Entre dois pontos, definitivamente, a reta se enovela.
Quando das primeiras luzes, sob os frisos da pequenina janela do quarto de dormir, no terceiro andar do edifício Cosmos, as retinas de Alberto perscrutam, dia a dia, os passos de Estela, do hall de entrada às portas do carro. Para além do já habitual a seus olhos – a calça jeans desfiada, o tênis verde-oliva, a mala e suas muitas rodinhas –, algo particular permanece a intrigá-lo: por que, afinal, naquele exato instante cotidiano, o tempo, sem mais, nem menos, parece fraquejar?
Em doze anos de games e existência, o garoto jamais percebera algo tão surreal quanto aquilo: ao redor dos movimentos da vizinha de bloco, o baile das horas, como a zombar da humanidade, inventa de delongar a própria (e, reclamava seu avô, “inescrupulosa”) cadência. Pois não é que, diante daquela vidraça, como se numa astronave em ritmo parelho à velocidade da luz, os olhos de Alberto (assim como seus óculos e seu boné de Star Wars) cismam de viajar no espaço-tempo?
Ao bocejar de cada manhã, o tímido sonhador do edifício Cosmos só pensa em desbravar: galáxias, nebulosas, enigmas da matéria. Mal sabe ele, menino que é, dos efeitos de seu olhar inquiridor, para além do horizonte etéreo de seu quarto de dormir.
Quando de volta à normalidade, após a diária passagem de Estela rumo aos afazeres da vida, o coração viajante de Alberto torna-se – fibra a fibra, ventrículo a ventrículo – bem mais jovem que o de todos os outros habitantes do planeta azul.