Formado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com Mestrado e Doutorado em Saneamento e Meio Ambiente (UFMG), o pesquisador Marcos Paulo Gomes Mol conversou com a Minas Faz Ciência sobre um tema que tem ganhado atenção na mídia: a fármaco poluição.
Marcos atua na Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD) da Fundação Ezequiel Dias (Funed) e outras pesquisas de sua autoria já versaram sobre a responsabilidade no processo de incineração dos resíduos de serviços de saúde e o risco de infecção pelas hepatites B e C nos trabalhadores da coleta dos resíduos de serviços de saúde e domiciliares na capital.
Na entrevista abaixo, Marcos compartilha sua trajetória acadêmica, fala de seus temas de pesquisa e dos perigos da fármaco poluição, além de tratar dos desafios da gestão de resíduos.
Confira a entrevista:
Fale-me um pouco da sua trajetória acadêmica e profissional. Como chegou aos temas que pesquisa atualmente?
Ainda durante a graduação (2005-2006), fiz estágio na Prefeitura de Ouro Preto, atuando em um projeto com catadores de materiais recicláveis que trabalhavam no lixão, à época.
Acompanhei a criação de uma associação organizada desses trabalhadores, mudando o local de trabalho para um galpão específico, com o apoio da prefeitura.
Desde essa época, o tema gestão de resíduos passou a fazer parte da minha atuação profissional. Depois de formado, fui trabalhar na Unidade de Gestão Ambiental da Funed, atuando com demandas de gerenciamento ambiental.
Passei a coordenador da unidade e fiquei até 2015, quando recebi o convite para atuar na Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento, tendo como uma das metas propor alternativas para a remoção dos fármacos dos efluentes líquidos gerados na instituição.
Como podemos definir a fármaco poluição? Em que ela é diferente de outros tipos de poluição?
Falar em fármaco poluição significa reconhecer que medicamentos não estão sendo tratados de forma adequada nos efluentes líquidos. De uma maneira ou de outra, estão chegando e permanecendo nos corpos d’água.
A detecção de substâncias no meio ambiente, como pesticidas, produtos farmacêuticos, produtos de saúde, e esteroides, em baixas concentrações, tem aumentado recentemente.
O crescimento de tais detecções só foi possível devido ao desenvolvimento de instrumentos e métodos analíticos que permitem a identificação de compostos mesmo em níveis muito baixos.
Os métodos analíticos mais sofisticados desenvolvidos nas últimas décadas permitiram a quantificação de resíduos de medicamentos e de seus metabólitos em diversos ambientes.
A partir desses estudos, resíduos de fármacos têm sido descritos em estações de tratamento de esgoto de diversos países, em efluentes domésticos, hospitalares e industriais, no solo e até mesmo na água tratada, indicando a capacidade de difusão destas substâncias no meio ambiente.
Os produtos farmacêuticos constituem uma classe heterogênea de substâncias químicas com propriedades diversas, levando a formação de um resíduo de alta complexidade, o que dificulta o tratamento para sua eliminação.
Os medicamentos são uma parte essencial da medicina humana moderna e milhares de toneladas são usadas anualmente em todo o mundo. No entanto, ainda há uma falta considerável de conhecimento sobre seus destinos e impactos no meio ambiente.
Que doenças ou danos à saúde da população, e também ao meio ambiente, podem ser associados à fármaco poluição?
A presença de produtos farmacêuticos nos corpos d’água tem sido enfatizada, uma vez que as estações de tratamento de esgoto (ETE) convencionais não foram projetadas para eliminar esses microcontaminantes.
Consequentemente, estes poluentes são descarregados parcialmente inalterados no ambiente através do efluente das ETEs.
Mesmo em níveis de traços, ou seja, em pouquíssima quantidade, alguns medicamentos podem apresentar toxicidade para organismos presentes nos corpos d’água.
Os efeitos conhecidos envolvem a toxicidade direta aos organismos aquáticos, ou seja, uma dose que leva à morte dos microrganismos, como também há os efeitos de genotoxicidade (alterações genéticas nos organismos expostos), redução da mobilidade dos organismos expostos, incapacidade de realizar funções vitais, entre outros efeitos.
