*Artigo de Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de
Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPEMIG
O século XXI iniciou-se com um paradoxo. Se, por um lado, eram evidentes os avanços proporcionados pela Ciência e pela Tecnologia, que nos permitiam contato com ideias científicas e com diferentes culturas através da internet, esse mesmo instrumento deu voz a uma onda negacionista da Ciência, originada da ignorância, do fundamentalismo religioso, ou mesmo da má-fé. Esse negacionismo vinha ganhando corpo, com consequências danosas à sociedade. Como exemplo, graças ao movimento antivacinas, doenças já erradicadas no Brasil, como o sarampo, voltaram a ameaçar a saúde e a vida, especialmente de crianças.
Fatos bem estabelecidos cientificamente passaram a ser contestados na base de opiniões sem qualquer verificação, gerando pós-verdades disparatadas (como o terraplanismo) e desconsideração pelo conhecimento científico. O público quer verdades absolutas, o que a Ciência não admite. Há “verdades” que se propagam despudoradamente nas redes sociais, sem qualquer compromisso com a realidade, e cuja validação depende apenas do número de compartilhamentos – crenças que não resistiriam a um minuto de reflexão honesta ou a uma simples verificação.
Mas eis que uma nova e ameaçadora realidade veio se impor: um vírus patogênico com características novas e desconhecidas e com grande poder de propagação. Por ser completamente novo, não temos protocolos, medicamentos ou vacinas para enfrentá-lo. A tentativa inicial de negá-lo (“trata-se de gripezinha”) não prosperou diante da acachapante realidade que diariamente nos salta aos olhos. Esse desconhecimento somente poderá ser superado com pesquisa científica. Percebemos que uma vacina é a melhor forma de vencer o vírus. Remédios precisam ser descobertos, mas, para serem considerados seguros e eficazes, é necessário que passem por rigorosa verificação. Seria um absurdo um cientista recomendar um medicamento cuja eficácia e segurança não fossem comprovadas (isto não é burocracia científica, Mr. Trump!). Precisamos de estudos epidemiológicos para o planejamento das ações de saúde. Em suma, nossa resposta depende de pesquisa científica, baseada em evidências, e não de ideias preconcebidas ou de fundamentalismos políticos ou religiosos que ainda tentam se impor.
Nossas instituições de pesquisa, mesmo tendo sofrido nos últimos anos com cortes no seu financiamento e até com ataques ideológicos, estão respondendo de forma clara ao desafio colocado. Grupos de pesquisa estão se oferecendo para contribuir na busca das respostas necessárias ao enfrentamento da pandemia ou na realização dos testes diagnósticos necessários. Vemos grupos das universidades se voluntariando para a construção de máscaras e equipamentos de proteção, para a assistência social e divulgação de informações seguras, dentre outros. Pessoas que há pouco eram acusadas de promover balbúrdia ou rotuladas de parasitas têm mostrado o seu valor. A FAPEMIG tem induzido pesquisas voltadas ao diagnóstico, formas de tratamento e criação de vacina, bem como apoiado outras iniciativas relevantes.
A contribuição da ciência brasileira é pouco reconhecida. O Brasil já viveu surtos de outras doenças graves que foram erradicadas ou controladas com o concurso da nossa Ciência, como a febre amarela, poliomielite, sarampo, peste bubônica, varíola, caxumba, etc. Mais recentemente, a descoberta brasileira do dano neurológico pelo vírus Zika poupou milhares de crianças de terem microcefalia. O Brasil, que até os anos 1960 importava alimentos, passou a ser exportador de grãos e carne graças às nossas pesquisas agrícolas. Imagine como estaria nossa economia se ainda dependêssemos da importação de alimentos e de petróleo, o que superamos com a tecnologia brasileira de prospecção de petróleo em águas profundas. Como estaria o preço da gasolina se não tivéssemos desenvolvido motores automotivos movidos a álcool?
Isso mostra que a Ciência brasileira é capaz de dar respostas relevantes, mas precisa ser ouvida e apoiada. A nova pandemia tem ressaltado a importância fundamental de nossas instituições, muitas das quais vinham sofrendo com cortes sucessivos e significativos nos seus orçamentos. O SUS, mesmo com todas as suas deficiências, derivadas principalmente do seu subfinanciamento, é o diferencial que pode diminuir a gravidade da Covid-19 no Brasil. A Educação com bases científicas é imprescindível para a formação de cidadãos mais conscientes. Finalmente, ainda temos um Sistema de Ciência e Tecnologia com grande capacidade de gerar conhecimento e soluções inovadoras para a superação da crise em que nos encontramos, e capaz de dar suporte a um novo modelo de desenvolvimento econômico e social, baseado menos em produtos primários e mais em conhecimento.