Do alto de seus dois metros e quatro centímetros, Hércules contempla o mundo como território restrito a grandezas.
No prato, prefere os maiores legumes, os vitelos de quilo, os graúdos feijões. Tudo, é claro, provindo de latifúndios, equipados com a mais avassaladora das tecnologias.
Dos amigos de basquete, prefere a argúcia dos iguais, com estatura (física ou moral) acima dos 200 cm. Tem ojeriza a expressões intimistas, petits comités, bonsais ou ambientes “quarto e sala”.
Só assiste a blockbusters, em shoppings de megalópoles, ou a shows em estádios. No zoológico da vida, despreza periquitos, pequenos roedores ou moscas zombeteiras.
Louva, isso, sim, a naturalidade dos paquidermes, a elegância das baleias azuis, o grandiloquente rastejar das anacondas.
Mora num galpão high tech, sem portas ou paredes, onde realiza festas homéricas, destinadas ao extenso panteão de amigos e amores mastodônticos.
Dorme em leito ultra-king-size, do qual, a cada estrondoso amanhecer, levanta-se para conquistar o mundo.
A caminho do trabalho, ao volante de sua cabine tripla, reordena, no cérebro proeminente – sempre abarrotado de pensamentos, cálculos e responsabilidades –, os incalculáveis afazeres do dia.
Já no amplo laboratório, com os enormes olhos castanhos aninhados ao microscópio de milhões de dólares, observa, atento e orgulhoso, as delicadas formas daqueles zilhares de nanocompostos de carbono.
Trata-se, como se sabe, das incríveis estruturas de um milionésimo de milímetro, com as quais, um dia, Hércules pretende vencer o estratosférico inimigo de seu tempo: o câncer.