Encontrada, principalmente, na ponta dos dedos, a impressão digital é formada por linhas elevadas chamadas de papilas.
Tais saliências se formam antes mesmo de nascermos e têm a finalidade fisiológica de dar aderência à pele, permitindo que seguremos os objetos.
Elas se constituem de padrões tão exclusivos que não se repetem, nem mesmo, em gêmeos univitelinos – irmãos com o mesmo DNA.
A digital pode ser usada para diversos fins, como desbloquear o celular, acessar a conta bancária, votar ou identificar a pessoa que cometeu um crime.
Isso é possível porque, ao tocarmos em superfícies como maçanetas, copos ou armas, deixamos, em cada objeto, uma marca, formada, normalmente, por água e gordura. Mesmo sem conseguir vê-la a olho nu, nossa digital fica registrada e pode ser capturada por equipamentos especiais.
Da ficção à realidade
Ainda que os crimes “reais” não sejam solucionados com a rapidez mostrada em episódios da CSI (Investigação Criminal) — nos quais, em menos de 40 minutos, os peritos recolhem as provas, analisam, interrogam e resolvem os casos –, o trabalho dos papiloscopistas é de suma importância à solução de casos criminais.
Assim como na ficção, o trabalho depende – e muito – da ciência.
Usada no cotidiano dos investigadores, as pesquisas estão presentes nos produtos químicos, nos equipamentos e, até mesmo, nos protocolos empregados pelos profissionais, para análise de vestígios e comprovação (científica) sobre se alguém cometeu, ou não, um crime.
A fim de aprimorar os métodos empregados nas investigações, equipe da Polícia Federal de Minas Gerais buscou parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Como lembra Flávio Melo, papiloscopista da Polícia Federal de Minas, a ideia, a princípio, era alinhar a expertise prática dos profissionais com o conhecimento acadêmico dos pesquisadores.
Foi assim que chegaram ao Departamento de Física da UFMG. “Explicamos nosso mundo e apresentamos os equipamentos e produtos que poderiam ser melhorados”, lembra Melo.
Uma das maiores dificuldades do Departamento de Investigação era a revelação de fragmentos de impressões papilares – as nossas digitais.
Segundo a papiloscopista Luciana Machado Costa, coordenadora do Laboratório de Revelações de Papilares da Polícia Federal de Minas, em algumas superfícies, é possível ver e registrar as impressões, enquanto, em outras, tudo se revela mais complicado, mesmo com o uso dos equipamentos já adquiridos.
Da polícia para a ciência
Tal contato deu origem ao projeto de pesquisa “Tecnologias Alternativas para Revelação de Impressões Digitais”, que buscou melhorar e aumentar a capacidade de revelação de impressões digitais encontradas em cenas de crimes, sem causar danos à saúde dos profissionais.
Segundo o pesquisador Luiz Cury, professor do Departamento de Física da UFMG e coordenador geral da iniciativa, o estudo foi composto por duas partes, uma delas voltada ao desenvolvimento de reveladores químicos, e a outra, à melhoria do equipamento óptico empregado nas análises.
Além dos inspetores da Polícia Federal mineira, o projeto contou com a participação de pesquisadores do Departamento de Física da UFMG – professores Luiz Ladeira e Oscar Mesquita e pesquisadoras Ana Ximenes e Lívia Gomes –, da empresa Ivision, sediada no Parque Tecnológico BHTec, e teve o apoio da FAPEMIG.
No rastro da impressão digital
Para um detetive, o primeiro passo para resolução de um crime é achar provas. No caso dos papiloscopistas, trata-se de encontrar as digitais – o que nem sempre é fácil.
Segundo Lívia Gomes, pesquisadora do Departamento de Física da UFMG, existem duas formas básicas de revelá-las: métodos ópticos e químicos.
Por ser menos invasivo, o caminho óptico, normalmente, é o primeiro a ser usado.
“Por meio dele, localizamos as digitais, para saber se estão em superfície porosa, como a parede, ou em área superlisa e refletora, como o metal. Tudo isso interfere na abordagem usada para revelar a digital”, explica Lívia.
Atualmente, o melhor aparelho óptico de investigação é o SceneScope. Importada, sua atual versão pode custar até 130 mil dólares (cerca de R$ 500 mil), o que torna sua aquisição difícil.
