“Não há arcabouço lógico no que acaba de me dizer”.
Diante de tal comentário de Pietro, só lhe restava, mesmo, o fim. E as malas, e a estrada. E a imprevisibilidade de horizontes inolvidáveis.
Ela já o conhecera assim, é bem verdade! Desde o primeiro beijo, afinal, Pietro deixara explícita sua descrença em relação a tudo o que não se pudesse, disciplinadamente, averiguar.
Encerrado o ato oscular, lá estava ele, de olhos abertos, a organizar o indefinível: “Que algo fique claro: não se trata de paixão ou outras invencionices humanóicas. Entregamo-nos, tão somente, a certo rito cultural, expresso nesta simbólica troca de secreção salivar”.
“Não há arcabouço lógico no que acaba de me dizer”.
Diante de tal comentário de Pietro, logo ali, na DR última, só lhe restava, mesmo, a alternativa da fuga. E a permissão para vagar. Ou desfazer, errar, abismar!
De todo modo, ela já o conhecera assim, é bem verdade! Que o diga o desprezo de Pietro em relação à arte, a almoços de domingo, a processos eleitorais ou à “infantilóide cantilena” dos torcedores de futebol.
Que o diga sua hierarquia de ofício, no prestigioso Laboratório de Biologia Humana e Biofísica, onde, com precisão nanométrica, coordenava experimentos, lustrava rigores, desancava temores.
Que o diga a incapacidade de Pietro em acariciá-la, a cada sete dias, quando finda a pragmática sexual, para falar de “nossos fluidos fisiologicamente orquestrados, a buscar alívio à pressão corpórea, de maneira a desarticular tensões neuromusculares”.
Que o diga, há que se exaltar, a aversão de Pietro à inútil prosopopeia dos que se arvoram poetas.
“Não há arcabouço lógico no que acaba de me dizer”.
Diante de tal comentário, quando ela, corajosamente, falara em “amor”, só lhe restava, mesmo, abrir aquelas imprecisas – mas imensas – asas de arribação, cujas penas multicores orgulhava-se, enfim, de ostentar.