Artigo de Marcelo Mattos Pedreira*
O último relatório SOFIA da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de 2020 aponta para um aumento per capita do consumo de pescado com uma estabilização da produção de pescado capturado e um aumento do cultivado nos últimos anos. Em 2018, pela primeira vez, a produção de pescado para o consumo humano oriundo do cultivo ultrapassou o pescado de captura, diferença esta que tende aumentar cada vez mais. Esse crescimento está relacionado a um processo mundial de urbanização, com aumento de renda per capita e consequentemente, exigência do mercado consumidor por produtos diversos, mais confiáveis e de qualidade, onde ser mais saudável e de boa procedência tornou-se uma necessidade.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), observa-se a mesma tendência de aumento no consumo per capita, assim como na produção de pescado cultivado, aumentando ano após ano, crescendo 4,9% somente de 2018 para 2019, atingindo um total de 758,006 toneladas/ano, levando a uma mudança de hábito alimentar. Até mesmo o estado de Minas Gerais, que não tem tradição no consumo de pescado, já se tornou o quarto maior produtor de peixe do País, apresentando um crescimento de 16,4% do ano de 2018 para 2019, sendo o terceiro produtor de tilápia, peixe que compõe 94,17% da produção estadual.
Esse crescimento decorre do aumento de profissionais especializados na área e do investimento em tecnologia nos últimos anos. Na década de 70, foram iniciados os cursos de recursos pesqueiros no Brasil. Já em 1980, foi implantada a tecnologia de reprodução e larvicultura de espécies reofílicas, o que permitiu o cultivo de uma série de espécies nativas. Na década de 90, foi trazida para o Brasil a tilápia tailandesa e desenvolvida a técnica de sua reversão sexual, além da implementação do tanque-rede e a ração extrusada, levando o País a se tornar o quarto maior produtor de tilápia no mundo.
Na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Diamantina (MG), no ano de 2002 foram iniciados os trabalhos de pesquisas na área de aquicultura, sendo algumas delas com espécies nativas do São Francisco, em função de parceria com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), em Três Marias (MG). Uma dessas espécies pesquisadas foi o matrinxã, que apresentou cultivo viável em tanque-rede. Outros trabalhos foram desenvolvidos com a larvicultura de pacamã, um bagre apreciado pela sua carne e que apresentou potencial para o cultivo, o que provocou mais estudos, posteriormente adotados por outras instituições de pesquisa. Projetos de extensão com produtores também foram realizados e um bom exemplo a ser citado é o que foi desenvolvido na comunidade de Mandassaia, na represa de Irapé, ajustando tecnologias de cultivo de peixes em tanque-rede e otimizando a produtividade. Todas essas ações possibilitaram a criação do Laboratório de Aquicultura e Ecologia Aquática na UFVJM.
Atualmente, a produção de peixes em tanques escavados e tanques-rede tem se intensificado. Recentemente, os sistemas de produção em ambientes confinados, com recirculação, bioflocos, dentre outros, começaram a ser comercialmente viáveis, o que permite o cultivo mais próximo ao consumidor. Essa modalidade de cultivo demanda uma maior tecnificação, custos e riscos, e nesse sentido, é importante a manutenção da formação de massa crítica e de pesquisas que propiciam o desenvolvimento dessas inovações tecnológicas, o que já vem sendo realizado nas universidades e centros de pesquisas.
O Laboratório de Aquicultura e Ecologia Aquática da UFVJM, procurando estar em consonância com as atuais demandas do setor, tem desenvolvido pesquisas sobre intensificação do sistema de produção com melhor aproveitamento do recurso “água”, diminuindo o impacto ambiental e mantendo o bem-estar do peixe. Estudos como o enriquecimento de tilápias com ácidos graxos, a fim de gerar um produto mais saudável para o consumo humano e a avaliação da adição de fitoterápicos, pró e pré-bióticos, como substitutos dos antibióticos, já que esses potencializam a ocorrência de bactérias resistentes, vêm sendo conduzidos pelo Laboratório.
Para acompanhar essa nova fase da aquicultura nesse mundo conectado virtualmente, faz-se necessário melhorar a comunicação para promover a integração entre as pessoas que desenvolvem tecnologias inovadoras, com consequente otimização dos esforços de pesquisa e repasse desse conhecimento para os divulgadores e sua aplicação. Além de esclarecer para a sociedade que a integração entre universidade e sociedade se faz, basicamente, pela formação de profissionais e pela construção do conhecimento, e não apenas pela prestação de serviços diretos.
Cabe ressaltar que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e demais órgãos de fomento têm sido fundamentais para o desenvolvimento do setor aquícola, assim como para o agronegócio brasileiro, dando oportunidade às regiões menos favorecidas, como as áreas de abrangência da UFVJM, onde naturalmente, não há o investimento maciço de empresas privadas, o que ajuda, sobremaneira, a dirimir as diferenças regionais.
*Professor do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Titular da disciplina de Aquicultura e Piscicultura e coordenador do Laboratório de Aquicultura e Ecologia Aquática.
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