O desafio dos pesquisadores responsáveis pelo protótipo óptico estava em construir um equipamento eficiente e mais barato.
“A ideia era fazer algo acessível, para ter, pelo menos, um em cada Estado, já que, em todo o Brasil, existem apenas três aparelhos. Além disso, queríamos algo possível de ser implementado na polícia civil, que não conta com equipamento desse tipo”, completa.
A pesquisadora explica que o primeiro protótipo – com sensor de silício, um conjunto de lentes, filtro, luz ultravioleta e câmera fotográfica acoplada – conseguia localizar a digital.
Entretanto, não resolvia a principal preocupação dos papiloscopistas: a exposição diária dos profissionais à luz ultravioleta (UV), conhecida por potencializar o câncer de pele e causar degradação da retina ocular.
Após outras investigações, verificou-se que luzes com comprimento de onda azul permitiam que os profissionais identificassem as digitais, sem resultar em danos à saúde. “Não haverá mais perigo para eles. Afora isso, a óptica e o sensor ficaram muito mais baratos”, esclarece Lívia Gomes.
Além de atender às expectativas, o novo protótipo conseguiu cumprir um desafio lançado pelos investigadores aos cientistas: identificar a digital em um cartucho de bala. A dificuldade dessa superfície deve-se ao fato de ser curva e ter reflexão de luz muito forte.
De acordo com a papiloscopista Luciana Costa, o equipamento desenvolvido opera com o mesmo método do SceneScope, ao usar a reflexão da luz para visualizar as impressões. Porém, não causa dano ao organismo.
O desafio dos reveladores químicos
Delicadamente aplicados com um pincel próprio sobre as digitais, os reveladores químicos ajudam a revelar, como o próprio nome diz, os detalhes da marca.
Os reveladores mais usados, hoje, são caros e tóxicos. Por isso, em paralelo ao protótipo do equipamento, os pesquisadores trabalharam no desenvolvimento de um pó revelador nacional.
O carro-chefe dos reveladores químicos na Polícia Federal é o pó preto. À base de grafite, carvão e negro de fumo, o material – de coloração negra – é danoso à saúde e pode, inclusive, causar câncer de pulmão. Usado no mundo inteiro, há mais de 100 anos, trata-se de produto importado e com alto custo. Para se ter uma ideia, 30 gramas custam R$ 250.
“Além disso, ele não apresenta fluorescências, e usa contraste. Ou seja, ele é escuro e é preciso aplicá-lo em superfície clara”, explica Luciana Costa.
A tarefa dos pesquisadores era barateá-lo e evitar sua toxicidade. Para isso, a equipe da UFMG testou três pós naturais: vidros bioativos combinados com cobalto e manganês, que apresentam coloração escura e poderiam gerar contraste óptico na impressão digital; pó do urucum, com cor vermelha vibrante; e resveratrol, com possui luminescência azul na faixa de luz visível.
Segundo o coordenador geral do estudo, certos tipos de superfícies, como madeiras em PVC, muito porosas, podem absorver a digital, o que torna difícil sua visualização, até mesmo com o equipamento óptico.
“Tínhamos que conseguir um material que luminecesce, e ficasse na superfície”, lembra Luiz Cury. Entre todos os testados, o resveratrol apresentou os melhores resultados, tanto em madeiras e luvas como em outras superfícies porosas.
Derivado da casca da uva, o pó é um antioxidante natural de baixo custo, que emite luz visível azul quando excitado em um comprimento de onda ultravioleta que não faz mal à saúde humana.
O produto pode ser usado em superfície de qualquer cor – inclusive, colorida –, onde o pó preto não teria efeito.
Reportagem originalmente publicada na Minas Faz Ciência nº 76 – clique para ler o texto completo.
Com o objetivo de entregar um projeto completo, após a descoberta do revelador, os pesquisadores incorporaram, ao protótipo óptico, uma luz ultravioleta não nociva, igual às usadas no salão para secar unhas de gel, junto à luz azul já existente, de forma que os dois produtos pudessem trabalhar em conjunto.
Isso permitiu que o projeto alcançasse resultados positivos. De acordo com Lívia Gomes, o casamento do aparelho com a luz UV e o pó revelador permitiu identificar digitais em várias superfícies onde antes não era possível, como gabinetes de computador e canos.