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Estudo investiga rotina de idosos em situação de rua

Pesquisa desenvolvida no Pós-graduação em Enfermagem da UFMG mostrou diferenças da rotina de idosos em situação de rua e domiciliados

Idoso em situação de rua (Pixabay)

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, em 2050, a população mundial com 60 anos ou mais chegará a dois bilhões. No Brasil, a Projeção de População do IBGE estima que daqui a 40 anos, pelo menos um quarto da população será de idosos com mais de 65 anos.

O processo de envelhecimento da população ocorre atrelado às condições de vulnerabilidade e ao empobrecimento que podem elevar o número de idosos em situação de rua.

Atualmente, o número de pessoas em situação de rua em Minas Gerais é de 18 mil pessoas, sendo metade residentes de Belo Horizonte. O primeiro Censo de população de rua realizado em 1998 mostrou que, em BH, apenas 18 pessoas tinham 60 anos ou mais. Já o Censo mais recente, de 2013, registrou um aumento considerável dos idosos em situação de rua: dos 1.827 entrevistados, 70 pessoas tinham 60 anos ou mais.

A busca pela compreensão do processo de envelhecimento sob a ótica de idosos em situação de rua foi tema da pesquisa de mestrado realizada pela enfermeira Aline Figueiredo Camargo, com orientação da professora Sônia Maria Soares, no Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“O que mais me motivou a fazer essa pesquisa foi tentar saber como esses idosos vivem na rua: como eles tomam banho, comem e passam esse processo de envelhecimento sob a ótica deles mesmos. Outro objetivo da pesquisa foi a investigação de como os idosos passam pelo processo transicional de casa para rua, saúde para doença e como eles se adaptam de acordo com a visão da sociedade”, reporta Aline.

Observação não participante

A coleta de dados aconteceu entre os meses de julho a setembro de 2019. Foram entrevistados 14 idosos que viviam em situação de rua por mais de um ano na região Centro Sul de BH.

A pesquisa foi realizada nos dois Centros de Referência da População em Situação de Rua (Centro POP) de Belo Horizonte, vinculados a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania da prefeitura de Belo Horizonte.

“Um dos métodos usados foi a observação não participante. Primeiro, fui aos dois centros de referência e observei a rotina daquelas pessoas. Os técnicos que atuavam naqueles locais me auxiliaram muito na identificação das pessoas”, detalha a pesquisadora.

A pesquisadora realizou, também, entrevistas com os idosos. Em seguida, ela transcreveu e agrupo as informações em três categorias analíticas: a invisibilidade social do envelhecimento em situação de rua; o processo de transição; o cuidado de enfermagem e os desafios contemporâneos emergentes do aumento desta demanda.

Todos os idosos que participaram do estudo eram do sexo masculino com idade entre 60 e 75. A maioria era separado ou divorciado e possuía ensino fundamental incompleto.

O tempo médio de vivência na rua foi de 6,9 anos. Quanto a situação financeira, 10 idosos possuíam renda fixa mensal de R$ 91,00 (Bolsa Família) e quatro idosos tinham aposentadoria ou Benefício de Prestação Continuada (BPC) com valor equivalente a um salário mínimo.

“Vi que, de forma geral, o idoso está na rua principalmente devido a conflitos familiares, rompimento de vínculo com amigos e com a família. É diferente dos jovens que vão para rua devido ao uso abusivo de drogas ou problemas de relacionamento”, comenta a pesquisadora.

Idosos em situação de rua e domiciliados

O estudo mostrou que o idoso em situação de rua passa pelo envelhecimento e pelas transições relacionadas ao ambiente e à saúde de forma satisfatória. Em geral, a pesquisadora notou que a maioria deles se comporta como os idosos domiciliados.

Segundo Aline, os idosos que mostraram maior capacidade de adaptação tinham uma característica comum específica: a capacidade de tomar todos os medicamentos e cuidar da própria saúde mesmo estando em situação de rua. Muitos conseguiram criar uma rotina de atividades básicas, como higiene corporal e manutenção do sono.

A pesquisadora observou que, entre os que demonstraram dificuldade nos processos de transição, há uma tendência no consumo de álcool e tabaco em quantidade excessiva. Os principais fatores de vulnerabilidade dos idosos são a falta de moradia e a escassez renda.

“É uma população que, ao meu ver, tem uma invisibilidade social bastante significativa. Por isso, precisamos de novas pesquisas, precisamos mostrar que existem idosos em situação de rua, precisamos mostrar que essa demanda está aumentando”, relembra a pesquisadora.

Vulnerabilidades do envelhecimento

Para Aline é impossível entender as vivências de um idoso em situação de rua sem considerar os métodos de sobrevivência dessa população. É importante entender o processo de envelhecimento e identificar que a fragilidade dos idosos em situação de rua é um fator que complica a inserção dessa população na sociedade até mesmo dentro do contexto das ruas.

“Ainda que parte dos idosos se comportem como os domiciliados, há aqueles que enfrentam dificuldades: não tomam banho, não procuram o abrigo e reclamam muito da falta de respeito em relação à população de rua. Alguns já foram assaltados, mas, como não têm a locomoção preservada, não conseguem fazer nada. Eles não têm mais a vitalidade do jovem que está nas ruas”, reflete a pesquisadora.

A fragilidade em relação aos direitos dessa população também complexifica o problema. Parte dos idosos não é respeitado pelos colegas, não consegue inserir-se no mercado de trabalho, e não tem acesso à aposentadoria ou a benefícios sociais.

“O que mais me surpreendeu foi a história de vida desses sujeitos. Tinha dia que eu voltava para casa rindo, tinha dia que eu voltava para casa chorando. Eu tive essa oportunidade maravilhosa, que foi muito satisfatória essa pesquisa para mim “, finaliza Aline.

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