A participação de pesquisadores mineiros em missões de escavação no Egito tem sido tema recorrente deste site.
Há cerca de um ano, divulgamos o projeto de de José Roberto Pellini, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), responsável pela escavação de uma tumba na margem oeste do Nilo, na Necrópole de Luxor.
Pellini é também um dos fundadores do Programa Arqueológico de Brasileiros no Egito (Bape – Brazilian Archaeological Program in Egypt), que detém a concessão para investigar o local.
Agora é a vez de um professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) integrar uma equipe de escavação de tumba no Egito.
Fábio Frizzo é professor do Departamento de História e participará de um projeto argentino que busca escavar, restaurar e pesquisar a tumba de um nobre egípcio, Amenmose, que viveu entre 1479 e 1458 antes de Cristo.
A participação de Frizzo coloca a UFTM entre as universidades brasileiras que trabalham internacionalmente com pesquisas egiptológicas.
Temos que valorizar a produção mineira, já que a participação em projetos deste tipo transforma Minas Gerais num grande polo da Egiptologia brasileira e temos que fortalecer os laços e os investimentos para expandir esse potencial.
Escavação no Egito no Projeto Amenmose
O Projeto Amenmose é coordenado pela professora Andrea Zingarelli, egiptóloga da Universidad Nacional de La Plata, na Argentina, que foi co-orientadora de Frizzo no doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Fazem parte da missão a Universidade Nacional de La Plata (UNLP), a Universidade Nacional de Cordoba(UNC), a Universidade de Buenos Aires (UBA) e o Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina (CONICET).
Tais órgãos trabalham em conjunto com o Ministério das Antiguidades do Egito na pesquisa e preservação do patrimônio cultural da humanidade localizado naquele país.
Os pesquisadores que compõem o projeto preparam as malas para a viagem. As autoridades egípcias autorizaram o trabalho na tumba entre os meses de janeiro e fevereiro de 2020.
A tumba e o trabalho de campo
A tumba foi cavada nas formações rochosas naturais da região, conhecida hoje como Sheikh Abd el-Qurna, na atual cidade de Luxor, no Egito.
Na época da vida de seu dono, era a região da cidade de Tebas, que serviu por muito tempo como a capital do Egito faraônico.
O homem para o qual a tumba foi elaborada chamava-se Amenmose, responsável pela construção da Necrópole Real de Tebas, lugar onde eram enterrados os faraós naquele período.
Descoberta em escavações anteriores do local, a tumba conta com uma decoração de relevos e painéis riquíssimos para a compreensão da cultura faraônica do período.
Segundo Fábio Frizzo, o projeto visa gerar conhecimento sobre este patrimônio da humanidade e preservá-lo para a posteridade:
A missão está em fase de busca por recursos financeiros com as agências argentinas e internacionais.
O sítio não foi publicado integralmente e não houve grandes esforços de preservação. Assim, este patrimônio está correndo risco de desaparecer sem que tenha sido estudado e publicado internacionalmente.
Ampliação da participação do Brasil em missões estrangeiras
Para Fábio Frizzo, como a área de estudos sobre o Egito Antigo ainda dá seus primeiros passos no país, foram fundamentais as experiências fora do Brasil para sua formação.
Durante o doutorado, ele esteve no Instituto dos Países Baixos para o Oriente Próximo, sediado na Universidade de Leiden, Holanda, e também foi beneficiado por um convênio bilateral com a Universidade Nacional de La Plata, na Argentina.
As primeiras pesquisas de Frizzo tinham foco nos costumes funerários do Egito Antigo e, a partir do mestrado, passou aos processos políticos, econômicos e culturais ligados ao imperialismo que a sociedade faraônica exerceu em regiões da Síria-Palestina e da Núbia durante a segunda metade do IIº Milênio a.C..
Em resumo, foi só através do investimento público em ciência, tanto do Brasil quanto da Argentina, que fui capaz de me formar e experimentar espaços internacionais de discussão. Tudo isto foi extremamente importante para a minha formação e tento traduzir isso, hoje, na sala de aula, com meus e minhas estudantes.
