de Luiza Lages, “Somos todos passageiros”, publicada na edição 77 da Minas Faz Ciência apresentou os estudos realizados Área de Veículos Autônomos/Inteligentes do Laboratório de Mobilidade Terrestre (LMT) da Ufla.
A partir de uma atuação multidisciplinar, os pesquisadores do LMT utilizam na concepção de sistemas de localização, percepção, navegação, reconstrução de dados, controle e assistência ao condutor de veículos inteligentes. Um dos objetivos é desenvolver tecnologias de baixo custo, como um equipamento de detecção e alerta de sonolência desenvolvido no grupo.
O grupo pesquisa, ainda, sobre a produção de veículos inteligentes e modelos de negócios relacionados à mobilidade terrestre. Há pesquisas sobre regulamentação e trâmites legais para pôr veículos inteligentes em circulação, além da busca de mecanismos e requisitos técnicos para certificação das novidades tecnológicas.
Apesar da notória contribuição da IA para a ciência, as discussões sobre o assunto não se encerram aqui. Recentemente, um documentário exibido pela Netflix, “O Dilema das Redes” suscitou questões referentes à coleta de dados e ao uso desses dados pelas empresas de tecnologia. As questões éticas e jurídicas devem, portanto, serem amplamente discutidas, dentro e fora das universidades.
Todas as reportagens sobre Inteligência Artificial produzidas pelo Minas Faz Ciência podem ser lidas aqui em nosso site e nas edições antigas da revista.