Uma vez lançados nos corpos d’água sem tratamento, além do efeito sobre a fauna e flora do ambiente aquático, os resíduos de medicamentos e seus metabólitos podem chegar aos pontos de captação de água para abastecimento.
Portanto, as estações de tratamento de água recebem potencialmente a água contendo estes micropoluentes, e nem sempre há técnicas para efetivar a remoção destas substâncias. Logo, existe a possibilidade destas substâncias chegarem até a água para o consumo.
Quais os efeitos para os seres humanos?
Quando se discute os efeitos sobre o ser humano, podem-se destacar alguns grupos de medicamentos que, por suas ações biológicas, são alvo de maior preocupação e vigilância. São eles:
- os antineoplásicos e outros medicamentos com propriedades citotóxica, carcinogênica, mutagênica ou teratogênica;
- os antimicrobianos e desinfetantes devido aos efeitos sobre a flora bacteriana;
- os hormônios pela alta potência e baixa seletividade, atuando sobre múltiplos sistemas;
- os metais presentes em alguns medicamentos e agentes diagnósticos, devido a sua toxicidade, acumulação e persistência.
Todos estes efeitos são potencialmente possíveis. Destaca-se o efeito potencial, uma vez que há uma elevada diluição natural destas substâncias que, muitas das vezes, faz com que os efeitos não sejam perceptíveis em curto prazo.
Qual o cenário da pesquisa sobre este tema no Brasil?
De forma geral, no Brasil e nos países em que o sistema de saneamento não alcançou a universalização, grandes quantidades de esgoto não tratado são descartadas diretamente em corpos d’água.
Isso torna mais problemático o contexto dos fármacos, que chegam às águas superficiais. As principais fontes desses resíduos são o esgoto doméstico, os efluentes hospitalares e industriais, o descarte de medicamentos com prazo de validade expirado e as sobras domésticas daqueles não utilizados.
Ou seja, os medicamentos podem chegar ao meio ambiente através do lançamento indireto (quando há o consumo dos medicamentos pelos humanos ou animais, e uma parcela não assimilada pelo organismo é excretada inalterada, em conjunto com alguns metabólitos); ou através do lançamento direto, quando os resíduos de medicamentos ou matérias primas são descartados indevidamente no vaso sanitário, ou junto com os resíduos comuns.
Mesmo com esse cenário agravante, os estudos sobre a presença de micropoluentes nas águas superficiais brasileiras ainda são incipientes, apesar dos avanços observados por alguns grupos de pesquisa no país.
Que cuidados devemos tomar na hora de “jogar fora” remédios fora da validade ou que já não nos servem mais para evitar a fármaco poluição?
É de extrema importância buscarmos alternativas para destinação adequada dos resíduos de medicamentos.
Algumas iniciativas são observadas em drogarias, hospitais e outras unidades de atendimento à saúde para receber os medicamentos vencidos e proporcionar a destinação adequada, que muitas das vezes pode incluir a técnica da incineração para o tratamento.
Chamo atenção que esta é uma das técnicas possíveis para tratamento destes resíduos, havendo outras alternativas, inclusive a destinação em aterro sanitário, dependendo da composição do fármaco.
Para isso é necessário fazer uma análise dos riscos associados a todos os componentes presentes na sua composição. Destaco aqui a importância de ser avaliada a característica de cada grupo de medicamentos, por haver diferentes enquadramentos de riscos para estes produtos.
O que diz a lei brasileira sobre este tema?
O aparato legal para buscar o tratamento de todos os resíduos de medicamentos vencidos está baseado na lei 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e inclui a logística reversa como responsabilidade para os órgãos públicos e empresas privadas associadas à cadeia de produção/comercialização de medicamentos.
A regulamentação específica para os medicamentos está em fase de construção, e prevê a consolidação de uma estrutura para recolhimento e destinação final de todos os resíduos de medicamentos, evitando assim o lançamento incorreto nos corpos d’água ou lixões.
A população deve ficar atenta às alternativas de locais para recolhimento dos medicamentos, oficiais e validados pelos fabricantes, e fazer a sua parte levando os resíduos de medicamentos a estes locais para o descarte/destinação final correta.