O que os estudos sobre o Egito Antigo nos ensinam?
Durante toda sua vida acadêmica, então, Frizzo se dedicou a compreender o período conhecido como Reino Novo, em especial, os governos da XVIIIª Dinastia de faraós, que conta com alguns dos mais conhecidos monarcas do Egito, como, por exemplo, Tutankhamon e seu pai Amenhotep IV/Akhenaton.
Foi neste período que o Egito expandiu sua esfera de influência para a Síria-Palestina e a Núbia, compondo de maneira bastante ativa as redes que integravam o Mediterrâneo Oriental.
Tal processo, segundo o pesquisador, foi dirigido pela elite tebana, que se beneficiou bastante das riquezas produzidas no Egito e conquistadas no exterior através de expedições militares e processos de colonização.
Além de serem reflexo dessas riquezas, tumbas como as que vamos escavar são exemplos dos costumes funerários dessa elite tebana e contém imagens da sua vida cotidiana.
Assim, para além de elementos da religião egípcia, as imagens e textos das tumbas também trazem representações da vida econômica e produtiva, cenas da vida agrícola, de caça, pesca, produção de cerveja e da ação do Estado na medição dos campos para tributação.
Para os brasileiros, a participação nas missões de escavação no Egito tem enormes benefícios para a formação dos pesquisadores do passado egípcio.
É importante que consigamos construir maneiras de manter canais abertos para possibilitar essas experiências para outras brasileiras e brasileiros. Fora isso, já é reconhecida a contribuição fundamental que pesquisadores e pesquisadoras de regiões periféricas da produção egiptológica podem ter na construção do conhecimento sobre o Egito antigo.
Contribuições à Egiptologia: outros modos de ver o passado
Frizzo explica que a Egiptologia faz parte do conjunto de disciplinas constituídas naquilo que foi chamado Orientalismo, ou seja, um discurso principalmente europeu sobre algumas sociedades do Norte da África e parte da Ásia, associado à ação imperialista das nações europeias naqueles lugares.
Segundo ele, as narrativas egiptológicas estiveram muito contaminadas pela ideologia imperial do século XIX.
Após meados do século XX, a partir da descolonização da Ásia e da África, tratou-se de iniciar uma nova visão sobre essas sociedades, influenciada pela chamada teoria pós-colonial.
Aqui entram as possibilidades dos brasileiros como pesquisadores daquele passado. Como nós também tivemos uma posição periférica e subalterna no desenvolvimento do conhecimento e da economia mundiais, isto pode nos dar insights sobre formas de ver aquele passado antigo com uma menor influência da ideologia colonial.
Outro ponto destacado pelo professor é que a mesma posição periférica na economia mundial fez com que a escravização africana no Atlântico moderno constituísse a cultura brasileira como uma cultura da diáspora africana.
Somos um país ligado diretamente à África. Neste sentido, temos muito a aprender no diálogo com as culturas ancestrais daquele continente. Isto deve ser revertido nas discussões sobre ensino de História no Brasil. Afinal, como grande civilização o passado, o Egito antigo foi afastado das suas raízes africanas, assim como o projeto das elites brasileiras também tratou de nos afastar da África, tanto através da criminalização e do preconceito contra os traços afro-brasileiros da nossa cultura, quanto por meio da domesticação e embranquecimento dessas heranças.
O Egito faraônico, assim, pode ter uma ligação direta com a realidade brasileira através do resgate crítico das heranças africanas, voltado para a construção de identidades para os e as jovens, que valorizem os diversos aspectos da africanidade.
Minha participação coloca a UFTM em um contexto internacional de pesquisas egiptológicas, em que poucas universidades brasileiras estão inseridas. Também é a divulgação de produção científica brasileira, no âmbito internacional, acerca do passado da humanidade e de preservação de seu patrimônio material.