* Artigo de Rafaela Salgado Ferreira,
professora do departamento de Bioquímica e Imunologia do
Instituto de Ciências Biológicas da UFMG
Na medida em que o número de infectados e mortos pela Covid-19 aumenta rapidamente, cresce também o anseio da população por um tratamento efetivo contra a nova doença.
Neste cenário, surgem diversas perguntas: O que é necessário para que um medicamento possa ser recomendado e em quanto tempo estará disponível? O que a comunidade científica e os governos têm feito nesse sentido?
Não é possível dizer com precisão quando teremos um tratamento adequado contra a Covid-19. É preciso entender que o desenvolvimento de remédios é um processo geralmente muito caro e demorado — pode levar mais de uma década e custar bilhões de dólares.
Por maior que seja o interesse em agilizar esse processo, certificar a eficácia e a segurança de um medicamento exige estudos cuidadosos. Sem tais estudos, entidades governamentais não têm respaldo para indicar a aplicação de um tratamento. Em outras palavras, a demanda não pode gerar negligência na tomada de decisões, uma vez que a aplicação de um tratamento com graves efeitos colaterais pode causar mais danos do que benefícios para a população.
Etapas
Para que um novo medicamento chegue ao mercado, são necessárias inúmeras etapas de pesquisa em laboratório, que indiquem sua eficácia, a segurança em modelos animais e indícios de segurança também em humanos. A seguir, ocorre a etapa de ensaios clínicos, na qual ocorre a confirmação de que é eficaz e seguro para as pessoas. Apenas então, o medicamento é aprovado por agências regulatórias, para sua utilização contra uma doença específica, e pode ser comercializado.
Em resposta à pandemia da Covid-19, diversos grupos de pesquisa trabalham na busca de substâncias ativas contra o vírus, que podem tornar-se medicamentos. A comunidade científica tem se mobilizado de forma extremamente ágil, o que permitiu a obtenção rápida de dados e a publicação de centenas de artigos científicos.
Dentre esses trabalhos, já foram descritas diversas novas substâncias com atividade contra o vírus SARS-Cov-2, causador da Covid-19. Para estimular e fomentar essas iniciativas, órgãos nacionais e internacionais promovem oportunidades de financiamento, em busca, principalmente, de ações emergenciais e projetos que possam contribuir para o enfrentamento da pandemia.
Medicamentos antigos contra a Covid-19
Desenvolver um novo medicamento não é a única opção para obtermos um tratamento contra a Covid-19. Existe também a alternativa de reposicionamento de fármacos já existentes. Como tratam-se de substâncias cujo uso por humanos já é aprovado, é possível eliminar muitas etapas do processo tradicional e iniciar rapidamente os ensaios clínicos.
Assim, uma grande vantagem de aplicar a estratégia de reposicionamento é a maior agilidade desse processo. Estudos com fármacos já aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA) indicaram compostos promissores para curar pacientes com Covid-19. Baseados nestes estudos, ensaios clínicos com medicamentos como cloroquina, hidrocloroquina, e antivirais como remdesevir e lopinavir estão em andamento.
No entanto, por maior que seja o anseio de utilizar esses medicamentos para salvar vidas, sua utilização também pode trazer riscos para os pacientes. Por isso, atualmente, entidades como a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde ainda não recomendam nenhum medicamento como tratamento para a Covid-19.
Estratégias
É importante adotar as duas vias estratégicas neste momento. Por um lado, a grande agilidade e o menor custo do reposicionamento de fármacos tornam esta escolha muito atrativa. Por outro, o conjunto de moléculas disponíveis, neste caso, é milhares de vezes menor do que o que pode ser explorado no desenvolvimento de novos fármacos.
Não há garantias de que seja encontrado um tratamento eficaz e seguro contra a Covid-19 dentre medicamentos já existentes. Além disso, é sempre interessante ter múltiplas opções de terapia para uma doença, pois cada medicamento pode ter contraindicações para determinados grupos de pacientes. E devemos considerar, também, que tratamentos antivirais podem perder sua eficácia devido a mutações do vírus.
Finalmente, é importante lembrar que a ciência é construída de maneira incremental, e as pesquisas sobre a Covid-19 podem ajudar a responder de forma mais eficaz a novas epidemias. Em 2003, muitas pesquisas foram iniciadas devido à epidemia de SARS, mas nenhum medicamento foi desenvolvido.
Recentemente, um vírus com genoma 80% idêntico surgiu, causando uma pandemia que já é vista como o grande desafio deste século. Algumas das proteínas dos vírus SARS-Cov e SARS-Cov-2, causadores de SARS e Covid-19, e que são alvos para o desenvolvimento de fármacos, são quase idênticas. Muitas das pesquisas desenvolvidas há quase 20 anos estão acelerando a geração de conhecimento científico para controlar a Covid-19. Da mesma forma, nossos esforços de agora podem contribuir para enfrentar a próxima epidemia.
*Rafaela Salgado Ferreira também é personagem do primeiro volume do e-book Mulher faz Ciência